Decisão Arbitral
I. Do Tribunal Arbitral, das Partes e do Valor da Causa
I1. Do Tribunal Arbitral
A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, por efeito do artigo 3.º do Regulamento de Resolução Alternativa de Litígios do Instituto Politécnico B... (“B...”), publicado em Anexo ao Despacho n.º 8839/2011, de 21 de junho de 2011 (cf. Diário da República, 2.ª série, N.º 126, de 4 de julho de 2011, página 27953).
A referida norma vincula genericamente o B... ao CAAD para dirimir os litígios, desde que de valor não superior a € 30.000,00 nos termos do seu n.º 3, emergentes de relações reguladas pelo Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (“ECPDESP”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de julho, incluindo matérias objeto de regulamentação pelo Instituto e suas Unidades Orgânicas.
Nestes termos, esta vinculação, desde logo, considerada, quanto ao Estado, no artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), está prevista no artigo 44.º-A, n.º 4 do ECPDESP, norma que exige que a regulamentação respetiva estabeleça o tipo e o valor máximo dos litígios para os quais a vinculação genérica é eficaz.
Adicionalmente, a Demandante e o B... convencionaram expressamente [cfr. Documento 1 junto à petição inicial] não renunciarem ao recurso da decisão arbitral que venha a ser proferida na presente arbitragem, considerando o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD (o “Regulamento”) (disponível em www.caad.org.pt/) e para efeitos do artigo 39.º, n.º 4 da Lei de Arbitragem Voluntária (“LAV”).
Não oferece qualquer dúvida quanto à legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada (cf. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 30, de 12 de fevereiro de 2009, página 6113), nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.
Este tribunal arbitral é composto por um árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa, devendo fazê-lo segundo o Direito constituído (cf. artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, do Regulamento, bem como artigo 185.º, n.º 2, do CPTA).
À luz dos artigos 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 26.º, n.º 2, do Regulamento, o Tribunal explicita que poderá recorrer subsidiariamente às normas da LAV e do CPTA.
I2. Da ilegitimidade passiva da C...
A demandante, A..., divorciada, docente do ensino superior, residente na ..., ..., n.º..., ..., ...-..., ..., interpôs a presente ação contra o B... contra a C... do Instituto Politécnico do B... (“C...”).
A C... foi formalmente reconhecida como unidade orgânica do B... em fevereiro de 2006, sendo, porém, o B... o único a ter a natureza jurídica de pessoa coletiva de direito público, conforme resulta dos artigos 3.º dos Estatutos de cada uma destas entidades (cf. Despacho normativo n.º 5/2009, de 26 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 22, de 2 de fevereiro de 2009, páginas 4786 a 4796; Despacho normativo n.º 6/2016, de 20 de julho de 2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 147, de 2 de agosto de 2016, páginas 24018 a 24019; e Despacho n.º 2832/2018, de 22 de julho de 2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 147, de 2 de agosto de 2009, páginas 24018 a 24019).
Desta forma, e nos termos dos artigos 8.º-A, n.º 5 e 10.º, n.º 4 do CPTA, considera-se exclusivamente demandado o B..., que é quem na ação tem personalidade e capacidade judiciárias e legitimidade passiva de acordo com os artigos 8.º-A, n.º 2 e 10.º, n.º 2.
I3. Exceção dilatória de incompetência absoluta do CAAD
A Demandante indicou na petição inicial para a presente causa o valor de € 5.728,94, esclarecendo que este valor foi calculado pelo valor diferencial ilíquido entre a remuneração paga à Demandante como professora adjunta e a remuneração devida se lhe fosse reconhecida a categoria de professora coordenadora multiplicado por 14 (número de remunerações mensais devidas desde dezembro de 2016, pelo período de um ano, tempo previsível para a realização das provas).
É inequívoco que tem de ser atribuído um valor pecuniário certo à causa, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, com efeitos em termos de recorribilidade de sentença do tribunal e custas processuais.
Por outro lado, o valor da causa pode condicionar ou não a suficiência do instrumento de vinculação à jurisdição do CAAD.
A Demandante identificou e calculou o montante acima mencionado nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do CPTA: “quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.
Assim, ao optar pela referida norma, a Demandante não teve em consideração os seguintes factos:
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Estando em causa um direito a prestação de provas e não um direito à aprovação das mesmas, não há certeza de que obteria um vencimento base superior logo em dezembro de 2016 e de forma automática, ainda que tais provas fossem realizadas no dia em que as requereu;
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Ainda que tivesse realizado as provas no dia em que as requereu, também não haveria a certeza de que pudesse ser aprovada; e
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O pedido que deduziu não tem por objeto qualquer quantia que tenha ficado por pagar por efeito da omissão de decisão do requerimento para a prestação dessas provas, já que a diferença de vencimento base é utilizada exclusivamente como critério para indicação do valor da causa.
Por todas as razões atrás expostas, não é possível transformar a questão da determinação da categoria profissional da Demandante como uma questão que constitui um mero pressuposto lógico da decisão sobre o pagamento de tais quantias, desta forma elevadas a pedido principal.
O pedido diz respeito claramente à impossibilidade de a Demandante aceder à categoria profissional de professor coordenador prevista no ECPDESP, estando-se, assim, perante uma ação para conhecimento de uma categoria profissional, sobre a qual refere o Supremo Tribunal de Justiça (cf., entre outros, Acórdãos de 14/11/2001, no Processo n.º 01S1821 e no Processo n.º 01S1959, com antecedentes no Acórdão de 19/03/1992, no Processo n.º 003369, e com reflexo no Acórdão 25/10/2010, no Processo n.º 4483/07.0TTLSB.L1.S1): “o pedido de reconhecimento de uma categoria profissional (…) não comporta quantificação exata e representa valores e interesses que vão para além do salário, penetrando a própria carreira do trabalhador, o seu estatuto profissional e a sua colocação na hierarquia (…) ”.
Ainda que a referida pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça diga respeito a relações jurídico-laborais privadas, prevalece a substância da argumentação sobre a “imaterialidade” dos bens, interesses, utilidades ou posições jurídicas em causa quando se aprecia o direito de aceder a uma categoria profissional ou de aceder a procedimentos determinantes desse acesso, pois nestes casos estamos perante ações em que o objeto não tem, em si, expressão pecuniária, isto é, estamos perante ações que se destinam “à declaração ou à efetivação de direito extrapatrimonial”, na expressão de Aroso de Almeida e Fernandes Padilha (cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 160).
Somos, assim, obrigados a concluir que o presente processo respeita a bens imateriais, considerando-se, deste modo, de valor indeterminável e, portanto, de valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo: € 30 000,01, nos termos do artigo 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Diga-se, aliás, que, também como no Processo cuja sentença foi pela Demandante junta aos presentes autos [Processo n.º 187/15.8BEBJA], o valor da respetiva causa foi fixado precisamente em € 30 000,01. E, no mesmo sentido, veja-se, entre outros, os seguintes Processos decididos pelo CAAD: n.º 30/2013-AA; n.º 46/2013-A; n.º 47/2013-A; n.º 1/2014-A; n.º 10/2014-A; n.º 31/2014-A; n.º 15/2015-A a n.º 22/2015-A; n.º 33/2015-A; n.º 64/2015-A; n.º 65/2015-A; n.º 86/2015-A; n.º 15/2017-A (cf., ainda, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01/03/2012, no Processo n.º 0832/07, e de 19/03/2013, no Processo n.º 012/13; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/12/2015, no Processo n.º 08889/15; Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 16/09/2011, no Processo n.º 00638/11.0BEPRT, e de 23/03/2012, no Processo n.º 03124/11.5BEPRT).
Porém, a Demandante e o B..., na pessoa do seu Presidente (cf. n.º 3 do artigo 44.º-A do ECPDESP; artigo 184.º, n.º 2, do CPTA e alínea y) do n.º 1 do artigo 27.º dos Estatutos do B..., em anexo ao Despacho normativo n.º 5/2009, de 26 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 22, de 2 de Fevereiro de 2009, páginas 4786 a 4796), acautelaram a competência deste Tribunal, subscrevendo conjuntamente compromisso arbitral, no qual declaram, de modo expresso e inequívoco e reportando efeitos a 31 de agosto de 2017, as suas vontades comuns de que seja decidido pelo CAAD o objeto do litígio nele pendente com o número de processo 52/2017-A, com o valor de € 30 000,01, submetendo um tal compromisso à apreciação deste Tribunal.
II. Do objeto da ação e das questões sub judice
II.1 Aplicabilidade ou não do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto
O objeto da presente ação, conforme formatado por ela, é a condenação do B... a uma decisão favorável, com a prática dos atos necessários à admissão às provas públicas requeridas e à realização das mesmas.
Para que tal aconteça, é necessário que a argumentação própria da metodologia do Direito permita concluir, como preconiza a Demandante, que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, conferia aos docentes do ensino superior politécnico com a categoria de professor adjunto o direito de, querendo, requererem, até 31 de dezembro de 2017, a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica para, em caso de aprovação, acederem, sem outras formalidades, mantendo o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, à categoria de professor coordenador.
A Demandante, invocando que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, teria ficado aquém dos propósitos anunciados naquele décimo primeiro parágrafo do respetivo preâmbulo, sugere uma interpretação jurídica, “extensiva e corretiva”, daquele artigo ou integração de lacuna, propondo que o mesmo fosse lido e aplicado com o seguinte sentido: “Os docentes abrangidos pelo n.º 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, bem como pelo n.º 5 do artigo 8.º-A, do mesmo diploma legal podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem estas normas, com as consequências nelas estabelecidas em caso de aprovação”.
Nestes termos, propõe a Demandante um texto inovatório, com o qual pretende descrever e enquadrar o sentido de um resultado normativo conforme à sua pretensão.
Assim sendo, importa analisar se estão verificados os pressupostos metodológico-jurídicos justificativos de uma interpretação extensiva do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
A Demandante defende que o elemento literal da norma ficou aquém do seu espírito, aferido este pelos respetivos elementos histórico, sistemático e teleológico da interpretação jurídica, incluindo nesta análise o teor do décimo primeiro parágrafo do preâmbulo deste diploma, cujo teor se reproduz:
“Faculta-se igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.ºs 9,10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva”.
Por sua vez, refere, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, sob a epígrafe “Provas públicas de avaliação de competência”, (na sua redação anterior à referida alteração feita pelo artigo 2.º da Lei n.º 65/2017, de 9 de agosto):
“1 – Os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
2 – Os docentes referidos no número anterior transitam, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, na mesma categoria em que exercem funções”.
E rezam, sob a epígrafe “Regime de transição dos atuais equiparados a professor e assistente”, os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio:
“9 – Os atuais equiparados a professor-coordenador, a professor-adjunto ou a assistente e que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respetiva categoria.
10 – As provas referidas no número anterior, definidas pelo órgão técnico-científico da instituição, são constituídas por:
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Apreciação e discussão do currículo do candidato;
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Apresentação de uma lição de 60 minutos, sobre tema escolhido pelo requerente no âmbito da área ou áreas disciplinares em que desempenha funções.
11 – A apreciação das provas realizadas (...) é efetuada por um júri, cuja constituição e funcionamento decorrem de acordo com o estabelecido nos artigos 21.º a 24.º-A do Estatuto, com as devidas adaptações”.
Por fim, diz, sob a epígrafe “Regime transitório excecional”, o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio:
“5 – Os atuais assistentes, professores-adjuntos e professores-coordenadores que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, nos termos do estabelecido nos n.ºs 9 a 11 do artigo 6.º, com as devidas adaptações, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respetiva categoria”.
O sentido normativo destas disposições conseguiu estabilizar-se com o tempo e com a intervenção judicial de que foram objeto (cf., o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17-01-2014, no Processo n.º 00677/11.1BECBR, incluindo o parecer jurídico de Vieira de Andrade e Veiga Moura nele extensivamente citado), nos termos seguintes, coerentes aliás com as epígrafes dos respetivos dois artigos:
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No caso dos assistentes com doutoramento, dos professores adjuntos e dos professores coordenadores, dado já terem transitado para a carreira, o regime do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, tem utilidade apenas para acederem à categoria seguinte à que detêm, tendo esta constatação constituído aliás argumento decisivo para interpretação da expressão normativa “respetiva categoria” (presente em ambas as normas) no sentido da categoria a que o interessado se candidata, podendo esta ser categoria superior à detida;
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No caso dos equiparados a assistente, a professor adjunto e a professor coordenador (n.º 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto) e no caso dos assistentes sem doutoramento (n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto), pretende-se permitir a transição para a carreira, superando a precariedade do vínculo, podendo, do mesmo modo, tal transição consolidar-se na categoria superior à detida por equiparação.
Desta forma se compreende que a formulação preambular do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, se refere a momentos de transição para a carreira (relativamente aos assistentes e aos equiparados a assistente, a professor adjunto e a professor coordenador), visando a ultrapassagem da precariedade dos vínculos.
E, assim sendo, o preâmbulo anuncia que na prossecução desse objetivo, o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, retoma (sem especificar os moldes concretos dessa retoma, para além da exigência de 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva) a anterior possibilidade de realização de provas públicas de avaliação da competência pedagógica e técnico-científica.
Assim, não se denota qualquer incoerência entre esta leitura do décimo primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, e a sua concretização através do seu artigo 6.º, que na sua hipótese/previsão se refere precisamente aos assistentes e aos equiparados a assistente, a professor adjunto e a professor coordenador, remetendo para aquelas provas públicas dos n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, concebidas, como se extrai da epígrafe do artigo, predominantemente para transição para a carreira.
Por outro lado, dadas as dúvidas interpretativas anteriores relativamente à expressão “na respetiva categoria”, a alteração clarifica que estão apenas em causa situações em que é inequívoca a utilidade em si mesma da transição para a carreira, mas que esta transição ocorre “na mesma categoria em que (os docentes) exercem funções” e não já “na respetiva categoria”.
Não estamos perante, pois, qualquer processo de legiferação menos apurado, sendo que, ainda que assim não fosse, nunca esse eventual menor primor poderia resolver-se mediante o recurso exclusivo ao texto preambular, forçando leituras da norma incomportáveis para os cânones da metodologia jurídica.
Mais se refira que não se deteta qualquer incongruência entre o elemento literal da norma e o seu espírito, pois a sua teleologia aponta decisivamente para a estabilidade dos vínculos laborais dos docentes do ensino superior politécnico e não para o acesso a novas categorias.
Isto porque ainda se fizermos uma interpretação em termos histórico-sistemáticos, ciente das razões que deram origem àquela interpretação da expressão “na respetiva categoria”, é por demais evidente que o legislador clarificou que apenas estão em causa situações de transição para a carreira, esta transição opera “na mesma categoria” em que os docentes exercem as suas funções de docentes. Desde logo pelo facto de a Lei n.º 65/2017, de 9 de agosto, ter, neste ponto, confirmado plenamente a redação do artigo 6.º que vinha do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
Assim, há de pois concluir-se pela inexistência de quaisquer pressupostos metodológico-jurídicos justificativos da interpretação extensiva ou corretiva, como também alegado, do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, preconizada pela Demandante.
Por outro lado, também não se observa que haja qualquer lacuna a suscitar integração por analogia, uma vez que o legislador intencionalmente quis, não só assumir o regime descrito do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, como também não retomar o regime constante do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, relativamente aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário.
Regime este que caducou entretanto, nos termos da sua própria previsão, não fazendo por isso sentido a conclusão que a Demandante pretende extrair quando procura extrair que o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, complementou o processo de transição que vinha de 2010 sem revogar este.
A razão está com o Demandado quando este refere que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, não prevê a possibilidade pretendida pela Demandante, já que abrange, expressa e taxativamente, apenas os assistentes, os equiparados a assistente, os equiparados a professor adjunto e os equiparados a professor coordenador e prevê, no caso de aprovação nas provas requeridas, a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, mas na mesma categoria em que eles exercem já funções.
Deste modo, não estamos perante qualquer frustração das intenções ordenadoras do sistema jurídico, razão por que, claramente, não estamos perante qualquer lacuna a carecer de integração, pela razão evidente de que não estamos perante uma situação desprovida de regulação jurídica em termos que contrariem o plano ordenador do sistema jurídico.
O atual silêncio do legislador quanto àquele caducado regime do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, relativamente aos docentes aí referidos já titulares de vínculo laboral não precário, traduz-se num silêncio ponderado e intencional, pois verdadeiramente não há verdadeiramente uma lacuna e a opção legislada é explícita e coerente.
Haverá, pois, de concluir-se, seja pela via interpretativa seja pela via integradora, face à norma do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, que não é reconhecido aos docentes do ensino superior politécnico com a categoria de professor adjunto (e, assim, à Demandante) o direito de requererem, fosse até 31 de dezembro de 2016, fosse até 31 de dezembro de 2017, a prestação de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para, em caso de aprovação, acederem, sem outras formalidades, mantendo o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, à categoria de professor coordenador.
II2. Consequências jurídicas da alegada falta de audiência prévia
A Demandante invoca, ainda, que não vou foi ouvida no projeto de decisão final, no âmbito dos deveres de audiência de interessados, violando o Demandado, deste modo, as normas dos artigos 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”).
O Demandado refere, em primeiro lugar, que tal falta não chegou a acontecer, uma vez que foi reconhecido à Demandante o direito de audiência prévia, tendo esta sido “ouvida antes de ter sido praticado o ato final (o ato datado de 20.07.2017)”.
Nesta medida defende a Demandante que ao apresentar o seu requerimento, expondo as razões que considerou relevantes para a decisão, em matéria de fato e de direito, exerceu, assim, os direitos conferidos pelo artigo 122.º do CPA.
O direito de audiência prévia corresponde a um direito dos interessados, com dignidade e assento constitucional e legal. Resta, contudo, saber se se deve imputar esse ónus à Administração que omitiu a formalidade ou se se considera que essa omissão, quando comprovada, gera a invalidade insuprível, ainda que relativa, da respetiva decisão.
Nestes termos, cumpre, no entanto, referir que a lei previu que a audiência fosse dada com comunicação sobre o sentido provável de decisão, não vinculativo da Administração, quanto ao sentido que ele virá a tomar. Assim há que determinar quais as consequências da omissão desse dever, ou seja, se haverá uma falta de audiência arguível por aquele a quem o ato venha a desfavorecer.
Assim, entende-se que, se os interessados não cumprem um ónus de reclamar ou pedir esclarecimento sobre a questão, eventualmente invocando que isso prejudicaria o seu direito de resposta, fica precludido a possibilidade de se prevalecerem da força invalidante da eventual ilegalidade pela omissão.
Esta formalidade deve, pois, considerar-se como não essencial, nos termos em que só será geradora de invalidade, apenas quando se pudesse afirmar ter isso gerado um prejuízo do exercício prudente e consciente do direito de audiência.
No caso dificilmente se pode configurar num prejuízo do exercício do direito, já que a Demandante teve efetivamente a oportunidade de ser ouvida nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CPA.
II3. Consequências jurídicas da alegada falta de fundamentação da decisão
A Demandante refere ainda que a decisão impugnada faz a sua firmada interpretação retirada de um parecer jurídico, alegando ainda que este não constitui um requerimento oficial e, assim, não pode ser suporte e fundamento de ato administrativo, violando o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 153.º do CPA.
O dever de fundamentação do ato administrativo por um lado, configura-se num instrumento de legalidade administrativa e garantia contenciosa e, por outro, cumpre o a função essencial de interpretação do próprio ato administrativo.
Contudo, considera-se, geralmente, o ato sem fundamentação legalmente exigida apenas anulável, nos termos do artigo 163.º do CPA, se tivermos em conta que, de outro modo, se inviabilizaria total e automaticamente atos que, na generalidade dos casos, possivelmente visam produzir efeitos permitidos ou desejados pela ordem jurídica.
Assim, cumpre saber se o parecer apresentado pelo Demandado constitui um meio de fundamentação que cumpra os requisitos do n.os 1 e 2 do artigo 153.º do CPA, que por sua vez dispõe:
“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”
Nos termos do n.º 1 do artigo ora em análise, decorre que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, não relevando, assim, estar este ou não inserido em “requerimento oficial”
A questão levantada pela Demandante decorre então, não da forma como a exposição dos fundamentos de facto e direito, mas da autoria do mencionado parecer.
Porém, não se aceita este entendimento da Demandante, uma vez que apesar da autoria do parecer ser de uma sociedade de advogados, ao juntar tal parecer junto à decisão, sendo parte integrante desse ato, o Demandado está claramente a aderir aos argumentos que dele constam.
III. Da decisão
À luz dos fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente a presente ação – que tem o valor de € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) – interposta pela Demandante e, consequentemente, absolvo o Demandado dos pedidos nela formulados.
Lisboa, em 7 de maio de 2018.
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André Miranda