Decisão Arbitral
Demandante: A..., funcionário do Núcleo de Segurança da B..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ...- ..., Sesimbra.
Demandado: C..., com sede na ..., n.º ...-..., Lisboa.
I. Das Partes e do Pedido
A – A...,
Instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente acção contra,
B – C... .
II. Do objecto do processo
O Demandante veio requerer a anulação do despacho da ..., de 31 de Janeiro de 2018, que determinou a reposição dos valores relativos ao subsídio de turno abonado entre 1 de Janeiro de 2013 e 30 de Junho de 2014 e, se assim se não entender, a concessão de uma indemnização fixada em valor igual ao da reposição, extinguindo-se a obrigação de reposição, por compensação.
Alega que o acto impugnado objeto dos autos está prescrito, nos termos do n.º 1 do art.º 168.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e padece do vício de violação de lei e violação do princípio da justiça e da boa-fé.
Na presente ação está assim em causa a reposição de subsídio de turno, no período compreendo entre 1 de Janeiro de 2013 e 30 de Junho de 2014, por parte do Autor, imposta por despacho proferido em 31 de Janeiro de 2018.
No período supra mencionado estava em vigor sobre a matéria objeto dos autos, o Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, diploma que estabelecia as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública, com a formulação introduzida pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, com data de entrada em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, seguindo-se a Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, em aplicação desde agosto seguinte, nos termos dos quais: a falta de sustentação legal aos abonos processados resultará, fruto de evidência inspetiva, de se considerar trabalho por turnos noturno aquele que foi prestado entre as 20 horas e as 22 horas, pois o intervalo qualificador foi reduzido, por lei de 2012, a partir de 1 de Janeiro seguinte, aplicável, direta ou retroativamente, das 20 horas – 7 horas, para as 22 horas – 7 horas, pela referida Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro.
A Lei n.º 66/12, de 31 de Dezembro veio assim alterar o art.º 32 do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto e determinar que o serviço nocturno passasse a ser considerado já não aquele que é prestado entre as 20h e as 7h, mas entre as 22h e as 7h.
Contudo, só em 9 de Junho e em 11 de Julho de 2014, o Senhor Director Nacional Adjunto da B... deliberou pela adequação dos horários dos turnos à nova legislação.
O Demandante, a exercer funções no Núcleo de Segurança desde Dezembro de 2010, presta muitas vezes serviço dentro deste horário (uma vez que faz escalas de turnos de 16h), obtendo assim direito a auferir o subsídio de turno.
E, em consequência, auferiu este subsídio (atento a hora “antiga”) até à citada decisão de Junho de 2014; pese embora o regime legal já não o previsse.
Pelo referido despacho de 31 de Janeiro, a ... veio determinar a reposição dos valores relativos ao subsídio de turno abonado entre 1 de Janeiro de 2013 e 30 de Junho de 2014 nos seguintes termos: “.. adopte as diligências adequadas (…) determinando a notificação pessoal dos seus trabalhadores visados para a reposição das verbas por estes indevidamente recebidas”.
O Demandante foi notificado aos dias 15 de Fevereiro de 2018 e dele interpôs recurso hierárquico junto da Exma. Senhora Ministra da C...,
E pretende agora a sua anulação, por considerar que nunca concebeu que existisse qualquer ilegalidade no processamento do subsídio de turno, sustentando que este despacho enferma de vício de violação de Lei, em concreto, do disposto no art.º 168.º do Código do Procedimento Administrativo.
Considera ainda o Autor que estão em causa actos constitutivos de direitos, pelo que lhe assiste o direito a ser indemnizado, nos termos do n.º 6.º da citada norma do CPA.
O Demandante requer, a final, que seja solicitado junto do Réu a decisão sobre o referido recurso ou uma certidão comprovativa dos factos alegados nos artigos 16.º a 26.º do seu articulado ou, ainda, em alternativa, que seja prestado depoimento do Superior hierárquico do Autor sobre tais factos.
III. Da competência do Tribunal
No âmbito das relações de direito administrativo, pode ser atribuída ao Tribunal Arbitral a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro).
Nos termos artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, “o presente Regulamento aplica-se à arbitragem em matéria administrativa que decorre do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”)”.
No caso, o Demandante exerce funções junto do Núcleo de Segurança da B..., na Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança, com um contrato em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, em regime de dedicação exclusiva; conforme documento junto aos autos no requerimento inicial e subscrito pelo Demandante aos dias 31 de Janeiro do presente ano.
IV. Da Legitimidade das Partes
O Demandante tem personalidade e capacidade judiciárias, nos termos do artigo 8.º-A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do n.º 1 do artigo 9.º do CPTA.
O Demandado tem igualmente legitimidade para esta acção, nos termos da norma do artigo 10.º do CPTA.
V - Decidindo,
I – Da exigibilidade da reposição de verbas
O Demandante veio requerer a anulação do despacho da ..., de 31 de Janeiro de 2018, que determinou a reposição dos valores relativos ao subsídio de turno abonado entre 1 de Janeiro de 2013 e 30 de Junho de 2014 e, se assim se não entender, a concessão de uma indemnização fixada em valor igual ao da reposição, extinguindo-se a obrigação de reposição, por compensação.
Fundamenta o seu pedido no facto de, alegadamente, o acto impugnado objeto dos autos estar prescrito, nos termos do n.º 1 do art.º 168.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e padecer do vício de violação de lei e violação do princípio da justiça e da boa-fé.
Está em causa na presente ação, a reposição de subsídio de turno, no período compreendo entre 1 de Janeiro de 2013 e 30 de Junho de 2014, por parte do Autor, imposta por despacho proferido em 31 de Janeiro de 2018.
O Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) foi aprovado em 1992 e teve como objectivo o de finalizar a arquitectura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública.
Além de um conjunto de normas contabilísticas e de disciplina orçamental, o RAFE passou a incluir a disciplina da restituição de importâncias indevidamente retidas ou pagas pelo Estado, tendo revogado o Decreto-Lei n.º 34/80, de 25 de Agosto.
O art.º 36.º, n.º 2 deste diploma confere a aplicabilidade deste regime aos trabalhadores com vínculo de emprego público.
Assim, sempre que estamos perante decisões de reposição de montantes indevidamente recebidos, haverá lugar à revisão dos actos de processamento de remunerações.
Contudo, tal solução pode implicar a frustração de expectativas legítimas do trabalhador que confia na boa-fé e na diligência dos serviços que lhe determinaram aquela remuneração.
Há assim que ponderar os interesses, por um lado, que advêm do Princípio da Legalidade, que impõe que sejam revistos os actos inválidos e, por outro, os interesses que decorrem para o trabalhador dos princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da segurança jurídica.
No que respeita aos actos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, a jurisprudência administrativa procurou encontrar a melhor solução para compor os citados interesses divergentes.
Pese embora os nossos tribunais assumam que cada acto de processamento de vencimentos constitui, em princípio, um verdadeiro acto administrativo e não uma simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a Administração e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objecto de oportuna impugnação ou revogação [1], os prazos de revogação ou anulação destes actos foram muito divergentes.
A entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2005 (Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro), que introduziu o n.º 3 do art.º 40 do RAFE, veio trazer ainda mais confusão, impondo uma ruptura com a orientação adoptada até então pelo STA e encontrando justificação na necessidade de enquadramento da reposição de subvenções de origem comunitária.
Recentemente, o Tribunal Central Administrativo Sul defendeu o seguinte: “Esta doutrina surgiu por causa das subvenções ou apoios financeiros europeus, sujeitos a controlo posterior. Não surgiu por causa do processamento de vencimentos. (…) Afinal, o processamento de vencimentos e abonos aos servidores públicos é, para o STA e o TCAS, um acto administrativo que não depende de um controlo posterior. E, por isto mesmo, (art.º 140.º, n.º 2, alínea a) do CPA, o regime do art.º 36 e ss do DL 155/92, máxime o art.º 40) refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se o abono era ou não devido. Caso contrário, estaria a violar-se o art.º 140 do CPA, a segurança jurídica e a tutela de confiança dos particulares”.
Entretanto, com a publicação do Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21 de Dezembro, diploma que altera o regime da Administração Financeira do Estado e do Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (RAFE), vem esclarecer-se, no art.º 40, n.º 3, que os atos administrativos que estejam na origem de procedimentos de reposição de dinheiros públicos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão são enquadráveis na situação prevista na alínea c) do n.º 4 do art.º 168.º do CPA de 2015,
Deste modo, não restam dúvidas de que a alínea c) do n.º 4 do art.º 168.º do CPA é inteiramente aplicável aos actos administrativos que dão lugar ao dever de restituição de quantias recebidas indevidamente, podendo os mesmos ser anulados para além do prazo de um ano, pelo que não se verifica a alegada prescrição, independentemente do seu conhecimento sobre a ilegalidade cometida e/ou das suas intenções ou motivações, com excepção, das que se mostrem prescritas.
Relativamente à produção de prova testemunhal requerida pelo Autor, atenta a matéria em causa e aos factos apurados, não poderá existir prova testemunhal que se sobreponha ou contrarie os factos comprovados documentalmente, pelo que se torna a mesma desnecessária e se recusa, nos termos do n.º 3 do art.º 90.º do CPTA.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida dos pedidos, com as demais consequências legais.
VII. Decisão
Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela absolvição do Demandado.
VIII. Valor da Causa
Fixa-se o valor da acção nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo); (cf. n.º 1 do artigo 33.º do CPTA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pela Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Porto, 30 de Agosto de 2018,
O Árbitro,
(Durval Tiago Ferreira)
[1] (Cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 6/12/05, Processo n.º 0672/05. Confirmado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2009, de 5/06/08, Processo n.º 01212/06).