Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 89/2017-A
Data da decisão: 2018-06-06  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 8.020,46
Tema: Ação administrativa para reconhecimento do direito à realização de provas públicas para transitar para a categoria de Professor Coordenador.
Versão em PDF

 

SENTENÇA

 

I – Relatório

 

A..., casado, docente do ensino superior, titular do CC n.º ... e do NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Póvoa do Varzim veio, junto deste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), intentar contra o B... (B...), pessoa colectiva de Direito Público (cfr. artigo 1.º dos Estatutos do B... publicados em anexo ao Despacho n.º 15832/2009, de 10 de Julho, publicado no Diário da República n.º 132/2009, Série II de 10.07.2009), com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., acção administrativa para reconhecimento de situação jurídica subjectiva e de condenação à prática de actos devidos.

Sucintamente, o Demandante peticiona o reconhecimento do direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar da categoria de Professor Adjunto para a categoria de Professor Coordenador e a condenação da Entidade Demandada a proporcionar a realização dessas provas. Fundamenta o seu pedido no n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, aditado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, nos termos do qual os actuais assistentes, professores-adjuntos e professores-coordenadores que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, nos termos do estabelecido nos n.os 8 a 10 do artigo 6.º, com as devidas adaptações, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respectiva categoria, bem como no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, de acordo com o qual os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio e ainda num trecho do preâmbulo deste diploma onde se refere que “[se] faculta igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.os 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva. A partir da interpretação destes preceitos e preâmbulo, o Demandante sustenta o seu pedido da seguinte forma: (i) sob pena de inutilidade, o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto deve ser lido no sentido de permitir o acesso a categoria superior à detida (no caso, Professor Coordenador), na sequência da obtenção de aprovação nas provas públicas requeridas pelo interessado; (ii) o aludido n.º 5 do artigo 8.º-A aplica-se a professores que já detenham vínculo de emprego público; (iii) por sua vez, o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, ao referir-se apenas aos professores equiparados, transparece uma formulação deficiente, porquanto a categoria de assistente foi extinta em 2009 e definitivamente em 2015, o mesmo sucedendo com os docentes equiparados, para além de que a norma não se refere à situação do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, em contradição com o que resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto; (iv) assim sendo, o n.º 1 do artigo 6.º deste diploma deve ser objecto de uma interpretação extensiva, correctiva ou por analogia, no sentido de se aplicar aos professores de carreira que cumpram os requisitos nele previstos; a que acrescem (v) argumentos de equidade, (vi) a  possibilidade de (o docente Demandante) vir a ser contratado como convidado noutra instituição de ensino superior politécnico, aproveitando, nesse momento, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto e, por fim, (vii) a postergação das regras de legística na elaboração de actos normativos.

 

***

 

Citada nos termos do artigo 12.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, a Entidade Demandada não apresentou contestação. Por despacho inicial, datado de 21.03.2018, foi aquela notificada para proceder à junção aos autos do processo instrutor e dos demais documentos respeitantes à matéria do litígio. No entanto, a Entidade Demandada não apresentou qualquer resposta ao solicitado.

Seguidamente, por despacho de 19.04.2018, foram as Partes notificadas de que o processo arbitral seria conduzido com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo, bem como para apresentarem, querendo, alegações finais escritas. O Demandante apresentou alegações finais escritas, que concluíram, no essencial, nos mesmos termos da petição inicial.

 

***

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, considerando a prévia vinculação de ambas as partes à jurisdição arbitral. Em especial, a Entidade Demandada vinculou-se à jurisdição do CAAD, pelo Despacho B.../P/.../2011, nomeadamente “para a composição de litígios de valor igual ou inferior a 500.000 euros e que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (despacho disponível https://www.caad.org.pt/files/documentos/CAAD...) – cfr. artigo 8.º, n.º 2 do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD.

Com efeito, a questão submetida à decisão arbitral emerge da relação jurídica de emprego público estabelecida por vínculo contratual entre o Demandante e a Entidade Demandada e, por conseguinte, esta relação jurídica de direito administrativo (cfr. artigo 4.º, n.º 4, al. b) in fine do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) pode ser submetida a arbitragem, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 180.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

As partes em juízo são as titulares dos interesses que constituem o objeto do litígio, pelo que são legítimas, o tribunal é competente, o conflito é arbitrável e a acção é tempestiva. A cumulação de pedidos, requerida pelo Demandante, é admissível, visto que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da interpretação e aplicação das mesmas regras de Direito (cfr. artigo 11.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).

Na ausência de nulidades, excepções ou questões incidentais ou prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir o litígio.

 

II – Fundamentação

 

  1. De Facto

 

Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos:

  1. Até 12.01.2009, o Demandante exerceu funções docentes, em regime de exclusividade, no B..., nas categorias de Assistente 1.º Triénio (de 15.12.1995 a 14.12.1998), de Assistente 2.º Triénio (de 15.12.1998 a 14.12.2001), de Equiparado a Assistente (de 15.12.2001 a 19.12.2006) e de Equiparado a Professor Adjunto (de 20.12.2006 a 19.12.2009) - cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial;
  2. O Demandante exerce funções docentes no B..., actualmente com a categoria de Professor Adjunto, com Contrato de Trabalho em Funções Públicas por Tempo Indeterminado, desde 13.01.2009, em regime de exclusividade - cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial;
  3. Em 29.12.2016, o Demandante dirigiu à Entidade Demandada, na pessoa do seu Presidente, um email com o seguinte teor: “Venho por este meio solicitar que, de acordo com o Decreto Lei 45/2016, me seja concedida a possibilidade de realizar provas públicas de avaliação da minha competência pedagógica e técnico-científica para aceder à categoria de Professor Coordenador” – cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial.

 

A Entidade Demandada não apresentou contestação. Ainda assim e de acordo com o preceituado no n.º 6 do artigo 12.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, não se considera tal falta, em si mesma, como uma aceitação das alegações do Demandante. No entanto, os factos que importa demonstrar para a boa decisão da causa devem ser provados por prova documental, prova que se considera realizada através dos Docs. n.os 2 e 3, juntos com a petição inicial, não impugnados pela Entidade Demandada. 

 

  1. De Direito

 

2.1) Enquadramento normativo

 

O thema decidendum carece de uma minuciosa análise normativa. Com efeito, o ponto de partida é o Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, que alterou e republicou o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Politécnico (ECPDEP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, tendo iniciado vigência a 1 de Setembro de 2009 (de acordo com o seu artigo 181.º). A reforma operada visou, entre muitos outros aspectos, a previsão do “doutoramento ou do título de especialista como exigência de qualificação para a entrada na carreira e a abolição da categoria de assistente”, bem como a “a criação de uma nova categoria no topo da carreira, a de professor coordenador principal, para acesso à qual é exigida a titularidade do grau de doutor há mais de cinco anos e o título de agregado” (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto). Assim, o aludido diploma procedeu à reestruturação da carreira do pessoal docente do ensino politécnico, a qual passou a compreender as seguintes categorias: professor adjunto; professor coordenador; e professor coordenador principal (cfr. artigo 2.º do ECPDESP) – diferentemente do que sucedia no regime original do ECPDESP, que contemplava as categorias de assistente, de professor adjunto e de professor coordenador.

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto compreendia um complexo regime de direito transitório, do qual resultava, para o que aqui releva o seguinte:

- Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º («Regime de transição dos professores coordenadores e adjuntos»), os actuais professores coordenadores e adjuntos nomeados definitivamente transitam, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado (…);

- Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º («Regime de transição dos actuais equiparados a professor e a assistente»), os actuais equiparados a professor coordenador, a professor adjunto e a assistente transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo ficando sujeitos às seguintes regras (…).

Pouco tempo depois, o Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto foi objecto de alteração pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio (com início de vigência a 14 de Maio de 2010), através da qual foi aditado o artigo 8.º-A. Ora:

- Nos termos do n.º 5 do artigo 8.º-A («Regime transitório excepcional»), os actuais assistentes, professores-adjuntos e professores-coordenadores que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, nos termos do estabelecido nos n.os 8 a 10 do artigo 6.º, com as devidas adaptações, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respectiva categoria.

Paralelamente aos diplomas referidos, foi publicado o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto (com início de vigência a 18 de Agosto de 2016) que, de acordo com o seu artigo 1.º, aprova um conjunto de regras complementares do processo de transição dos docentes do ensino superior politécnico regulado pelo Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio. Deste diploma, importa realçar:

- O seu preâmbulo, no inciso em que refere que se faculta igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.os 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva;

- O n.º 1 do artigo 6.º que dispõe que os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio;

- O n.º 2 do artigo 6.º que prescreve que os docentes referidos no número anterior transitam, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, na mesma categoria em que exercem funções.

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto foi alterado pela Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto que conferiu uma nova redacção ao n.º 1 do artigo 6.º, nos termos da qual os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem, até 31 de dezembro de 2017, requerer a prestação das provas a que se referem os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio. Ao abrigo do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto, a alteração normativa transcrita produz efeitos desde a entrada em vigor do diploma alterado, isto é, desde 18 de Agosto de 2016.

 

2.2) Do pedido de reconhecimento de direito

 

Pela presente acção vem o Demandante peticionar o reconhecimento do “direito à realização, ao abrigo do regime fixado pelo art.º 8.º-A, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/08 na redação da Lei n.º 7/2010, de 13/5 e do preâmbulo e do art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17/08, de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador prevista no ECPDESP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1/7, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31/08, e pela Lei n.º 7/2010, de 13/5 ”. No entanto, é entendimento deste Tribunal Arbitral que não assiste ao Demandante o referido direito. Vejamos.

A título preliminar, impõe-se referir que o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, aditado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, esteve em vigor entre o período de 14.05.2010 a 13.05.2011, durante o qual se abriu a possibilidade de (i) os – à data - assistentes, professores-adjuntos e professores-coordenadores, (ii) que exerciam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva (iii) há mais de 15 anos, requererem a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, para os efeitos que se analisarão mais à frente. Ora, em 14.05.2010, o Demandante não reunia os requisitos prescritos na norma citada, porquanto não contabilizava o tempo de serviço exigido, uma vez que tendo iniciado funções docentes, no B..., em regime de exclusividade, em 15.12.1995, totalizava, àquela data, 14 anos e 5 meses de serviço. Como tal, o Demandante não era abrangido pelo «Regime transitório excepcional» resultante do n.º 5 do artigo 8.º-A. Por outro lado, já sendo titular de uma relação jurídica de emprego público, ao abrigo de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de Professor Adjunto, desde 13.01.2009, nem sequer se lhe aplicava o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto que determinou a transição, dos - à data de 01.09.2009 - professores coordenadores e adjuntos, do vínculo de nomeação definitiva para o vínculo de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem outras formalidades.

Note-se, porém, que o Demandante fundamenta a sua pretensão – não no regime em vigor em 2010/2011 que não lhe era aplicável – mas numa determinada interpretação que faz do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto em conjugação com um trecho do respectivo preâmbulo, ambos acima transcritos. O mencionado normativo permitiu que, entre 18.08.2016 e 31.12.2016, (i) os – à data de 18.08.2016 – assistentes e equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador, (ii) que exerciam funções docentes em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva (iii) há mais de 20 anos, requeressem a prestação de provas públicas a que se referem os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio. Embora à data de 18.08.2016, o Demandante exercesse funções, em regime de exclusividade, no B..., há 20 anos e 8 meses, o n.º 1 do artigo 6.º também não é aplicável ao Demandante, uma vez que o seu âmbito de aplicação subjectivo se circunscreve aos assistentes e aos equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador, sendo certo que, àquela data, o Demandante possuía já a categoria de Professor Adjunto (e não de assistente ou de equiparado a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador).

Por outro lado, refuta-se a tese alegada pelo Demandante com base na contradição entre o teor do preâmbulo e o n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, contradição essa relativa à alusão, no primeiro, e à omissão, no segundo, do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, o qual se refere à categoria profissional detida pelo Demandante. Na realidade, a contradição existe. Todavia, o preâmbulo, enquanto elemento interpretativo, não pode, no caso sub judice, sobrepor-se ou influenciar a interpretação do n.º 1 do artigo 6.º, uma vez que o trecho do preâmbulo em análise está, em si mesmo, eivado de imprecisões. Por facilidade de exposição, repete-se a transcrição do inciso em crise: faculta-se igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.os 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva. Ora, para além do lapsus linguae “de a realização das provas”, se o prazo de 20 anos se contar “desde”, isto é, a partir de 1 de Setembro de 2009, nenhum docente cumpriria ainda os requisitos exigidos, visto que o prazo se completaria apenas em 1 de Setembro de 2029 e, por isso, nenhum docente poderia requerer a realização de provas públicas até 31 de Dezembro de 2016. Perante tamanha inconsistência, entende-se que o preâmbulo não pode cumprir, neste particular, a sua função de auxiliar da interpretação, prevalecendo, assim, o conteúdo literal da norma inserida no Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, o qual não contempla a categoria dos professores adjuntos (onde se encaixa o Demandante). Por conseguinte, não assiste ao Demandante o direito à realização de provas publicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica à luz do preceituado no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto.

Apesar de prejudicada pelo que se acaba de referir, analisemos agora a questão da possibilidade que o Demandante advoga de, através da obtenção de aprovação nas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica a que se referem quer o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, quer o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, se transitar para uma categoria profissional superior.

Quanto ao n.º 5 do 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, aditado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, não é de fácil compreensão. Em primeiro lugar, recorda-se que à data de 14.05.2010, o Demandante detinha apenas 14 anos e 5 meses de serviço, o que não era suficiente para usufruir daquele regime, independentemente de ele permitir ou não a progressão para categoria profissional superior. Quanto a esta hipotética eventualidade (a de progredir para categoria superior), o regime aplicável ao Demandante seria sempre o do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, onde se refere expressamente que a transição ocorre para mesma categoria e não para categoria superior, como veremos de seguida. Em segundo lugar, aquele n.º 5 do artigo 8.º-A levanta, de facto, muitas dúvidas, nomeadamente por se referir à “transição para a carreira” de docentes que já estão na carreira. Todavia, é inócua a discussão quanto a saber se o expediente do n.º 5 do artigo 8.º-A permite ou não a progressão para uma categoria profissional superior à detida pelo docente que requerer a realização de provas, pois, nesta matéria, a norma aplicável à situação do Demandante seria o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto (isto admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que o Demandante se enquadra no seu n.º 1, o que se recusa).

Com efeito, o n.º 2 do seu artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto é claro em prescrever que a aludida transição, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ocorre na mesma categoria em que os docentes (assistentes ou equiparados) exercem funções. Acresce que, pela Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto, o Legislador já teve oportunidade de rever o Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, mantendo inalterada a redacção daquele n.º 2 do artigo 6.º. Ou seja, o n.º 2 do artigo 6.º mantém a redacção originária do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto e nele se prevê que a transição opera para “a mesma categoria” em que os docentes já exercem funções, o que esvazia a utilidade do pedido do Demandante, pois já tem contrato de trabalho em funções públicas e, nessa medida, não iria transitar para outro; e ainda que se admitisse essa transição (só por si ilógica!), permaneceria na mesma categoria.

Ademais, através do Decreto-Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto, o legislador alterou a redacção do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, mas não aproveitou a oportunidade para introduzir a referência ao n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, nem aos actuais professores adjuntos ou coordenadores [mantendo, assim, a referência exclusiva aos “assistentes” e aos “equiparados”, limitando-se a reduzir o período exigido de exercício de funções em exclusividade (de 20 para 15 anos) e a prorrogar o prazo até 31 de Dezembro de 2017 (ao invés do anterior limite fixado em 31 de Dezembro de 2016)].

Ou seja, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto está pensado para os assistentes (categoria em vias de extinção) e para os “equiparados” e, portanto, para situações de ingresso/acesso na carreira docente (ou de transição de uma categoria em vias de extinção para a nova carreira docente, no caso dos assistentes) e não para situações de progressão na carreira docente, como pretende fazer valer o Demandante. Por estar em causa o “ingresso/acesso” e não a “progressão”, a transição ocorre para a mesma categoria (de equiparado a adjunto ou a coordenador a respectivamente professor adjunto ou coordenador), ressalvada a situação dos assistentes e equiparados a assistentes que, em determinadas condições, transitam para a categoria de professor adjunto (cfr. artigos 6.º, n.os 5 e 9 e 7.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio e artigo 5.º, n.º 1, al. a) e n.os 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto alterado pela Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto).

À luz do exposto, não se acolhe a tese do Demandante, improcedendo, assim, o seu pedido de reconhecimento do direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar para categoria profissional superior, no caso, de Professor Adjunto para Professor Coordenador.

Não obstante já se ter avançado com o sentido da decisão, nos termos que se acabam de explicitar, passa-se a apreciar e decidir, ainda que de forma sumária dadas as explicações já realizadas, os argumentos em que o Demandante ancorou o seu pedido, não necessariamente pela ordem que vêm invocados na petição inicial.

 

***

 

            Em primeiro lugar, argui o Demandante que, sob pena de inutilidade, o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto deve ser lido no sentido de permitir o acesso a categoria superior à detida (no caso, Professor Coordenador), na sequência da obtenção de aprovação nas provas públicas requeridas pelo interessado. Como já se repetiu à exaustão, o mencionado artigo, durante o seu período de vigência, não se aplicou ao Demandante. A única serventia que lhe poderia ter, agora, seria a de fazer abranger, no âmbito subjectivo do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, a categoria dos professores adjuntos. Ainda assim, o n.º 2 do daquele artigo 6.º não deixa margem para dúvida de que a transição, a ocorrer, far-se-á para a mesma categoria. Por outro lado, o Legislador, na reforma introduzida pela Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto, não só não introduziu uma menção expressa aos professores adjuntos e não introduziu uma remissão expressa para o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei 207/2009, de 31 de Agosto, no n.º 1 do artigo 6.º, como não alterou a redação do n.º 2 do artigo 6.º, ambos do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto.

            Neste ponto, o Demandante ocupa longas páginas a transcrever o conteúdo de dois pareceres juntos ao processo n.º 00677/11.1BECBR que deu origem ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 17.01.2014. No entanto, a situação factual que lhe subjaz respeita ao período de vigência do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei 207/2009, de 31 de Agosto, o que não se pode transpor para o presente litígio, para além de que o acórdão é anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto. O mesmo sucede com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (Proc. n.º 187/15.8BEBJA), datada de 21.06.2016, junta aos autos pelo Demandante.

Mais uma vez se reitera que, no caso sub judice, quanto a saber se as provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica permitem aos docentes aprovados progredir para categoria profissional superior, rege o n.º 2 do artigo 6.º Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, o qual dá uma resposta negativa à questão colocada.

 

***

 

Em segundo lugar, alega o Demandante que o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei 207/2009, de 31 de Agosto se aplica a professores que já detenham vínculo de emprego público. De facto, embora seja pouco compreensível que professores que já detêm vínculo de emprego público “transitem” para esse mesmo vínculo, a literalidade da norma parece aplicar-se aos professores de carreira. No entanto, para o que aqui releva, o âmbito de aplicação subjectivo do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto não contempla os professores adjuntos, sendo este e não aquele aplicável à situação do Demandante.

***

 

            Em terceiro lugar, o Demandante diz que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, ao referir-se apenas aos professores equiparados, transparece uma formulação deficiente, porquanto a categoria de assistente foi extinta em 2009 e definitivamente em 2015, o mesmo sucedendo com os docentes equiparados, para além de que a norma não se refere à situação do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, em contradição com o que resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto.

            O argumentário do Demandante não merece acolhimento. O artigo 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto prevê a possibilidade de renovação dos contratos dos assistentes, por mais 3 anos, até ao final do período transitório de 6 anos contados a partir da sua entrada em vigor: tendo presente que o período transitório terminou a 31 de Agosto de 2015 e caso um contrato tenha sido renovado nesta data, subsiste a categoria de assistente até 31 de Agosto de 2018. Em concomitância, resulta do n.º 1 do artigo 2.º, quer na versão originária do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, quer na redacção alterada pela Lei n.º 65/2017, de 9 de Agosto, que é prorrogado, até 31 de agosto de 2018, o prazo para obtenção do grau de doutor ou do título de especialista, bem como o prazo dos respetivos contratos de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo dos assistentes e dos equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador. Por conseguinte, não é exata a posição do Demandante, visto que, pelo menos até 31 de Agosto de 2018, subsistem as categorias dos assistentes e dos equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador. Como tal, não se pode considerar que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto transparece uma formulação deficiente.

            Quanto à contradição entre o preâmbulo e o teor do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, no que respeita à (não) indicação expressa do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, remete-se para apreciação supra realizada: as incongruências do preâmbulo inutilizam a sua função interpretativa, impondo-se uma interpretação literal do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, que se refere apenas aos assistentes e aos equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador e não aos professores adjuntos.

 

***

            Na sequência do terceiro argumento, conclui o Demandante, em quarto lugar, que o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto deve ser objecto de uma interpretação extensiva ou por analogia, no sentido de se aplicar aos professores de carreira que cumpram os requisitos nele previstos.

            Começando pela pretensa aplicação analógica do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, aditado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, tal possibilidade é, desde logo, bloqueada pela natureza excepcional da norma em causa, que o Demandante não ignora. A epigrafe do artigo 8.º-A - «regime transitório excepcional» - não deixa margem para dúvidas e o artigo 11.º do Código Civil também não. Ora, sem mais delongas, não sendo admissível a integração de lacunas por analogia a partir de normas excepcionais, rejeita-se peremptoriamente esta pretensão do Demandante.  

            Vejamos agora se é possível a interpretação extensiva do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto. Cremos que não. Na interpretação extensiva “o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. (…) A interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma” (cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª Reimpressão, Almedina, 1982, p. 185-186). Como já se referiu, o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto está vocacionado para as situações de ingresso na carreira docente ou, no caso dos assistentes, de transição para outra categoria imposta pela extinção da categoria original por força da própria reestruturação da carreira. A ratio da norma não está, portanto, na progressão, dentro da carreira docente, mas no acesso à carreira. Veja-se que a precariedade da situação laboral é diferente nas várias situações: no caso dos professores equiparados, pretende-se acautelar a constituição de um vínculo de emprego público que não possuem e que torna muito volátil a sua situação profissional; no casos dos assistente, a manutenção da carreira fica dependente da obtenção do grau de Doutor e de outros requisitos previstos na lei; e, no caso dos professores adjuntos e coordenadores, o vínculo de emprego público já está assegurado, questionando-se apenas as hipóteses de progressão na carreira. Entendemos, pois, que não é possível estender a ratio do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto – nem por “identidade de razão” e, muito menos, por “maioria de razão” – aos professores adjuntos. Por conseguinte, não procede o argumento da aplicação extensiva da norma citada, valendo, aqui, por inteiro a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Finalmente, quanto à interpretação correctiva – igualmente invocada pelo Demandante – também esta não procede, por inadmissível, à luz do artigo 8.º, n.º 2 do Código Civil (cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13.ª Edição, Almedina, 2005, pp. 425-427).

 

***

 

Em quinto lugar, o Demandante aduz argumentos de equidade, alegando que o regime permite que docentes sem doutoramento sejam colocados na categoria de professor coordenador, isto é, em categoria superior à do Demandante (Professor Adjunto) que possui doutoramento. Nas suas alegações escritas, o Demandante vai mais longe, invocando a violação do princípio da igualdade, previsto no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da igualdade das condições de acesso e de progressão na carreira, consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP. Todavia, entende-se que tais princípios não são preteridos no caso sub judice.

Conforme já foi dito, a reforma da carreira do pessoal docente do ensino politécnico visou, como um dos seus objetivos primordiais, uniformizar o tratamento (em termos de vínculo laboral, de remuneração, etc.) entre os “professores de carreira” e os “professores equiparados”, sendo certo que, uns e outros, exerciam as mesmas funções, mas estavam sujeitos a condições laborais diferentes. Com efeito, resultava do artigo 8.º, n.os 1 e 2 da versão originária do ECPDESP que as individualidades a contratar em regime de prestação de serviço docente “serão equiparadas às categorias da carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico cujo conteúdo funcional se adeque às funções que terão que prestar”. Como o próprio nome indica, o conteúdo funcional das funções de um “professor equiparado a adjunto” era idêntico ao conteúdo funcional de um “professor adjunto”, o mesmo se aplicando às demais categorias profissionais, não obstante a diferenciação quanto ao vínculo laboral, às condições remuneratórias e outras. 

A reforma da carreira do pessoal docente do ensino politécnico pretendeu obviar precisamente à violação do princípio da igualdade das condições de exercícios de funções docentes entre um professor de carreira e um professor equiparado na categoria correspondente. Por isso, os n.os 3 a 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, e o n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, prescrevem que a transição de um professor equiparado para professor de carreira ocorre na mesma categoria, à excepção, como é sabido, dos professores equiparados a assistentes que passam a professores adjuntos, uma vez que a categoria de professor assistente foi extinta. Mas, portanto e para o que releva no caso sub judice, um “professor equiparado a adjunto” transita para “professor adjunto” e um “professor equiparado a coordenador” transita para “professor coordenador” e não para categoria superior.

 No que tange, em concreto, à exigência do doutoramento para efeitos de acesso à carreira docente pelos professores equiparados, cumpre realçar a dualidade de regimes prevista nos diplomas aplicáveis: para os docentes que já eram titulares do grau de Doutor ou que o obtivessem dentro do período transitório estipulado pela Lei (cfr. n.os 3 a 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio), a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, isto é, o ingresso na carreira docente do ensino politécnico, ocorreu “sem outras formalidades”, ou seja, de forma automática pela simples verificação dos requisitos aplicáveis (tempo de serviço e grau de Doutor); já para aqueles que não eram e não são detentores do grau de Doutor, mas que reúnam os requisitos do tempo de serviço (15 anos, no casos do n.º 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, e de 20 anos, no caso do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto) em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva, o ingresso na carreira – não ocorre de forma automática como sucede com os Doutorados – mas fica dependente do sucesso a obter em provas públicas de avaliação da competência pedagógica e técnico-científica. Por conseguinte, a ausência do grau de Doutor para efeitos de ingresso na carreira é contrabalançada pela sujeição deste núcleo de docentes à aprovação nas referidas provas públicas (sem prejuízo dos demais requisitos respeitantes ao tempo de serviço e ao regime de tempo integral ou dedicação exclusiva). Nesta medida, o princípio da igualdade é acautelado.

Acresce que não faz sentido, tal como pretende fazer valer o Demandante, aplicar o regime do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto aos docentes de carreira (pelos motivos já enunciados acima) e ainda menos aos docentes de carreira titulares do grau de Doutor. Isto porque o regime das provas públicas está pensado, presentemente, (i) para os professores equiparados (ii) não detentores do grau de Doutor. Também por este motivo, a situação do Demandante não se subsume à ratio daquele artigo 6.º.

Assim, o regime analisado pretendeu dar expressão ao princípio da igualdade, mormente da igualdade de acesso à carreira docente por parte daqueles (professores equiparados) que estiveram anos e anos a exercer funções docentes (em tudo idênticas às dos professores de carreira) numa situação laboral precária, e não o contrário.

No entanto, restam ainda dois potenciais problemas atinentes ao princípio da igualdade: por um lado, o problema da convivência, na mesma categoria profissional, de docentes com e sem doutoramento e, por outro, o problema do ingresso de professores sem doutoramento em categoria profissional superior detida por outros com doutoramento. Todavia, não se perscruta uma violação do princípio da igualdade nestes casos, uma vez que os professores sem doutoramento integrados ou a integrar na carreira docente passaram ou terão que passar pelo crivo dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto (ou, anteriormente, do n.º 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio). Note-se, mais uma vez, que a questão se coloca do ponto de vista do acesso à carreira e não da progressão na carreira. Depois de integrados na carreira, os antigos professores equiparados ficam sujeitos aos mesmos requisitos dos demais professores para efeitos de progressão na carreira.

Em suma, as provas públicas - assim como o requisito de 15 ou de 20 anos de tempo de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva, por contraposição aos 10, 5 ou 3 anos, consoante os casos, exigidos aos professores equiparados detentores do grau de Doutor (cfr. n.os 3 a 9 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio, e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto) - são o contra-peso do grau de Doutor, à luz do regime em análise, pelo que improcede o argumento da violação do princípio da igualdade e do princípio da igualdade das condições de acesso e de progressão na carreira, previstos, respectivamente, nos artigos 13.º, n.º 1 e 47.º, n.º 2 da CRP.

 

***

 

            Em sexto lugar, o Demandante diz estar em condições de vir a ser contratado como convidado noutra instituição de ensino superior politécnico, aproveitando, nesse momento, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto. Não assiste razão ao Demandante.

O eventual estatuto de professor adjunto convidado que possa vir a adquirir noutra instituição de ensino não o “transforma” num professor equiparado adjunto, para efeitos de aplicação daquele artigo 6.º. O artigo 6.º é uma norma transitória que diz respeito a categorias que, no actual ECPDEP, já não existem. Diferentemente do que alega o Demandante, os professores “equiparados” não passaram a denominar-se, findo o período transitório, por professores convidados. O regime transitório foi construído para que tais professores equiparados a assistente, adjunto ou coordenador transitassem para as categorias de professor adjunto ou coordenador (o que resulta claramente, por exemplo, do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto) e não para as de professor adjunto convidado ou de professor coordenador convidado.

Por conseguinte, não faz qualquer sentido a pretensão de aplicar aos professores convidados (categoria profissional introduzida pelo ECPDEP) uma norma transitória respeitante aos professores equiparados (cuja categoria foi extinta com a reforma do ECPDEP).

 

***

 

            Em sétimo e último lugar, o Demandante invoca a postergação das regras de legística na elaboração de actos normativos. Não se olvida, como já se referiu, que o trecho do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto, de que o Demandante se pretende servir, está eivado de inconsistências. Como tal, a única conclusão que se impõe é de que o mesmo não serve propósitos interpretativos, restando, mais uma vez, a interpretação literal do n.º 1 do seu artigo 6.º, cujo teor prevalece necessariamente sobre o do preâmbulo. Senão, vejamos.

            De acordo com José de Oliveira Ascensão, os preâmbulos das leis fazem parte dos elementos lógicos de interpretação, “sem todavia possuírem carácter vinculativo directo. (…) Podem servir assim de auxílio precioso para a interpretação de um texto”, mas “não têm o mesmo valor do texto. Em si, não têm o sentido de determinação, que é o próprio de uma fonte de direito, mas o de esclarecimento (preâmbulo) ou de análise de um caso com vista à sua solução, pela declaração da máxima de decisão que o rege. Por isso, se houver contradição é o que está no articulado ou no próprio texto da decisão judicial, conforme os casos, que prevalece” – negrito nosso (cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito…, Ob. cit., pp. 408-409). Nestes termos, improcede todo o alegado pelo Demandante.

 

***

 

Em suma, o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de Agosto não abrange, no seu âmbito de aplicação subjectivo, os professores adjuntos, refutando-se qualquer tentativa de interpretação extensiva ou por analogia. A norma mencionada deve, pois, ser interpretada literalmente, donde resulta a sua não aplicação à situação jurídica do Demandante. E ainda que se admitisse que a posição do Demandante era subsumível a esta norma (o que se aventa por mera hipótese de raciocínio), o objectivo perseguido nesta acção – isto é, a possibilidade de aceder a uma categoria profissional superior na sequência da eventual aprovação nas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica – não seria atingido por força do disposto no n.º 2 do artigo 6.º que prevê que a transição ocorrerá para a mesma categoria profissional. De nada serviria, portanto, reconhecer ao Demandante o direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica, na medida em que a eventual aprovação naquelas provas não lhe permitiria ingressar na carreira docente com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado – situação jurídica da qual já beneficia -, nem tão-pouco aceder a uma categoria profissional superior – pois, manteria a mesma categoria, isto é, a categoria de Professor Adjunto.

Improcedem igualmente, nos termos supra expostos, todos os demais argumentos invocados pelo Demandante.

 

2.3) Do pedido de condenação à prática de acto devido

 

            Cumulativamente ao pedido de reconhecimento de direito, o Demandante formulou um pedido de “condenação da entidade demandada na prática dos atos jurídicos (máxime do ato de admissão do Demandante às provas) e das operações materiais exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas”.

            A apreciação e decisão deste pedido julga-se prejudicada pela improcedência do pedido de reconhecimento de direito.

 

 

 

III – Decisão

 

            Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente esta acção.

 

IV - Custas

 

Condenam-se as partes, Demandante e Entidade Demandada, no pagamento dos encargos do processo em partes iguais, nos termos do n.º 5 do artigo 29.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD.

 

***

 

V – Valor da acção

 

O valor da acção fixa-se em € 8.020,46 (oito mil e vinte euros e quarenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do CPTA.

 

Notifique-se.

 

Porto, 06 de junho de 2018

 

 

A Juiz-Árbitro,

 

(Bárbara Magalhães Bravo)