Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 6/2018-A
Data da decisão: 2018-05-10  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito à alteração do posicionamento remuneratório.
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Decisão arbitral

 

A. Relatório

 

O A..., pessoa colectiva n.º ..., com sede à Rua ..., nº..., ... - ... ... (doravante designado como “Autor”), veio propor a presente acção em nome dos seus associados (doravante designados, em conjunto como “Autores”):

 

1. B..., solteira, titular do Cartão de Cidadão n.º ..., válido até 08/05/2018, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ..., ...– ... ...;

2. C..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 12/04/2020, NIF..., residente à ..., n.º ... –...–... ...;

3. D..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 07/10/2019, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ...– ... ...;

4. E..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 18/06/2018, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ...;

5. F..., solteiro, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 15/01/2027, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...;

6. G... casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 29/09/2020, NIF..., residente em..., n.º..., ...– ... ..., ...;

7. H..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 12/09/2022, NIF..., residente à ..., n.º ..., ..., ... – ... ...;

8. I..., casada, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 08/12/2020, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ...– ...  ... – ...;

9. J..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 28/02/2021, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ...,  ...– ... ...;

10. K..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 11/01/2022, NIF ... residente à Rua ..., n.º..., ... –... ...;

11. L..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 02/02/2020, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ...– ... ...;

12. M..., casada, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 22/05/2022, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ... .

13. N..., solteira, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 23/03/2019, NIF..., residente à Rua ..., n.º...,  ..., ...– ... ...;

14. O..., casada, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 26/12/2021, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ..., ...– ... ...;

15. P..., casada, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 22/05/2019, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ...– ... ...;

16. Q..., divorciada, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 27/07/2019, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ...– ...  ...;

17. R..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 02/03/2021, NIF ... residente à Rua ..., n.º..., ..., ...– ... ...;

18. S..., solteiro, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 23/11/2019, NIF ..., residente à Rua ..., n.º..., ...– ... ...;

19. T..., solteiro, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 05/03/2022, NIF ..., residente à Rua ..., n.º..., ... –... ...;

20. U..., solteira, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 23/08/2020, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ...;

21. V..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 20/05/2019, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ...;

22. W..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 14/05/2019, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ...– ... ..., ...;

23. X..., casado, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 10/08/2020, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ...;

24. Y..., solteira, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 24/08/2022, NIF..., residente à ..., n.º..., ..., ...– ... ...;

25. Z..., solteiro, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 14/05/2022, NIF ..., residente à Rua..., n.º..., ..., ...– ... ...;

26. AA..., divorciada, titular do Cartão do Cidadão n.º ..., válido até 07/10/2019, NIF..., residente à Rua ..., n.º..., ..., ...– ... ...;

27. BB..., casada, titular do Cartão do Cidadão n.º..., válido até 23/01/2018, NIF..., residente à Rua..., n.º..., ..., ... -  ... ... .

 

            Os Autores pedem que seja reconhecido aos seus associados referidos o direito à alteração do posicionamento remuneratório, designadamente, o reconhecimento do direito:

a) à segunda posição remuneratória (€1.201,48) nos anos de 2009 até Dezembro de 2017;

b) ao pagamento das diferenças remuneratórias resultantes da diferença entre a 1ª e 2ª posição remuneratórias, tudo com efeitos remuneratórios a 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2017 e ainda,

c) a posicionar os RR. na 3ª posição remuneratória a partir de 1 Janeiro de 2018.

           

Os Autores invocam, em suma, que foram e «estão a ser gravemente discriminados em comparação com outros colegas que, apesar de possuírem a mesma categoria profissional que a sua, e executarem as mesmas funções que aqueles executam, auferem uma retribuição claramente superior, o que constitui violação flagrante do Art. 57º da Constituição “princípio de trabalho igual, salário igual”».

 

É demandando o CC... (CC...), entidade colectiva de direito público com o NIPC..., com sede à Rua..., n.º..., ...– ... ... (doravante designado como “Demandado”).

            O pedido foi aceite pelo CAAD em 09-02-2018.

O Demandado foi citado para contestar em 16-02-2018 e apresentou a contestação em 08-03-2018.

Na contestação, o Demandando suscitou as excepções de falta de interesse em agir, de caducidade do direito de acção e de prescrição relativamente a pretensões relativas a vencimentos processados mais de 3 anos antes da citação.

            Para além disso, o Demandado defendeu-se por impugnação, dizendo, em suma, que os Autores não invocam factos que permitam concluir que se verifica violação do princípio constitucional que invocam.

Em 13-03-2018, foi designado Árbitro o signatário, que aceitou a designação, ficando o Tribunal Arbitral constituído na mesma data.

            Notificados para se pronunciarem sobre as excepções, os Autores vieram dizer que elas devem improceder e juntar um documento, que é cópia de um despacho de 15-06-2010, proferido pelo Senhor Presidente do CC... .

            Em 23-04-2018, o Demandado juntou os processos administrativos.

            Na mesma data, o Demandado apresentou um requerimento em que refere ter sido por lapso que na contestação admitiu a possibilidade de os Autores serem posicionados na “3ª posição remuneratória a partir do dia 1 de Janeiro de 2018”, pois queria referir-se à 2.ª posição remuneratória.

            Notificados os Autores da junção dos processos administrativos e da correcção da contestação, nada vieram dizer.

            O Demandado encontra-se vinculado à arbitragem administrativa, no termos do Despacho CC.../... /.../2011, cuja cópia foi junta à petição inicial como documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido.

            O Tribunal Arbitral é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

            O Sindicato (…) tem legitimidade para propor a presente acção em representação dos seus associados, nos termos do artigo 338.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).

            Ambas as Partes são legítimas e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades e são suscitadas as excepções de falta de interesse em agir, caducidade do direito de acção e prescrição relativamente a pretensões relativas a vencimentos processados mais de 3 anos antes da citação.

 

            2. Matéria de facto

           

            Tendo em conta o que é alegado pelas Partes e os documentos juntos consideram-se provados os seguintes factos:

 

           

  1. Os Autores são detentores da categoria profissional de Técnicos Superiores, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a exercer as funções no CC... (documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, processos administrativos e acordo das Partes);
  2. Em 10-05-2010, o Senhor Presidente do CC... proferiu o despacho CC.../.../.../2010, cuja cópia consta do documento n.º- 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte

Assunto: Alteração ao posicionamento remuneratório - Artigo 47º da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de Fevereiro

Nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 12-A/2008 de 27' de Fevereiro, tornam-se públicas as alterações do posicionamento remuneratório efectuadas aos trabalhadores da carreira de técnico superior do CC..., que a seguir se descriminam:

B...

C...

E...

DD...

F...

G...

I...

K...

L...

M...

N...

P...

Q...

EE...

O...

V...

W...

Esta decisão fundamenta se nos seguintes factos:

a) Todos os trabalhadores acima referidos, possuem 5 menções consecutivas de desempenho adequado, cumprindo assim o requisito previsto na alínea c) do n 1 do artigo 47.º da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de Fevereiro.

b) Todos são detentores de licenciatura ou grau académico superior;

c) Se fosse aberto, nesta data, procedimento concursal para contratação de técnicos superiores para as diferentes áreas que os técnicos superiores supra mencionados ocupam, não podia o CC..., nos termos do disposto no artigo 38.º da Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro e do n.º 10 do artigo 55º da Lei n.º12-A/2008 de 27 de Fevereiro alterada pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril propor a 1.ª posição remuneratória, em virtude de os “potenciais candidatos” “serem detentores de licenciatura ou grau académico superior a ela.”

Face ao exposto, determino que aos técnicos superiores supra mencionados seja feita a alteração na carreira de técnico superior para a 2ª posição remuneratória, nível 15 da tabela remuneratória única, com efeitos a 01 de Janeiro de 2010.

 

  1. À data do despacho referido na alínea anterior, os primeiros 24 trabalhadores encontravam-se contratados como pessoal auxiliar de ensino com a categoria de Encarregados de Trabalho, com remuneração que se situou até 31 de Dezembro de 2017 entre € 945,17 e € 1.047,00 (conforme cópias dos recibos de vencimento de Dezembro de 2017, anexos à petição inicial como documento n.º 4, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Nessa data de 10-05-2010, os Autores Z..., AA... e BB..., encontravam-se nomeados ou contratados como técnicos (carreira prevista no Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro), com remuneração que se situou até 31 de Dezembro de 2017 entre € 1.012,00 e € 1.167,15 (cópias dos recibos de vencimento de Dezembro de 2017, anexos à petição inicial no Documento n.º 4);
  3. Em todos os casos referidos, a transição para os actuais níveis e posições remuneratórias não representou qualquer aumento de remuneração, permanecendo igual desde 1 de Janeiro de 2009 (acordo das partes);
  4. Em 15-07-2010, o Senhor Presidente do CC... proferiu o Despacho CC.../... /.../2010, que consta do documento n.º 1 junto com a réplica, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Assunto: Alteração ao posicionamento remuneratório - Artigo 47º da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de Fevereiro

Considerando que:

a) Todos os trabalhadores abaixo referidos, cumprem o requisito previsto na alínea c) do n.1 do artigo 47.º, ou seja, possuem 5 menções consecutivas de desempenho adequado;

b) A Remuneração que auferem é pouco superior à remuneração mínima garantida, o que por razões sociais e de enquadramento institucional é uma situação que esta instituição pretende melhorar.

Determina-se a alteração da posição remuneratória dos trabalhadores referidos neste despacho para a 25 posição remuneratória da carreira e categoria de assistente operacional da tabela única, com efeitos a 1 de Janeiro de 2010.

Desta forma, tornam-se públicas as alterações do posicionamento remuneratório efectuadas aos trabalhadores da carreira de assistente operacional do CC..., que a seguir se descriminam:

FF...

GG...

HH...

  1. Aos Autores foram sendo processados mensalmente vencimentos desde 01-01-2010, sendo-lhe entregues os correspondentes recibos (documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e processos administrativos individuais);
  2. Não foi impugnado o referido Despacho de 10-05-2010 nem os actos de processamento de vencimentos ocorridos entre 01-01-2010 e 31-12-2017, antes de propositura da presente acção (acordo das partes);
  3. Os Autores tiveram conhecimento do despacho de 10-05-2010 e tinham expectativas de que lhe fosse dada execução (artigos 37.º a 39.º da réplica).

 

2.1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

            Os factos provados baseiam-se nos documentos que se indicam sobre cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não é questionada.

            Quanto ao acordo das partes sobre os pontos indicados, resulta das afirmações dos Autores, que não são questionadas, antes são implicitamente confirmadas pelo Demandado.

            No que concerne a terem sido entregues aos Autores, mensalmente, os recibos de vencimentos, para além do que consta do documento n.º 4 junto com a petição inicial e dos processos administrativos, é facto implicitamente reconhecido nos artigos 36 e 37 da réplica. Para além de isso, é facto notório que é isso que sucede normalmente na generalidade dos serviços públicos e, por isso, é de presumir que tenha ocorrido no caso em apreço, na falta de alusão de qualquer das partes a que tenha ocorrido alguma situação anormal.

            Quanto aos factos referidos pelos Autores nos artigos 37.º a 39.º da réplica, não foram questionados pelo Demandado e não há razão para duvidar do que afirmam.

 

 

2.2. Factos não provados

 

2.2.1. Não se provou que o alegado pelo Autor no artigo 3.º da petição inicial em que afirma que «outros trabalhadores que têm sido recrutados, alguns dos quais sem vínculo prévio à Administração Pública, desde a mesma data ou posterior a 2009 para a mesma categoria de Técnico Superior são posicionados diretamente na 2ª posição remuneratória, com um vencimento base de € 1.201,48, enquanto o vencimento destes trabalhadores - técnicos superiores - ex-encarregados de trabalhos e ex-técnicos corresponde a € 945,17 ou a € 1.012,68».

Na verdade, não foi apresentada qualquer prova do que é afirmado neste artigo 3.º e o Autor nem sequer identifica quais os «trabalhadores que têm sido recrutados» «para a mesma categoria de Técnico Superior» que tenham sido «posicionados diretamente na 2ª posição remuneratória, com um vencimento base de € 1.201,48».

Para além disso, a situação dos trabalhadores a que se reporta o Despacho CC.../... /.../2010, não tem semelhança com o exercício de funções pelos Autores, pois reporta-se a trabalhadores da carreira de assistente operacional, com remuneração “pouco superior à remuneração mínima garantida”.

 

 

2.2.2. Também não se provou que o despacho do Senhor Presidente do CC... de 10-05-2010 tivesse sido notificado a cada um dos trabalhadores que nele se referem, nem que tivesse sido tornado pública nos termos previstos no artigo 109.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. 

O Demandado refere que foi feita essa notificação (artigos 11.º a 13.º da contestação), por alegadamente os Autores o dizerem no artigo 9.º da petição inicial, não havendo no processo qualquer prova de que tenham sido feita qualquer notificação a qualquer dos Autores.

No artigo 9.º da petição inicial refere-se que «no CC..., aqui entidade demandada, aquando da entrada em vigor da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações – LVCR), foi elaborada a lista nominativa de transição dos trabalhadores de acordo com o disposto no Art. 109º (cfr. Doc. n.º 3), reportando-se à situação jurídico-funcional dos trabalhadores em 1 de Janeiro de 2009».

Não há neste artigo 9.º qualquer referência a ter sido efectuada notificação, mas apenas a ter sido elaborada a lista que consta do documento n.º 3.

Por outro lado, os Autores referem que não foram feitas notificações individuais do referido despacho (ponto 4 da réplica), e não há qualquer prova de que a notificação ou publicitação tenha ocorrido.

De resto, nem todos os Autores são indicados na lista que consta do referido despacho, pelo que em se compreenderia que todos tivessem sido dela notificados, como alega o Demandado.

Neste contexto, não se considera provado que tenham sido efectuado a notificação de qualquer dos Autores.

 

 

3. Excepções

 

3.1. Falta de interesse em agir

 

            O Demandado invoca a falta de interesse em agir dos Autores dizendo, em, suma, o seguinte:

 

– o interesse processual compara a situação em que a parte se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, para aferir se isso representa uma vantagem para o Autor;

– se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse em agir;

– os Autores baseiam a sua pretensão numa alegada violação do artigo 59º da CRP – relativamente a outros colegas -, mas não concretizam qualquer facto ou situação concreta da qual resulte a referida violação;

– ao não efectuar essa demonstração, não resulta que a situação relativa dos Autores se dava alterar por referência à de outros colegas de trabalho, pelo que não se afigura compreensível a necessidade de tutela jurisdicional;

– a necessidade da tutela judicial, pressupõe a lesão do interesse substancial primário – alegada violação do preceito constitucional constante do artigo 59º da CRP – e a idoneidade do meio processual para a sua satisfação, o que relativamente aos pedidos acima transcritos não se verifica.

 

            Os Autores defendem, em suma, que «tem interesse em agir a parte que pretende a declaração da natureza própria de direitos e interesses legalmente adquiridos e protegidos, como in casu, o direito à remuneração».

            O interesse em agir ou interesse processual, enquanto pressuposto processual inominado ( [1] ) ou condição da acção. ( [2] ), traduz a situação objectiva de carência de tutela jurisdicional por parte do autor.

O interesse em agir «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção» ( [3] ), exigindo uma «situação de necessidade real, justificada e razoável ( [4]).

No caso em apreço, os Autores pretendem que lhes seja reconhecido o direito a serem remunerados nos termos da 2.ª posição remuneratória, que lhes sejam pagas diferenças remuneratórias até 31-12-2017 e que sejam posicionados na 3.ª posição remuneratória a partir de 01-01-2018, direitos esses que o Demandado não lhes reconhece.

Assim, é manifesto que os Autores têm interesse em propor a presente acção, de cuja procedência lhes advirá uma posição vantagem, que não se demonstra que possam obter sem a condenação do Demandado.

O que o Demandando alega sobre a falta de demonstração pelos Autores da situação discriminatória que invocam relativamente a outros colegas de trabalho, tem a ver com os requisitos necessários para a procedência dos pedidos formulados, mas não afasta o interesse processual dos Autores.

Nestes termos, improcede esta excepção.

 

 

3.2. Caducidade do direito de acção


            O Demandado defende a caducidade do direito de acção, porque, em suma, entende que «o direito de agir contra aqueles actos administrativos que os Autores identificam como lesivos caducou há muito».

Esses actos administrativos serão o despacho de 10-05-2010 e os posteriores actos de processamento de vencimentos.

O prazo de impugnação de actos administrativos com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade é de 3 meses, a contar da notificação, como resulta do disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Relativamente ao despacho de 10-05-2010, nem se compreende a alegação de caducidade, pois os Autores não pretendem que seja anulado, nem lhe imputam qualquer ilegalidade, pretendendo, antes, que lhe seja dada execução.

No que concerne aos recibos de vencimentos, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que «os actos de processamento de vencimentos são actos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas» (acórdão do Pleno de 10-04-2008, processo n.º 0544/06).

Os recibos de vencimentos, que se limitaram, na sequência do despacho de 10-05-2010, a manter a situação remuneratória existente em 31-12-2009, não têm explícita uma hipotética decisão de revogação aquele despacho, nem mesmo ela, se existisse, era forçosamente detectável pelos Autores, pois o processamento das anteriores remunerações podia ser interpretado como atraso na execução que tinham expectativas que viesse a ser concretizada (como alegam os Autores nos artigos 37.º a 39.º da réplica).

Neste contexto, não havendo «notificação aos interessados, na forma prevista na lei» (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa) de qualquer dos actos referidos, não ocorre a caducidade do direito de os impugnar.

Improcede, assim, esta excepção.

 

 

3.3. Prescrição

 

O Demandado invoca a prescrição das diferenças de vencimentos reclamadas pelos Aurores relativas a meses mais de 3 anos anteriores à citação, com fundamento no n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.

As Autores respondem a esta excepção com alegações não têm a ver com a aplicação ou não desta norma, que é o que está em causa.

Designadamente, não tem qualquer relevo para a apreciação desta questão da prescrição a alegação de que o direito «ao posicionamento na segunda posição remuneratória (€1.201,48), nível 15, da TRU, operava ope legis, ou seja, sem necessidade de ser requerido pelo interessado, resultando numa consequência da própria Lei – Art. 47º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro», pois o que está em causa é saber se, mesmo que tenham tal direito, estará extinto pelo decurso do tempo o direito a receberem as quantias que seriam devidas com alteração de posição remuneratória.

O artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 34.º

Despesas de anos anteriores

1 - Os encargos relativos a anos anteriores serão satisfeitos por conta das verbas adequadas do orçamento que estiver em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento.

2 - O montante global dos encargos transitados de anos anteriores deve estar registado nos compromissos assumidos, não dependendo o seu pagamento de quaisquer outras formalidades.

3 - O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.

4 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

 

Decorre do n.º 3 deste artigo 34.º que o pagamento das obrigações resultantes dos encargos relativos a anos anteriores e deles transitados, prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que efectivamente se constituiu o efectivo dever de pagar. ( [5] )

A data em que se constitui o dever de pagamento de vencimentos ocorre mensalmente, pelo que tem de se concluir, que, como defende o Demandado, ocorreu a prescrição do direito de exigir quantias relativamente a períodos mais de três anos anteriores do momento da citação, isto é, anteriores a 16-02-2015.

Procede, assim, esta excepção.

 

4. Apreciação do mérito da acção

 

Os Autores pedem o reconhecimento do direito:

– à segunda posição remuneratória (€1.201,48) nos anos de 2009 até Dezembro de 2017;

– ao pagamento das diferenças remuneratórias  resultantes  da  diferença entre a 1ª e 2ª posição remuneratórias, tudo com efeitos remuneratórios a 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2017;

– ao posicionamento na 3.ª posição remuneratória a partir de 01-01-2018.

 

 

Os artigos 13.º e 59.º, n. 1, alínea a), da CRP consagram o princípio da igualdade em matéria de remuneração do trabalho, estabelecendo que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito» «à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

A equiparação remuneratória prevista nesta norma constitucional depende da igualdade do trabalho prestado, em quantidade, natureza e qualidade.

Os Autores invocam que a situação remuneratória em que se encontram é incompatível com este princípio, porque, em suma:

– «transitaram para a carreira de técnico superior em 1 de Janeiro de 2009 os referidos trabalhadores mantêm ainda a mesma remuneração, quando outros trabalhadores que têm sido recrutados, alguns dos quais sem vínculo prévio à Administração Pública, desde a mesma data ou posterior a 2009 para a mesma categoria de Técnico Superior são posicionados diretamente na 2ª posição remuneratória, com um vencimento base de € 1.201,48, enquanto o vencimento destes trabalhadores - técnicos superiores - ex-encarregados de trabalhos e ex-técnicos corresponde a € 945,17 ou a € 1.012,68» (artigo 13.º da petição inicial);

– «encontramos no CC... (e noutras Escolas deste instituto bem como noutros institutos politécnicos) técnicos superiores que em 31/12/2008 estavam posicionados, por exemplo, nos índices 295, 305, 316, todos eles com curso superior desde que foram contratados, com muitos anos de serviço (alguns já com 20 anos de serviço!) e que estão entre a 1ª e a 2ª posição remuneratória da Tabela Remuneratória Única (entre o nível 11 e 15)!» (artigo 24.º da petição inicial);

– «a partir de 2009 qualquer trabalhador não docente que celebra contrato de trabalho em funções públicas na carreira e categoria técnica superior é colocado, pelo menos, na 2ª posição remuneratória…. ficando, inevitavelmente, à frente de todos estes que há tantos anos estão ao serviço! A injustiça perpetua-se e tem-se agravado pelos sucessivos congelamentos nas progressões remuneratórias (agosto de 2005 a dezembro de 2008 e de 2011 em diante)» (artigo 28.º da petição inicial);

– «os RR. além de deter a mesma categoria e executarem as mesmas funções dos demais colegas cujo ingresso na categoria foi posterior, ainda os integraram, formaram e explicaram o serviço».

 

No entanto, como resulta da matéria de facto fixada, os Autores não fizeram prova nem sequer indicaram, quer na petição inicial quer na réplica, a identidade de qualquer trabalhador que desempenhe funções idênticas às que desempenham e que aufira remuneração superior às que auferem.

Nestas circunstâncias, é manifesto que a alegação de violação do princípio da igualdade não assenta em factos que a permitam considerar demonstrada.

Para além disso, como pertinentemente lembra o Demandado, desde a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e até ao final do ano de 2017 que têm vigorado proibições de valorizações remuneratórias, relativamente a trabalhadores dos institutos públicos, sendo estas proibições imperativas e prevalecendo sobre quaisquer normas especiais ou excepcionais:

– artigo 24.º, n.ºs 1, 2  e 16, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com referência à alínea s) do n.º 9 do seu artigo 9.º;

– artigo 20.º, n.ºs 1, 2 e 16,  da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro;

– artigo 35.º, n.ºs 1, 2 e 23, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com referência à alínea q) do n.º 9 do artigo 27.º;

– artigo 39.º, n.ºs 1, 2 e 23.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro,  com referência à alínea q) do n.º 9 do seu artigo 33.º  e, após a Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, à alínea q) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 74/2014, de 12 de Setembro;

– artigo 38.º, n.ºs 1, 2 e  21 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, com referência à alínea q) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 74/2014, de 12 de Setembro;

– artigo 18.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, com referência ao artigo 38.º, n.ºs 1, 2 e  21 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro;

– artigo 18.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com referência ao artigo 38.º, n.ºs 1, 2 e  21 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro;

            Neste contexto legislativo, não se encontrando os Autores, em 01-01-2011, a serem remunerados de harmonia com a 2.ª posição remuneratória, não podiam passar a ser remunerados nessa posição, com valorização das suas remunerações, até 31-12-2017, designadamente no período de 16-02-2015 a 31-12-2017, cujas remunerações não são abrangidas pela prescrição.

            Apenas poderia ser afastada a aplicação destas normas com fundamento em inconstitucionalidade, designadamente se ocorresse a invocada violação do princípio da igualdade. Mas, não se demonstrando violação do princípio da igualdade, têm de improceder os dois primeiros pedidos formulados pelos Autores.

Assim, só a partir de 01-01-2018 é possível concretizar as valorizações remuneratórias que os Autores pretendem, designadamente decorrentes do posicionamento na 2.ª posição remuneratória, o que é admitido pelo Demandado (no artigo 43.º da contestação, com a rectificação que consta do requerimento de 23-04-2018).

No entanto, a partir de 01-01-2018, o que os Autores pedem não é o posicionamento na 2.ª posição remuneratória, mas sim na 3.ª.

Sendo o único fundamento deste pedido a alegada violação do princípio da igualdade, não se demonstrando que ela ocorra (como se referiu), tem de concluir-se também pela improcedência do terceiro pedido.

 

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, decide-se

– julgar improcedentes as excepções de falta de interesse em agir e da caducidade do direito de acção;

– julgar procedente a excepção da prescrição quanto a remunerações anteriores a 16-02-2015 e absolver o Demandado dos pedidos na parte correspondente;

– julgar improcedentes os pedidos de reconhecimento do direito à 2.ª posição remuneratória e às diferenças  remuneratórias  resultantes  da  diferença entre a 1ª e 2ª posição remuneratórias, no período entre 16-02-2015 e 31-12-2017, e absolver o Demandado destes pedidos;

– julgar improcedente o pedido de posicionamento dos Aurores na 3.ª posição remuneratória a partir de 01-01-2018 e absolver o Demandado deste pedido.

 

6. Valor da causa e encargos

 

Fixa-se em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) o valor da causa, nos termos do artigo 34.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD.

Os encargos de arbitragem serão determinados com base na tabela I anexa ao Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD.

 

 

7. Notificações e publicidade

 

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Novo Regulamento da Arbitragem Administrativa.

 

Lisboa, 10-05-2018

 

O Árbitro

             Jorge Lopes de Sousa



( [1] )         Neste sentido, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 253-254.

( [2] )         Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 82-83.

( [3] )         ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.

( [4] )         Neste sentido, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 171, e J. P. REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pág. 406

[5] Como confirmou o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 03-02-2004, processo n.º 01505/03, e de 18-06-2009, processo n.º 0183/09.