DECISÃO ARBITRAL
I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E OBJETO DO LITÍGIO
A..., casado, Cartão de Cidadão..., NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-..., ..., docente do ensino superior (doravante designado por “Demandante”),
requereu a constituição de Tribunal Arbitral a 22 de dezembro de 2017, nos termos do artigo 10º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, intentando um processo arbitral contra o B... (B...), com sede na Rua ..., ..., ...-..., ... (adiante designado por “Demandado”), no qual pediu o reconhecimento do seu direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador prevista no Estatuto de Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei nº 185/81, de 1 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, e pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, ao abrigo do regime fixado pelo artigo 8º-A, nº 5 do referido Decreto-Lei nº 207/2009, na redação da Lei nº 7/2010, e do preâmbulo e do artigo 6º, do Decreto-lei nº 45/2016, de 17 de agosto; e, cumulativamente, a condenação do Demandado na prática dos atos jurídicos e das operações materiais exigidas para a realização e prestação das referidas provas públicas.
Distribuído o processo, foi o Demandado citado para contestar, não o tendo feito, o que não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo Demandante se consideram provados (artigo 12º, nº 7, do Regulamento de Arbitragem Administrativa).
A signatária foi designada como árbitro do processo, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído a 14 de fevereiro de 2018, após a sua aceitação, de acordo com o Regulamento de Arbitragem Administrativa.
II – SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente. O Demandado vinculou-se à jurisdição do CAAD através do Despacho B.../P/.../..., de 21 de janeiro de 2010. As partes outorgaram compromisso arbitral complementar, a 5 de dezembro de 2017, no qual acordaram não renunciar ao recurso da decisão arbitral a ser proferida nos presentes autos (Doc. 1, Petição Inicial).
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O processo foi concluso ao árbitro designado, que emitiu despacho inicial, com data de 2 de abril de 2018, onde foi decidido serem os elementos constantes dos autos bastantes para a decisão, tendo as partes sido notificadas para, querendo, se pronunciarem nos termos da alínea c) do nº 1 e do nº 3 do artigo 18º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, o que não fizeram.
O valor da causa é fixado em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do disposto nos artigos 31º e 34º, nºs 1 e 2 do CPTA e artigo 6º, nº 4 do ETAF.
Não existem nulidades.
Cabe decidir.
III – DOS FACTOS
Factos dados como provados
Tendo em conta o artigo 12º, nº 7, do Regulamento de Arbitragem Administrativa, devem ser considerados provados, com interesse para o processo, os seguintes factos alegados pelo Demandante:
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O Demandante é docente no B... (Demandado) desde 15 de dezembro de 1995, em regime de exclusividade (Doc. 3, Petição Inicial);
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O Demandante detém a categoria de Professor Adjunto desde 29 de outubro de 2003 (Doc. 3, Petição Inicial);
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Em 18 de agosto de 2016, data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 45/2016, de 17 de agosto, o Demandante exercia funções docentes em regime de exclusividade há mais de 20 anos;
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Em 30 de dezembro de 2016, o Demandante requereu a realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para a categoria de Professor Coordenador (Doc. 2, Petição Inicial), não tendo obtido resposta;
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Não foram realizadas as referidas provas públicas para a categoria de Professor Coordenador.
IV – DO DIREITO
Está em causa, no presente processo, saber se assiste ou não ao Demandante o direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador na carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, no âmbito da aplicação do artigo 8º-A, nº 5, aditado ao Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto (que altera o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei nº 185/81, de 1 de julho, e estabelece um regime transitório), pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, e tendo em conta o artigo 6º, nº 1 e o preâmbulo do Decreto-Lei nº 45/2016, de 17 de agosto, através de interpretação extensiva ou por integração através de analogia.
O presente litígio tem significativa jurisprudência firmada no CAAD, seguindo-se, de perto, o anteriormente decidido.
O artigo 8º-A, nº 5, aditado ao Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, epigrafado “Regime transitório excepcional”, estabelece que
“os assistentes, professores-adjuntos e professores coordenadores que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, nos termos estabelecidos nos nºs 8 a 10 do artigo 6º com as devidas adaptações, transitando, em caso de aprovação das referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, na mesma categoria.”
O artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016, de 17 de agosto, define que
“Os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os nºs 9, 10 e 11 do artigo 6º, do Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de Agosto, alterado pela Lei nº 7/2010, de 13 de Maio.” (sublinhado nosso).
Resulta, assim, que não consta do Decreto-Lei nº 45/2016 norma idêntica ao artigo 8º-A, aditado ao Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, ou seja, o Decreto-Lei nº 45/2016 admite um regime especial para os docentes equiparados a professor adjunto, mas não para os professores adjuntos.
De acordo com o Demandante, o artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016 está formulado de forma incorreta, padecendo de “(muito) deficiente formulação ou até de incompletude” (artigo 25º da Petição Inicial), especialmente quando conjugado com o preâmbulo do mesmo diploma, impondo-se o recurso à interpretação extensiva ou a integração por analogia. No referido preâmbulo afirma-se que o particular regime transitório ali vertido visa a regularização de situações contratuais com natureza precária que não tenham sido solucionadas pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio.
Ora, não é esta a situação do Demandante.
O Demandante iniciou efetivamente funções junto do Demandado, em regime de exclusividade, a 15 de dezembro de 1995, não contando à data de entrada em vigor do artigo 8º-A, com os 15 anos de trabalho necessários. No entanto, deixou de estar integrado no regime excecional ao ter ingressado na carreira a 29/10/2003, quando celebrou um contrato de trabalho em funções públicas.
Ora, é claro que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 45/2016 se destina aos docentes equiparados a professor adjunto, ou seja, não integrados na carreira, o que não é o caso do Demandante, visto ter já transitado para um contrato definitivo, pressupondo-se que preenche os devidos requisitos académicos.
Ou seja, a pretensão do Demandante é mudar de categoria e, dessa forma, progredir na carreira, e não ingressar na carreira, situação a que se aplicam os referidos preceitos.
Não assiste, assim, razão ao Demandante, quando afirma que o regime gera uma situação de iniquidade.
No referido preâmbulo do Decreto-Lei nº 45/2016, afirma-se que:
“Faculta-se igualmente a possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos nºs 9, 10 e 11 ao artigo 6º e do nº 5 do artigo 8º A ao Decreto-Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva.”
E é aqui que o Demandante alega a aplicação extensiva do âmbito subjetivo do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016, aos professores adjuntos, como é o seu caso.
O preâmbulo tem como função elucidar quais foram as principais soluções legais, limitando-se, em geral, à enunciação da motivação subjacente à introdução de determinado diploma na ordem jurídica. Pese embora a convocação das regras de legística, constantes do Anexo II da Resolução do Conselho de Ministros nº 90-B/2015, de 9 de novembro, pelo Demandante (artigo 45º da Petição Inicial), estas não iludem o facto de o preâmbulo não ter carácter normativo (cfr. DAVID DUARTE, et al., Legística – Perspectivas sobre a Concepção e Redacção de Actos Normativos, Coimbra, 2002).
Ainda assim, atribui-lhe relevância o Demandante, peticionando o recurso à interpretação extensiva do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016, no sentido de incluir, os professores adjuntos.
Como se recorda na Decisão proferida no Processo 92/2017-A, do CAAD:
“Há lugar a interpretação extensiva “quando se chega à conclusão de que a letra da lei é mais restritiva que o seu espírito” (CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994, p. 232). No mesmo sentido, “o intérprete pode concluir que o legislador queria dizer uma coisa e as palavras traíram-no, levando-o a exprimir realidade diversa. Se o sentido ultrapassa o que resultaria estritamente da letra, deve-se fazer interpretação extensiva. (OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Coimbra, 7.ª edição, 1993, p. 407).
A interpretação extensiva “verifica-se quando o intérprete, observando uma desarmonia entre o significado literal comum e o espírito da lei, corrige aquele para, deste modo, obedecer à mens ou voluntas legis. (…). Na base da interpretação extensiva invoca-se a sentença latina ubi eadem est ratio legis eadem est eius dispositio [“Onde houver a mesma razão da lei, a sua disposição é, aí, a mesma.”]” (SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 2.ª edição, 2003, pp. 333 s.).
Por último, na interpretação extensiva, “o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer.” (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1994, p. 185).”
No caso em apreço, não se verifica qualquer divergência a respeito do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016, que visa concretamente os docentes não integrados na carreira. A consideração do preâmbulo do referido diploma na sua globalidade, sem que este assuma caráter normativo, aponta exatamente nesse sentido.
Sendo claros o propósito da norma e os seus destinatários, não se pode afirmar que a letra da lei fique aquém do seu espírito, não se podendo, portanto, alegar a necessidade de interpretação extensiva.
Trata-se, ademais, de uma situação que configura um regime transitório e excecional, o que deve sempre ser entendido restritivamente.
Peticiona ainda o Demandante a integração por analogia.
Seguindo de perto novamente a jurisprudência do CAAD, designadamente a Decisão proferida no Processo 92/2017-A, ali se afirma que:
“Entende-se por lacuna “uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste” (OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 422) ou “a ausência duma norma jurídica que permita resolver uma situação da vida social que reclama uma solução jurídica” (SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 339).
(...)
KARL LARENZ considera que só há uma lacuna da lei “se a lei é incompleta comparada com a sua própria intenção reguladora” e que “uma lei é «lacunosa» ou incompleta sempre apenas em atenção à regulação por ela almejada, materialmente exaustiva e, neste sentido, «completa», bem como materialmente adequada.” (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 3.ª edição, 1997, pp. 531 s.).”
Deve então aferir-se se o caso em análise apresenta uma situação lacunar. O regime transitório instituído pela Lei nº 7/2010, de 13 de maio, pretendeu regularizar a conjuntura de precariedade existente no ensino superior politécnico, designadamente no respeitante à igualdade em relação aos docentes integrados e não integrados na carreira.
Como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei nº 45/2016, em 2016 persistiam ainda situações precárias, tendo o legislador definido um regime excecional para assistentes e docentes equiparados. Por não configurarem casos de precariedade, não foram incluídos os professores integrados na carreira docente, não obstando obviamente este regime a que estes possam progredir na carreira, recorrendo aos procedimentos regulares estabelecidos no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico. A existência desta solução jurídica para os professores inseridos na carreira, que não se encontram, assim, num vazio legal, e o facto de o regime definido no Decreto-Lei nº 45/2016 a eles não ser destinado, faz com que não se verifique, nesta instância, uma lacuna na lei, tendo em conta que esta não “é incompleta comparada com a sua própria intenção reguladora” (KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 3.ª edição, 1997, pp. 531 s.)”.
Tendo em conta que o Demandante se encontra integrado na carreira, restar-lhe-á a submissão a concurso, e não a provas de avaliação da capacidade pedagógica e técnico-científica, para progressão na carreira. Pelo que não se poderá concluir que existe uma lacuna na lei a carecer de integração. A solução consagrada no artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 45/2016, tem como telos regularizar situações precárias ainda existentes, como resulta, aliás, do referido preâmbulo, e não um regime de progressão na carreira aos docentes que nela já estão integrados.
Improcedendo o pedido de condenação ao reconhecimento do direito, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento de outros pedidos.
V – DECISÃO
Em razão do supra exposto, julga-se:
Improcedente o pedido formulado pelo Demandante, sendo o Demandado absolvido dos pedidos formulados.
O valor da ação é fixado em 30.000,01€.
Notifiquem-se as partes e deposite-se o original da sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Os encargos processuais são suportados em partes iguais pelo Demandante e pelo Demandado, nos termos do artigo 29º, nº 5, do Regulamento de Arbitragem Administrativa.
Lisboa, 29.10.2010
A Árbitro,
Maria Inês Gameiro