DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A – Das Partes e do objeto
A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-...-..., ..., especialista operacional da B..., demandou o C..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., ...-..., L, junto do Centro de Arbitragem Administrativa («CAAD»).
O Demandante efetuou pedido de constituição de tribunal arbitral em 22 de maio de 2018.
O Demandado foi citado em 24 de maio de 2018 e apresentou a sua contestação em 7 de junho de 2018.
Em 14 de junho de 2018 constituiu-se o presente Tribunal Arbitral, tendo as Partes sido desse facto notificadas, por via eletrónica, na mesma data.
Com interesse para a questão, o Demandante alega, em síntese, e oferecendo dois documentos como prova, a seguinte factualidade:
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“O Demandante encontra-se provido em lugar do Mapa de Pessoal da B... na carreira de Especialista Operacional”;
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“Sendo funcionário público desde 24/01/2002”;
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“Faltou justificadamente, por doença, no período compreendido entre 02/10/2017 e 03/11/2017 e entre 16/11/2017 e 15/01/2018”;
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“Foi avisado de que não poderia marcar férias vencidas no dia 1 de Janeiro de 2018 e reportadas ao trabalho no ano civil anterior, até perfazer seis meses seguidos de trabalho”;
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“Requereu que tal lhe fosse permitido – documento n.º 1”;
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“Em 20-02-2018, foi notificado de que a B... entendia que não tinha direito a tal por entender serem-lhe aplicáveis os artigos 129.º e 127.º da LGTFP – documento n.º 2”.
O Demandado, na sua contestação, não excecionou dilatória ou perentoriamente nem impugnou de facto, tendo junto Parecer do Ministério Público no âmbito do Proc. n.º 20/18.BCLSB.
Nestes termos, dão-se os factos alegados na P.I. como provados por acordo (art. 572.º, al. c) do Código de Processo Civil).
Peticiona o Demandante que seja declarado, em sede de condenação à prática de ato devido, “o direito a marcar férias sem dependência do prazo de seis meses nos termos do prescrito nos arti. 11.º, e 7.º, alínea b) da Lei n.º 4/2009 e 15.º da lei n.º 35/2014 e 10.º, n.º 4, do Decreto lei n.º 100/99, sendo o Demandado condenado a permitir-lhe tal.”
Deste modo, a questão que a este Tribunal cabe resolver é de Direito e prende-se, muito sucintamente, com esclarecer se os artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho («Diploma Preambular»), constituem normas especiais derrogatórias do disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas («LGTFP»), aprovada em anexo à mesma Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e que determina a suspensão do vínculo de emprego público e efeitos no direito a férias, a um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês.
Fixo, em conformidade, o objeto do litígio na interpretação do direito aplicável à questão suscitada, pois que a procedência do pedido de declaração do direito e respetiva condenação à prática do ato devido só à mesma está condicionada.
B – Saneamento
O Tribunal é competente, as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, inexistindo nulidades que cumpram apreciar ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados, os seguintes factos:
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O Demandante encontra-se provido em lugar do Mapa de Pessoal da B... na carreira de Especialista Operacional (provado por acordo);
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O Demandante é funcionário público desde 24 de janeiro de 2002 (provado por acordo);
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O Demandante faltou justificadamente, por doença, no período compreendido entre 2 de outubro de 2017 e 3 de novembro de 2017 e, novamente, entre 16 de novembro de 2017 e 15 de janeiro de 2018 (provado por acordo);
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O Demandante foi informado de que não poderia marcar férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2018 e reportadas ao trabalho no ano civil anterior, até perfazer seis meses seguidos de trabalho (provado por acordo);
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Em 22 de fevereiro de 2018, o Demandante requereu que lhe fosse permitido marcar férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2018 e reportadas ao trabalho no ano civil anterior, sem necessidade de perfazer seis meses seguidos de trabalho, tendo junto jurisprudência do CAAD e Acórdão do STA de 28 de setembro de 2017 (Proc. n.º 109/17) para sustentar a sua posição (provado pelo documento n.º 1, junto com a P.I.);
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Posteriormente, foi o Demandante notificado de que a B... entendia que não tinha direito a marcar férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2018 e reportadas ao trabalho no ano civil anterior, sem necessidade de perfazer seis meses seguidos de trabalho, por entender serem-lhe aplicáveis os artigos 129.º e 127.º da LGTFP (provado pelo documento n.º 2, junto com a P.I.).
B – De Direito
O thema decidendum, conforme fixado, prende-se com saber se a um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP, com a consequente suspensão do vínculo de emprego público e efeitos no direito a férias, ou se está antes sujeito aos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, enquanto normas especiais que derrogam o regime da LGTFP.
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Do regime dos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP
O artigo 278.º, n.º 1, da LGTFP prescreve que: “1 – Determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.”
Do preceito se retira que o trabalhador que se veja impedido de prestar serviço por mais de um mês por motivo que lhe não seja imputável, nomeadamente doença – como ocorre nos presentes autos –, vê o seu vínculo de emprego público suspenso, iniciando assim um período de impedimento prolongado.
Por seu turno, prescreve o artigo 129.º, n.º 2, da LGTFP: “2 – No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º.”
Assim, se em janeiro de 2018 cessou o impedimento prolongado, o trabalhador estará sujeito até ao fim desse ano ao regime de determinação do quantum de férias previsto para os vínculos de duração inferior a seis meses (cfr. art. 127.º da LGTFP).
O artigo 127.º da LGTFP esclarece que:
“1 – O trabalhador cuja duração total do vínculo não atinja seis meses tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato.
2 – Para efeitos da determinação do mês completo, devem contar-se todos os dias, seguidos ou interpolados, em que foi prestado trabalho.
3 – Nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação, salvo acordo das partes.”
Este artigo estabelece, portanto, o quantum dos dias de férias a que o trabalhador que tenha estado em situação de impedimento prolongado – v.g. suspensão por período superior a um mês por motivo que lhe não é imputável – terá até ao fim do ano: 2 dias úteis por cada mês completo de trabalho prestado até termo do ano civil (cfr. art. 126.º, n.º 1, da LGTFP).
No entanto, como salientado na Decisão Arbitral deste CAAD de 6 de janeiro de 2016, proferida no Proc. n.º 64/2015-A, cujo conteúdo infra transcrito acompanhamos:
“De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 127.º, dúvidas não restam que o trabalhador que regresse de uma situação de impedimento prolongado tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho. / Questão diferente é a de saber quando é que o trabalhador pode gozar essas férias. Ora, o artigo 127.º da LGTFP não contém uma resposta a esta questão ou, pelo menos, não tem uma resposta para os casos em que o vínculo excede os seis meses, já que apenas disciplina o momento do gozo de férias em vínculos cuja duração total não seja superior a seis meses (cfr. n.º 3). Apesar de a LGTFP não consagrar um prazo mínimo de execução do contrato após impedimento prolongado, nem fixar um limite ao número de dias de férias a gozar pelo trabalhador no ano da cessação do impedimento, considera-se que, atenta a remissão do artigo 126.º, n.º 1 da LGTFP para o regime consagrado no Código do Trabalho, no caso de um impedimento prolongado iniciado em ano anterior, as férias apenas poderão ser gozadas após seis meses de execução do contrato. / Com efeito, de acordo com o artigo 126.º, n.º 1 da LGTFP, “o trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, nos termos previstos no Código do Trabalho e com as especificidades dos artigos seguintes.” (sublinhado nosso). O direito a férias segue, assim, o regime do Código do Trabalho com as especificidades previstas na LGTFP. Ora, se o direito a férias segue o regime consagrado no Código do Trabalho com as especificidades constantes da LGTFP e, quanto a esta matéria, não se vislumbra a existência de qualquer especificidade na LGTFP que derrogue ou impeça a aplicação das regras previstas no Código do Trabalho, dever-se-á entender que valem aqui os limites previstos no artigo 239.º, números 1 e 2 do Código do Trabalho (aplicáveis por remissão do n.º 6 do mesmo artigo).”
Pelo exposto, caso faça vencimento a posição do Demandado, o regime aplicável ao Demandante é precisamente o que surge descrito no §5 da comunicação de 6 de março de 2018, da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da B... (cfr. documento n.º 2, junto com a P.I.).
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Da natureza especial do normativo do art. 15.º do Diploma Preambular face
à LGTFP
Sucede que, para aplicação da solução perfilhada por essa Unidade será necessário demonstrar que a regulação em causa não é afastada por norma especial, in casu, os arts. 14.º e 15.º do Diploma Preambular.
O art. 15.º do Diploma Preambular é aplicável aos trabalhadores sujeitos ao regime de proteção social convergente. Ora, não restam dúvidas de que o Demandado está integrado neste regime uma vez que, atento o Ponto B) do probatório, “através da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, a proteção social dos trabalhadores públicos concretizou-se pela sua integração no regime geral da segurança social ou no regime de proteção social convergente, sendo o primeiro aplicável fundamentalmente aos trabalhadores titulares de uma relação jurídica de emprego constituída após 1 de janeiro de 2006 e o segundo os trabalhadores que até àquela data já eram titulares de tal relação de emprego (v. porém, os arts. 7.º e 11.º da Lei n.º 4/2009)”[1] (cfr. §8 da P.I.).
A occasio legis constitui um parâmetro interpretativo importante pois que através dela se percebe a ratio legis, i.e., porque é que a solução adotada foi uma e não foi outra (interpretação histórico-teleológica). É com base nestes elementos, a par do sistemático, que se há-de verificar se há ou não especialidade da norma em causa (cfr. art. 9.º do Código Civil).
A opção legislativa por uma dualidade de regimes não é despicienda: com a revogação do art. 1.º do Estatuto da Aposentação e um sem número de outras medidas se demonstra vontade legislativa em harmonizar o regime do funcionalismo público e o regime constante do Código do Trabalho almejando assim a um regime único de proteção social para funcionários públicos e para os restantes trabalhadores cuja relação laboral está sujeita ao regime do Código do Trabalho.
A este respeito, foi salientado por Decisão Arbitral deste CAAD, de 21 de novembro de 2017, proferida no Proc. n.º 21/2017-A, que: “relativamente aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, a referida Lei n.º 4/2009 de 29 de janeiro remeteu para decretos-leis posteriores a regulamentação de cada uma das eventualidades previstas no sistema previdencial, nomeadamente doença, mantendo até à entrada em vigor da nova regulamentação os regimes legais e regulamentares que regulavam as várias eventualidades do regime de proteção social convergente (cfr. artigos 13º, 29º e 32º, n. º 2 deste diploma legal). / Sucede que, como nota Miguel Lucas Pires, nem toda essa regulamentação setorial foi aprovada e, “nomeadamente, não entrou ainda em vigor a respeitante à eventualidade de doença”. Por esse motivo, o legislador veio a consagrar normas especiais aplicáveis a esses trabalhadores no âmbito dos diplomas referentes ao trabalho em funções públicas, nomeadamente na eventualidade de doença.”[2]
De facto, a criação de dois regimes de proteção social (convergente e da segurança social) tem a sua justificação na (i) necessariamente paulatina afetação de direitos adquiridos no âmbito de relações duradouras, como são as de trabalho, em honra aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, (ii) nas normais exibições das forças de poder, desde logo as sindicais, na garantia dos direitos adquiridos dos trabalhadores que representam, e, (iii) finalmente numa consequente ponderação destes interesses, em sede de princípio da proporcionalidade, feita pelo legislador.
Assim sendo, não pode proceder, a opinião expendida no §15 da Contestação pois que existe uma dualidade de regimes baseada numa ponderação de interesses justificada porque ancorada na garantia dos direitos adquiridos: o regime de proteção social convergente constitui, em boa verdade, direito transitório material. Assim, este direito transitório material constitui regime especial face à lei nova (LGTFP).
Como salientado por Oliveira Ascensão, “pode a lei fixar, casuisticamente, a solução das hipóteses que se coloquem na fronteira entre uma e outra lei [LA e LN]. Se assim o faz, temos o chamado direito transitório. (…) A maioria dos seus preceitos ocupa-se da solução de problemas específicos levantados por situações duradouras que, iniciadas no domínio da lei antigo, tendem a prolongar os seus efeitos no domínio da nova lei. Aí se encontram, pois, regras especiais. (…) Há direito transitório formal quando o legislador se limita a escolher, de entre as leis potencialmente aplicáveis, [tendencialmente LN ou LA], as que devem regular no todo ou em parte essa situação. (…) Há direito transitório material quando as situações a que se reportam as sucessivas leis recebam disciplina própria.”[3]
Embora a doutrina não se tenha pronunciado sobre a qualificação do regime da proteção social convergente como direito transitório material, pode inferir-se esta conclusão da opinião de que, muito embora “não fa[ça] sentido que o regime de justificação de faltas de uns trabalhadores esteja no diploma preambular e o de outros se encontre na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois, em bom rigor, ambos os regimes deveriam estar disciplinados no mesmo local, fosse ele o diploma preambular ou a Lei Geral[,] Julgamos que a justificação para a diferenciação só poderá radicar no facto de o regime de segurança social passar a ser futuramente o regime maioritário, esperando o legislador que os funcionários e agentes que até 31 de dezembro de 2005 estavam ao serviço do Estado vão progressivamente cessando o seu vínculo de emprego, o que tornaria dispensável que no texto da lei que vai regular para o futuro o regime dos trabalhadores públicos se fizesse qualquer referência ao processo de justificação de um coletivo que tenderá progressivamente a desaparecer. / Dizer-se que não se justifica a diferente localização do regime de faltas por doença não significa que não se reconheça que há uma substancial diferença entre o regime de justificação de faltas por doença dos trabalhadores inseridos no regime de proteção social convergente e o regime de idênticas faltas dadas pelos demais trabalhadores públicos integrados no regime geral de segurança social.”[4]
O principal argumento do Demandado é que o art. 15.º do Diploma Preambular encerra um regime especial mas só para o que nele está previsto, não afetando a aplicabilidade da LGTFP, enquanto regime geral, nas matérias não contidas no dito art. 15.º. Aqui o silêncio do normativo corresponde a uma aplicação do regime geral da LGTFP. Neste sentido, a já referida Decisão Arbitral proferida no Proc. n.º 64/2015-A.
Por seu turno, o Demandante salienta que o art. 15.º do Diploma Preambular encerra um regime especial – rectius, excecional – para o que nele está previsto e, bem assim, a contrario, para o que nele não vem previsto, uma vez que o proémio do artigo revela a taxatividade dos efeitos previstos nas várias alíneas. Aqui o silêncio corresponde ainda a derrogação da LGTFP. Neste sentido, a Decisão Arbitral deste CAAD, de 21 de novembro de 2017, proferida no Proc. n.º 21/2017-A, a de 26 de novembro de 2015, proferida no Proc. n.º 65/2015-A, a de 18 de dezembro de 2015, proferida no Proc. n.º 61/2015-A, o Acórdão do STA de 18 de setembro de 2017, proferido no Proc. n.º 109/17, e o Acórdão do TCAS de 20 de outubro de 2016, proferido no Proc. n.º 13317/16.
Apesar de não vinculativa mas tendo presente o valor ordenador da jurisprudência claramente maioritária, efetivamente, o art. 15.º, n.º 1, estabelece que “a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes.” Ora, nos números seguintes não existe qualquer tipo de previsão de efeitos quanto a férias ou suspensão de vínculo.
Mais ainda, “nem no artigo 15.° nem no conjunto das demais normas especiais aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente (artigos 16.° a 41.º da lei preambular) encontramos qualquer norma similar à que constava do artigo 19.º [n.º 5 do diploma preambular] da Lei n.º 59/2008, alterado pela Lei n.º 66/2012, a determinar a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação especifica a aprovar) ou sobre a aplicação do preceito relativo aos efeitos no direito a férias.” – cfr. Acórdão do TCAS já citado, dando concordância à interpretação expendida na Decisão Arbitral deste CAAD de 26 de novembro de 2015, proferida no Proc. nº 65/2015-A .
Do ponto de vista sistemático, os arts. 14.º e ss. do Diploma Preambular constituem bloco regulatório especial, e por isso mesmo – independentemente da técnica legislativa ser boa ou má – se encontra em Diploma Preambular e não no seu Anexo. E confirmando essa interpretação, o art. 15.º sugere a taxatividade das afetações dos direitos por falta por doença.
O supra referido Acórdão do STA refere que “o artigo 19.º da Lei n° 59/2008, alterado nomeadamente pela Lei n° 66/2012 e depois pela Lei n.º 68/2013, de 29/08, e revogado pela Lei 35/2014, aqui em causa, determinava a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação específica a aprovar) com efeitos no direito a férias. (…) Estava expressamente previsto o regime que o aqui recorrente pretende ser aplicável e deixou de o estar face ao diploma que o revogou e onde se insere o referido art. 15º que aqui cumpre interpretar, o qual rege uma ampla previsão de situações. Pelo que temos de concluir que a falta de previsão de uma norma com esse conteúdo significa tão simplesmente que não se pretendeu incluí-la, antes se visando que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afetasse qualquer direito do trabalhador, e nomeadamente qualquer efeito sobre as férias, com exceção do aí expressamente previsto. Não podemos, assim, dizer que o facto de o referido artigo 15º não aludir à suspensão do vínculo de emprego público por impedimento não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de 1 mês (omitindo tal questão), tal significa que continuaria em vigor o regime de suspensão do artigo 278.° da LTFP e por consequência os seus efeitos no direito a férias nos termos dos artigos 127º e 129.° da LTFP. É que, não aludindo este preceito a quaisquer efeitos no direito a férias, e não sendo este nenhum dos direitos do trabalhador afetado nos termos dos números 2 a 9 do artigo 15°, temos de concluir que as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, ainda que superiores a 30 dias, não determinam quaisquer efeitos sobre as férias, não se aplicando, por isso, o disposto nos artigos 129.° e 127.° da LGTFP, que afetam precisamente o direito a férias. E assim deve ser, sob pena de se estar a admitir a afetação do direito a férias, o que o legislador não previu, antes expressamente referindo que não seriam afetados quaisquer direitos dos trabalhadores para além dos aí expressamente previstos.”
O alegado no §26 da Contestação não oferece resistência ao entendimento aqui expensado já que a taxatividade do art. 15.º do Diploma Preambular implica que se considere a dita revogação do seu n.º 6 como apenas mais uma medida de harmonização de regime cujos efeitos se quedarão em si mesmos, não permitindo uma interpretação mais lata do que isto mesmo.
Se é verdade que a harmonização de regimes, como salientado no §24 da Contestação, é paulatina e finalisticamente orientada à unidade de regimes, também é verdade que está ainda em curso e que se tem demonstrado profundamente casuística.
Assim, perante a convocação de todos os elementos interpretativos aludidos, somos forçosamente encaminhados à conclusão tirada por jurisprudência maioritária de que o art. 15.º do Diploma Preambular constitui um regime derrogatório da LGTFP sendo que tal norma reveste carácter taxativo quanto à afetação dos direitos dos trabalhadores nele previstos.
Consequentemente, é de considerar inaplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente a norma que se extrai da conjugação do regime previsto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP e 239.º, n.º 1, do Código do Trabalho, segundo a qual se o trabalhador vê a sua situação laboral ser suspensa por via de impedimento prolongado só pode gozar férias após prestação de trabalho efetivo por seis meses.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, considera-se procedente a presente ação, declarando-se o direito do Demandante a marcar férias sem dependência do prazo de seis meses, nos termos do art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e condenando-se o Demandado a conceder férias ao Demandante em conformidade.
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Valor da causa: € 30.000,01 (cfr. art. 33.º, n.º 1, do CPTA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Encargos nos termos do art. 29.º, n.ºs 1 e 5, do Regulamento de Arbitragem Administrativa.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Lisboa, 09.01.2019
O Árbitro,
Luís Fábrica
[1] Cfr. “Comentário ao art. 14.º do Diploma Preambular à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, in Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (1.º volume) – artigos 1.º a 240.º, 2014, Coimbra Editora, Coimbra, p. 30.
[2] Cfr. Miguel Lucas Pires, Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas Anotada e Comentada, Almedina, Coimbra, 2014, página 21.
[3] Cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito: Introdução e Teoria Geral (Uma perspetiva Luso-Brasileira), 4.ª ed. rev., 1987, Verbo, Lisboa, pp. 416 e 417.
[4] Cfr. “Comentário ao art. 14.º do Diploma Preambular à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, in Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (1.º volume) – artigos 1.º a 240.º, 2014, Coimbra Editora, Coimbra, p. 30. No mesmo sentido, Francisco Pimentel, Regime Jurídico das Férias, Faltas e Licenças dos Trabalhadores com Vínculo de Emprego Público, 2016, Almedina, Coimbra, p. 61.