Decisão Arbitral
I. Das Partes e do Pedido
A –A…, Professor Adjunta, com o NIF … e n.º de Cartão de Cidadão…, residente na Rua…, n.º…, …/direito, …. -…, …,
Instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente acção contra,
B – B…, com sede na Rua …, …-…, …,
II. Do objecto do processo
A Demandante foi notificada de despacho proferido aos dias 18/07/17 pelo Senhor Presidente do B…, pelo qual se indefere a sua pretensão de realização de provas públicas para avaliação de competência pedagógica e técnico-científica, requeridas com fundamento legal no Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, art.º 8.º - A.
E pretende agora a anulação deste despacho, por considerar que existe vício de violação de Lei e pede a condenação do Demandado a praticar um novo acto, autorizando a realização das referidas provas públicas.
III. Da competência do Tribunal
As partes sujeitaram o pleito a arbitragem, por meio de celebração, aos dias 14/02/18, de uma Convenção de Arbitragem, que veio a originar o processo n.º 37/2018-A.
Em 7 de Março de 2018 fui nomeado como árbitro.
No âmbito das relações de direito administrativo, pode ser atribuída ao Tribunal Arbitral a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro).
Nos termos artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, “o presente Regulamento aplica-se à arbitragem em matéria administrativa que decorre do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”)”.
No caso, a Demandante é docente no B… desde 14 de Novembro de 1989, sendo actualmente Professora Adjunta, com um contrato em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, em regime de dedicação exclusiva; conforme documento junto aos autos no requerimento inicial e subscrito pelo Demandante aos dias 31 de Janeiro do presente ano.
IV. Da Legitimidade das Partes
A Demandante tem personalidade e capacidade judiciárias, nos termos do artigo 8.º-A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do n.º 1 do artigo 9.º do CPTA.
O Demandado tem igualmente legitimidade para esta acção, nos termos da norma do artigo 10.º do CPTA.
V. Dos Factos
Como resulta dos termos do pedido, a Demandante conformou o objecto deste litígio essencialmente por referência às funções laborais desempenhadas junto da Demandada, que se passam a enunciar:
- Desde 1989, a Demandada exerce as funções de Professora Adjunta.
- Com data de 30 de Dezembro de 2016, a Demandante requereu, junto do Demandado, a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica para a categoria de Professor Coordenador.
- Em 10 de Janeiro de 2017, o B… remete o ofício da Demandante para o C… (C…), para efeitos de apreciação; solicitando uma orientação de acordo com o que está a ser decidido pelas outras escolas que fazem parte do universo do C… .
- Por resposta, em 10 de Maio de 2017, o C… endereça, por correio electrónico, a todas as escolas, um parecer jurídico que verte a posição do Instituto e aquela que deverá ser a interpretação do respectivo regime legal; em concreto, do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto.
- Nesse parecer/informação jurídica, conclui-se o seguinte: O Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto vem estabelecer uma prorrogação do prazo para a obtenção do grau de doutor ou especialista até 31 de Agosto de 2018 e ainda a possibilidade de os docentes requererem a prestação de provas públicas de avaliação de competências, desde que preenchidos os requisitos enumerados no art.º 6.º deste diploma. Contudo, sustenta-se que esta norma abrange tão só os assistentes e os equiparados a assistentes, a professores adjuntos e a professores coordenadores; excluindo-se os professores assistentes e os professores adjuntos.
- Com base neste entendimento que veio a ser adoptado como critério uniforme pelo C… e pelas escolas que engloba, de entre as quais o B…, em 18 de Julho de 2017, o Demandado indefere o citado requerimento.
- E a Demandante é notificada da intenção do indeferimento aos dias 21 de Julho de 2017; decisão que se torna definitiva a 4 de Agosto.
- Por consequência, a Demandante interpõe um recurso hierárquico para a Senhora Presidente do C… .
- Contudo, conforme o teor da Informação subscrita pela Dra. D…, Chefe de Divisão do C…, tal recurso não foi aceite, porquanto foi entendimento que não existe qualquer relação de hierarquia entre o B… e o C…; detendo o Demandado plena autonomia administrativa, conforme o disposto nos Estatutos do C…, aí melhor identificados.
- Esta decisão veio a motivar a presente acção arbitral.
Temos assim uma questão de fundo, que contende com o âmbito de aplicação do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, em concreto, a de saber se a situação da Autora se enquadra neste normativo ou não e ainda uma questão prévia, a de saber se a presente acção está em tempo, atento os prazos fixados pelo art.º 58.º do CPTA.
Porque a apreciação da questão prévia, naturalmente, influencia a posterior decisão sobre o mérito da questão, importa que seja desde já decidida.
O Demandante, na sua contestação, vem pugnar pela intempestividade da acção, porquanto, por um lado, entende que o prazo não se suspendeu com a interposição do recurso hierárquico, na medida em que o recurso foi dirigido a um órgão que não tinha competência para tal e, por outro, que não há lugar ao alargamento do prazo para um ano, com base na alínea c) do n.º 3 do art.º 58.º do CPTA.
E porque não se suspendeu o prazo nem se aplica esta disposição, sustenta o B… que já há muito que se esgotaram os 3 meses de que dispunha a Autora para intentar a presente acção de impugnação do acto praticado em 21 de Julho de 2017 e que se tornou definitivo em 4 de Agosto.
VI - Decidindo,
I – Da caducidade do direito de acção
O art.º 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA fixa o prazo de 3 meses para a impugnação dos actos anuláveis.
O acto em crise tornou-se definitivo em 4 de Agosto de 2017 e a presente acção deu entrada em Fevereiro do presente ano; excedendo largamente o citado prazo de 3 meses para impugnação.
A Autora, contudo, alega que o quadro normativo aplicável é extremamente ambíguo, não se descortinando com facilidade quais as relações jurídicas entre o Demandado e o C…, devendo, tal facto, justificar a aplicação da alínea c) do art.º 58 do CPTA; o que faz alargar o prazo para um ano.
Ora, o art.º 41.º dos Estatutos do C…, homologados por Despacho Normativo n.º 5/2009, publicado em Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro, posteriormente alterados pelo Despacho Normativo n.º 6/2016, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Agosto, são claros em atribuir autonomia administrativa às respectivas Escolas que pertencem ao universo do C… .
E o art.º 40.º dos Estatutos do Demandado, homologados pelo Despacho n.º 15834/2009, de 26 de Junho, publicados no Diário da República, II Série, n.º 132, de 10 de Julho, dispõe que o B… goza de autonomia administrativa, estando os seus actos somente sujeitos a impugnação judicial, salvo os casos previstos na Lei.
O art.º 193.º do CPA prevê o recurso hierárquico nos casos em que exista uma relação hierárquica entre dois órgãos administrativos.
No caso, atento o teor dos respectivos Estatutos, depreende-se que o Presidente do B… não se encontra sujeito aos poderes hierárquicos do Presidente do C… .
Pelo que não restaria outro caminho à Autora que não fosse a via judicial.
E, a ser assim, não se opera a suspensão do prazo por força do recurso hierárquico interposto.
Sem prescindir,
Alega a Autora que pode socorrer-se do alargamento do prazo de 3 meses para 1 ano, previsto pela alínea c) do n.º 3 do art.º 58.º, que considera o atraso desculpável quando o quadro normativo aplicável é ambíguo.
Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira referem que ficam abrangidos pelo conceito legal de ambiguidade do quadro normativo as dificuldades na busca e fixação das leis aplicáveis, quer na sua interpretação ou aplicação. Como afirmam, com alguma razão: “Dificuldade frequentes porque, como se disse, se trata aqui de leis que, ao contrário da lei civil (mais concentrada, ordenada e sistematizada em códigos) são de muito difícil localização no meio de dezenas de milhar de diplomas (a que se vem juntar agora o emaranhado da legislação comunitária), sendo certo que o nosso legislador, tão prolixo, nestas últimas décadas, um turbo legislador, é relapso quanto ao dever de, em cada diploma, se referir às leis por si revogadas ou alteradas” [1].
E igualmente Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (ainda sobre o antigo diploma, mas cujo preceito, em parte, se manteve, pese embora se tenham alterado o regime de contagem dos prazos) consideram que “ As soluções consagradas neste n." 4 constituem um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva, permitindo o exercício do direito de impugnação para além do prazo-regra de três meses, sempre que a posição processual do interessado surja especialmente agravada em consequência da imperfeição do sistema legal ou das incidências do procedimento administrativo em que foi praticado o acto impugnável. Importa notar, contudo, que as circunstâncias especificadas nas diversas alíneas do n." 4 são taxativas e que, conforme se prevê no corpo desse número, a admissibilidade da impugnação está dependente de outros requisitos processuais: por um lado, ainda que verificada qualquer daquelas circunstâncias, a petição só pode considerar-se tempestivamente apresentada se o for dentro do prazo mais longo previsto no n.º 2 (um ano); por outro lado, a alegação do demandante está sujeita ao contraditório, podendo a entidade requerida invocar factos que infirmem o quadro de anormalidade que tenha sido invocado em vista à obtenção da prorrogação do prazo. Em todo o caso, é ao demandante que cabe alegar os factos constitutivos do seu direito - direito de apresentar a petição para além do prazo-regra de três meses (artigo 342.° do CC) -, e a decisão será adoptada segundo a livre convicção do juiz, que deverá aferir a existência da situação de inexigibilidade pela diligência de um cidadão médio. Na sua apreciação, o juiz terá ainda de ter em linha de conta o princípio pro actione, que decorre do disposto no artigo 7.°, e que impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito.” [2]
Para Manuel Andrade, se a prescrição tem por fundamento a inércia do respectivo titular, circunstância que o torna indigno de protecção, já “o fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo” [3].
No mesmo sentido, diz Vaz Serra que” a caducidade é estabelecida como o fim de dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica” [4].
A Demandante, pese embora a alegação que faz, de molde a ancorar-se no disposto na alínea c) do n.° 3 do art.° 58.° do CPTA, não demonstra de que forma o acto em causa, que lhe foi notificado, padece de falta de fundamentação ou de ambiguidade no quadro normativo em que se insere.
Igualmente, da leitura dos autos não se vislumbra que estejamos perante qualquer situação fáctico-jurídica dúbia ou nebulosa que permita o seu enquadramento na ambiguidade do quadro normativo, pois que o que se verifica é que a Autora simplesmente não concorda com a interpretação adoptada pela Demandada de exclusão da categoria de Professora Adjunta do âmbito de aplicação do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto.
Mas daí, não pode concluir-se pela ambiguidade do quadro normativo.
Primeiro, porque, no que concerne aos Estatutos que regem o B…, os mesmos são claros ao determinar a sua autonomia administrativa. Segundo porque, no que concerne ao estatuto do pessoal docente do ensino superior politécnico, da leitura da douta PI, resulta que a Autora conhece bem a legislação aplicável.
Por último, mostra-se inoperante, no caso sub judice, a aplicação do princípio pro actione, uma vez que os princípios constitucionais de acesso à justiça e à tutela efectiva pressupõem sempre que existam duas possibilidades ou opções em termos de decisão, o que no caso não sucede, pois, apenas se verifica uma única, que conduz ao facto de a Autora ter deixado, sem fundamento, passar o prazo de interposição de acção em juízo, sem que comprove que existiram fundamentos para que tal tivesse sucedido.
Ou seja, o princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.
Só que, no caso e atentas as circunstâncias concretas, como referido, a Autora não podia ignorar as disposições legais que impõem prazos legais que, se não forem cumpridos, conduzem à caducidade do direito de acção, não existindo qualquer circunstancialismo, quer reportado às normas jurídicas aplicáveis, quer ao desenrolar do processo, que seja susceptível de gerar dúvida relevante em termos de justificar o não cumprimento diligente do prazo de 3 meses.
Conclusões
O art.º 41.º dos Estatutos do C… é claro em atribuir autonomia administrativa às respectivas Escolas que pertencem ao universo do C… .
E o art.º 40.º dos Estatutos do B… dispõe sem margem para dúvidas que este Instituto goza de autonomia administrativa, estando os seus actos somente sujeitos a impugnação judicial, salvo os casos previstos na Lei.
Por sua vez, o art.º 193.º do CPA prevê o recurso hierárquico nos casos em que exista uma relação hierárquica entre dois órgãos administrativos.
No caso, atento o teor dos respectivos Estatutos, depreende-se que o Presidente do B… não se encontra sujeito aos poderes hierárquicos do Presidente do C… .
Pelo que não restaria outro caminho à Autora que não fosse a via judicial.
Em segundo lugar, também não vemos fundamento legal para que a Autora se possa socorrer do alargamento do prazo de 3 meses para 1 ano, previsto pela alínea c) do n.º 3 do art.º 58.º, com a justificação na ambiguidade do quadro normativo aplicável.
Primeiro, os Estatutos que regem o B… determinam a sua autonomia administrativa. Segundo, no que concerne ao estatuto do pessoal docente do ensino superior politécnico, da leitura da douta PI, resulta que a Autora conhece bem a legislação aplicável.
Pelo exposto, determina o art.º 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA que se considera como excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa a intempestividade da prática do acto processual, ou, na designação anterior, a caducidade do direito de acção (anterior alínea h) do n.º 1 do art.º 89.º), havendo assim lugar à absolvição da instância.
VII. Decisão
Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela absolvição da Demandada.
VIII. Valor da Causa
Fixa-se o valor da acção nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo); (cf. n.º 1 do artigo 33.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RAA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pela Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD (cf. n.º 3 do art.º 23.º do RAA).
Porto, 17 de Julho de 2018,
O Árbitro,
(Durval Tiago Ferreira)
[1] Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, Janeiro de 2006.
[2] Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição - 2010, pp. 392 e 393 e na mesma esteira, o Acórdão do TCAN, de 04-12-2015, Processo nº 00509/13.6BEPRT.
[3] In Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464
[4] In RLJ, ano 107º, p. 24