Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 95/2018-A
Data da decisão: 2019-04-25  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação Jurídica de Emprego público – Avaliação de desempenho.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I) RELATÓRIO

 

 1. Constituição do Tribunal Arbitral

O A... vinculou-se à jurisdição do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa através do Despacho 8339/2011 de 21 de junho, abrangendo a vinculação, além do mais, às questões relativas a litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP.

 O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem daquele Centro.

 

2. O pedido e a sua fundamentação

B... instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a presente ação contra o A..., doravante A..., imputando ao ato administrativo de avaliação de desempenho vários vícios i) o RAAD viola o principio da igualdade; ii) o procedimento viola o princípio da confiança, porquanto estabelece limites máximos nas ponderações; iii) vício no procedimento de avaliação, uma vez que não foi admitido pela CADD a junção de documentos complementares em sede de audiência prévia. 

Face a tais vicissitudes do procedimento, pede a este Tribunal que condene o A... à i) anulação do ato administrativo de avaliação, sendo o sobredito ato substituído por um outro que determine a avaliação deste com três pontos por cada ano avaliado, ii) e indemnização a fixar em sede de execução de sentença por todos os danos que o Demandante venha a sofrer com o ato impugnado.

Subsidiariamente à prática de ato administrativo que atribua ao Demandante três pontos por cada ano requer que não seja aplicado ao Autor os limites constantes da grelha de avaliação sumária e que sejam considerados os elementos juntos na reclamação apresentada a 17.01.2018 (doc. 11 junto com a P.I. e fls. 193 do P.A.).

 

Contestou o Demandado defendendo, em síntese, que não assiste razão ao demandante, porquanto no seu entender não houve durante todo o processo violação do princípio da igualdade, nem do princípio da confiança.

Afasta ainda a existência de vícios no procedimento de avaliação e considera, por conseguinte, que não existe qualquer direito indemnizatório do Demandante.

 

II) Saneamento do Processo

O Tribunal é competente, as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, inexistindo nulidades que cumpram apreciar ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III) Fundamentação

 

A. De Facto

1. Factos Provados 

 Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O demandante exerce funções de docente do A... com a categoria de Professor Adjunto desde maio de 2002.
  2. O Regulamento de Avaliação de Desempenho dos Docentes (RAAD) do A... data de 14.04.2001, tendo o mesmo sofrido alterações a 07.01.2016.
  3. A 16.10.2017 o Demandante apresentou a sua ficha de autoavaliação para os períodos de 2004 a 2015, juntando para o efeito a respetiva grelha – a mesma para dois períodos de avaliação distintos - e documentos comprovativos da sua atividade docente, cfr. doc 6 junto com a PI e fls. 1 a 93 do PA.
  4. O Demandante foi notificado do projeto de decisão que o avaliava com 16 pontos e respondeu a tal requerimento, procedendo à junção de novos documentos, cfr. doc. 8 junto com a PI e fls. 94 do PA.
  5. A CADD, em face de tal pronúncia informou o Demandante que no diz respeito ao i) ano de 2011 autonomizou tal avaliação do sobredito ficheiro e atribui 2 pontos ao Demandante; ii) ao ponto 1.1.3. da grelha alterou a classificação para 15 e iii) indefere os demais pedidos de alteração, porquanto considerou não ter competência para admitir a junção de novos elementos, cfr. fls. 198 do PA.
  6. O Demandante impugnou tal decisão e requereu junto da Presidente do A... a anulação do processo de avaliação de desempenho dos docentes do A..., pedido esse que improcedeu, tendo a mesma homologado a avaliação de desempenho docente do Demandante.

 

2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados.

Foi ouvida, na qualidade de testemunha a Prof. C..., Prof. Adjunta do D..., A... e membro da CADD à data da avaliação do Demandante. A referida testemunha depôs com isenção e imparcialidade, sendo que o depoimento da mesma não trouxe novos elementos de prova significativos ao processo, porquanto o seu depoimento coincidiu no essencial com os elementos já constantes do procedimento administrativo.

Com relevância para a decisão informou o Tribunal que o Demandante também foi avaliador, dado a função de direção de departamento que exercia a existência de reuniões da CADD e de um conjunto de FAQ’S (frequently asked questions/perguntas frequentes) no portal do D... e A... .

 

B. De Direito

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se assiste ou não razão ao Demandante nos vícios que aponta ao RAAD.

Vejamos:

 

  1. Da violação do princípio da legalidade

O Demandante entende que o RAAD  e o Despacho do A...– ... /P-.../2017 violam o princípio da legalidade, porquanto criam para os docentes que exercem cargos de gestão face aos demais uma situação de desigualdade, uma vez que esses podem ser avaliados com a pontuação máxima através de simples requerimento, independentemente da qualidade do trabalho desempenhado e apenas na componente organizacional da avaliação.

 

Cumpre apreciar:

 

O art.º 14.º do RAAD prevê que os docentes sejam avaliados em três dimensões: i) pedagógica; ii) técnico-científica e iii) organizacional.

O art.º 8.º, n.º 1 do RAAD impõe que o exercício de funções em órgãos dirigentes do A... e das suas unidades orgânicas é sempre considerado para efeitos de avaliação de desempenho, sendo que o n.º 2 do referido preceito consagra que para os docentes da al. b) do n.º 1 do art.º 2.º do RAAD será considerada apenas a componente organizacional, sendo-lhes atribuídos 0,25 pontos por cada mês completo de exercício de funções.

O art.º 13.º da CRP que consagra o princípio da igualdade diz que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sendo que o n.º 2 do sobredito artigo determina que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

A este propósito, veja-se o que diz Gomes Canotilho e Jorge Miranda[i] na Constituição da República Anotada quando referem que a proibição de discriminação “não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento. (...)

O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legitimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) nãos e fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo. 

Quando houver um tratamento desigual impõe-se uma justificação material da desigualdade. É óbvio que quer o fim, quer os critérios do tratamento desigual têm de estar em conformidade com a Constituição. Mas, para além disso, o tratamento desigual deve pautar-se por critérios de justiça, exigindo-se, desta forma, uma correspondência entre a solução desigualitária e o parâmetro de justiça que lhe empresta fundamento material.”

E continuam os autores a propósito do principio da igualdade “(...) obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções que não tenham justificação e fundamento material bastante (sub. nosso). O ponto central da discussão em torno do princípio da igualdade reconduz-se, assim, à questão de saber se existe fundamento material bastante para diferenciações de tratamento jurídico (...)”.

Ora, o cerne da questão é precisamente o de saber se há ou não justificação e fundamento material bastante para que o RAAD estabeleça uma distinção de tratamento entre os docentes que não fazem parte do elenco do art.º 2.º, al. b), a saber: i) presidente do A...; ii) Presidente de Unidade Orgânica; iii) Presidente do Conselho Técnico-Científico; iv) Presidente do Conselho Pedagógico; v) Provedor do Estudante e estes.

Os docentes que se dedicam a sobreditos cargos de gestão, fazem-no obrigatoriamente em regime de exclusividade, como é o caso do Presidente do A...  nos termos do artigo 90.º do RJIES; do Presidente da Unidade Orgânica, cfr. artigo 51.º do RJIES e artigo 56.º, nº1 dos Estatuto do A...; e do Provedor do Estudante, cfr. artigo 10.º, al. a) do Estatutos do A... .

No caso do Presidente do CTC e CP, de facto nem o RJIES, nem os Estatutos do A..., impõem o regime de exclusividade, mas as funções que ambos desempenham na Organização impõem uma dedicação praticamente em exclusivo, sem carga letiva, ou com carga letiva reduzida.

O que significa que estes docentes, que estão impedidos de se dedicar ao ensino, ou com carga letiva reduzida não podem, de facto, ser avaliados nas três componentes, como os demais, uma vez que não têm como exercer tais componentes.

Aliás, se assim fosse, o RAAD aí sim, violaria o princípio da igualdade, uma vez que estava a impedir que quem exercesse cargos de direção não pudesse ver o seu trabalho avaliado e seria prejudicado face àqueles docentes que não exercem cargos de gestão.

Face ao exposto, consideramos, tal como já considerou o Ministério Público junto do TAF do Porto, cuja fundamentação perfilhamos e aqui damos por reproduzida, que não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, cfr. doc. 7 junto com a contestação.

 

  1. Da Violação do Princípio da Confiança

O Demandante alega que, pelo facto da grelha de avaliação e o RAAD imporem limites máximos, nos diversos parâmetros, violam o princípio da confiança.

Ora, o princípio da proteção da confiança, basilar no Estado de Direito democrático, implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhe são criadas, não admitindo afetações arbitrárias ou desproporcionalmente gravosas com as quais, o cidadão comum, minimamente avisado, não pode razoavelmente contar[ii].

Ora, mais uma vez, improcedem os argumentos do Demandante. Senão vejamos:

O RAAD foi sujeito a discussão pública alargada no D... e no A... . O Demandante enquanto ente avaliador esteve em reuniões com a CADD a este propósito e conhecia as regras do RAAD. Sempre conheceu, desde o início que existiam tais ponderações.

Aliás, não poderia ser de outra forma. O art.º 35.º -A do ECPDESP exige de facto, que sejam consideradas todas as atividades dos docentes e o RAAD considera-as no art.º 11.º.

O facto de existirem três dimensões de avaliação, e dentro de cada dimensão avaliação a diversos itens, tem de existir naturalmente limites máximos.

Doutra forma, a avaliação circunscrever-se-ia dentro de cada dimensão apenas à avaliação de um parâmetro, uma vez que permitiria que o docente atingisse a pontuação máxima apenas nesse item.

Além do mais, a grelha foi objeto de divulgação junto de toda a comunidade e, como tal, era conhecida de todos, pelo que não constituiu nenhuma surpresa para nenhum docente.

 

  1. Do vício de procedimento – não admissão de novos documentos em sede de audiência prévia

O Demandante, regularmente notificado do projeto de decisão, foi notificado, em sede de audiência previa, para querendo, se pronunciar sobre o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º, n.º 8 e 9 do RAAD.

O que determina tal normativo, nomeadamente o n.º 9 é que “O avaliado dispõe de dez dias úteis para exercer o direito de resposta em sede de audiência de interessados, em face do projecto de avaliação nos termos do número anterior, podendo, no caso de não concordar com o projecto de classificação final, aduzir as suas razões perante a CADD da Unidade Orgânica.”

A metodologia do processo de avaliação expressamente prevista no art.º 15.º do RAAD, no seu n.º 3 determina que “Os docentes devem anexar à ficha de auto-avaliação elementos que revelem resultados obtidos no decorrer do período em avaliação”.

Nesta pronúncia, o Demandante requereu que fossem ponderados novos elementos e, consequentemente, a alteração da sua classificação no ponto 1.2.1. de 1 para 1,5; no ponto 1.2.2. de 0 para 1 e no ponto 2.2.4. de 0 para 1.

O Demandante vem invocar o art.º 115.º e 121.º do CPA para justificar a possibilidade da junção de novos documentos.

De facto, concordamos com o Demandante quando este afirma que os sobreditos artigos permitem a junção de documentos em sede de audiência prévia.

Sucede que no caso em concreto, a junção de novos documentos seria para demonstrar à CADD que o projeto de classificação estava errado. Os novos documentos teriam de ser um reforço dos documentos já juntos.

Ou seja, a junção de novos documentos, ou mesmo de diligências complementares, nunca poderiam ter o fito de alteração dos elementos juntos ao procedimento pelo próprio.

Os prazos e a tramitação estabelecida, que era conhecida do Demandante – nomeadamente que não era admissível junção novos elementos depois dos prazos estabelecidos -, porque as aplicou na qualidade de avaliador e tal indicação constava das FAQ no Portal da Internet do D..., pretende garantir um procedimento justo. Admitir novos elementos porque a classificação obtida não foi a desejada, única e exclusivamente por inércia do próprio Demandante, que se esqueceu que tinha publicados os apontamentos em livro, que tinha publicado um livro e que tinham produzido material pedagógico que abrange 2/3 do programa era a mesma coisa que permitir a junção de documentos depois do ato de homologação.

O Demandante tentou fazer entrar pela janela, o que não fez no devido tempo pela porta, pelo que não tendo junto tais elementos com o pedido de avaliação, precludiu o seu direito de juntar tais elementos ao procedimento administrativo.

Face ao exposto, não padece o procedimento de nenhum vício e, como tal, não incorre a Demandada na obrigação de indemnizar o Demandante.

 

IV. Decisão

Em razão do supra exposto, decide-se julgar os pedidos formulados pelo Demandante improcedentes, absolvendo-se a Demandada dos pedidos formulados.

*

Fixa-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do artigo 32.º do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º do RCAAD, valor este indicado pelo Demandante na PI e não objeto de contestação por parte do Demandado.

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Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD.

 

Porto, 25 de abril de 2019

 

 

(O Árbitro)

Jorge Barros Mendes

 

 



[i] Constituição da República Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pp. 340 e ss.

[ii] Vide, entre outros, Ac. do TC 303/90, 625/98 e 160/00, disponíveis em www.direitoemdia.pt.