Decisão Arbitral
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Objeto
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O litígio em causa respeita a saber se o autor tem direito à realização de provas públicas de avaliação e competência pedagógica e técnico-científica para transitar para a categoria de Professor Coordenador Principal, por via da interpretação extensiva ou integração do regime resultante do disposto no artigo 5.º e do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio e no preâmbulo e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
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Neste litígio são partes as seguintes entidades:
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Autor: A…; e
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Réus: B… (B…) e C… (C…)
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O autor formulou a este tribunal arbitral os seguintes pedidos:
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A anulação do ato de indeferimento da realização de provas públicas com vista à transição para uma categoria profissional superior (professor coordenador principal), por vícios de forma e de violação de lei;
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O reconhecimento do seu direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transitar da categoria de professor coordenador para a de professor coordenador principal;
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A condenação dos réus à prática dos atos jurídicos e operações materiais exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas;
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A condenação dos réus em custas e encargos da demanda.
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Questões Prévias
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Na sua Contestação, os réus suscitaram questões prévias da incompetência absoluta do tribunal arbitral e de ilegitimidade passiva da C… .
Vejamos as questões separadamente.
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Incompetência do tribunal arbitral
A primeira questão a resolver consiste em saber se o presente tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio.
Na sua contestação, os réus sustentam que, apesar de o autor ter atribuído à presente ação o valor de € 9 575,46 (nove mil, quinhentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), a mesma tem necessariamente um valor muito superior, na medida em que não é legalmente possível atribuir-se um valor determinado aos pedidos formulados pelo autor, em particular considerando que, no caso, foi deduzido um pedido de reconhecimento de direitos.
Entendem os réus que, uma vez que um dos pedidos formulados na ação consiste no reconhecimento de direitos alegados pelo autor, seria forçoso concluir que o presente processo teria um valor indeterminável. Assim, nos termos e na lógica que sustentam, haveria que aplicar o n.º 2 do artigo 34.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos(“CPTA”), onde se dispõe que “(…) quando o valor da causa seja indeterminável considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo”.
Ora, tendo em conta que nos termos do compromisso arbitral aceite pelo autor e pelo réu B… (Despacho n.º 8839/2011, publicado na II série do Diário da República de 4 de julho de 2011), apenas estariam submetidos ao CAAD litígios até €30 000,00, um litígio com valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo – como este -, estaria excluído.
Porém, não parece que assista razão aos réus.
Por um lado, a circunstância de o autor formular um pedido de reconhecimento de direitos não significa que tal pedido seja de caraterizar necessariamente como envolvendo um bem imaterial. Pelo contrário, o reconhecimento de um direito terá frequentemente uma utilidade económica ou um benefício económico e, quando os mesmos se verifiquem, o valor da causa deve corresponder a essa utilidade ou benefício económico (n.º 2 do artigo 32.º do CPTA).
Por outro lado, existe efetivamente um benefício económico que poderá decorrer para o autor pela procedência desta ação. Vejamos porquê.
O autor solicita que lhe seja reconhecido o direito a realizar provas públicas que o poderão fazer ingressar numa categoria profissional superior. Ou seja, não pede que lhe seja concedido o acesso a essa categoria, mas antes que i) sejam removidos os obstáculos que impediram a realização de provas para esse efeito (a anulação do ato de indeferimento do pedido de realização das provas), ii) seja reconhecido o direito à realização das mesmas e que iii) os réus sejam condenados a praticar os atos e operações materiais necessárias à realização das provas que poderão determinar a sua transição de categoria.
Existirá um valor material correspondente ao benefício que o autor pretende obter? Sem dúvida que sim. Trata-se do valor que teria recebido pela colocação numa categoria superior, caso as provas tivessem sido aceites na data em que o autor formulou o respetivo pedido, até à data da propositura da presente ação arbitral. Ou seja, os montantes suplementares que teria recebido, caso não tivessem sido colocados obstáculos à realização das provas que poderiam ditar a sua evolução de categoria e que, por não terem sido viabilizadas na data em que foram solicitadas, impediram o autor de ter uma evolução na carreira até à data da propositura desta ação, com o inerente acréscimo remuneratório.
Assim, não procede a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral invocada pelos réus.
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Ilegitimidade passiva da C…
A segunda questão prévia a conhecer diz respeito à alegada ilegitimidade passiva da C…, nos termos do n.º 2, do artigo 10.º, do CPTA.
Os réus sustentam que a C… é uma “unidade orgânica de ensino e investigação do B…” e não uma pessoa coletiva de direito público, não dispondo, consequentemente de personalidade jurídica.
Vejamos se lhes assiste razão.
Efetivamente, as entidades com personalidade judiciária no contencioso administrativo são as pessoas coletivas públicas e, no caso da pessoa coletiva pública “Estado”, os respetivos ministérios (n.º 2 do artigo 10.º do CPTA).
Não há qualquer dúvida que o B… tem personalidade jurídica e judiciária, pois a lei reconhece claramente que se trata de uma pessoa coletiva pública (n.º 1 do artigo 3.º dos Estatutos do B…, aprovados pelo Despacho Normativo n.º 5/2009, de 26 de janeiro).
Já quanto à C… as coisas não se passam da mesma forma.
Embora goze de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural e administrativa, a C… não tem personalidade jurídica, pois é uma unidade orgânica integrada no B… (alínea a), do n.º 1 e alínea g), do n.º 2, do artigo 7.º dos Estatutos do B…, aprovados pelo Despacho Normativo n.º 5/2009, de 26 de janeiro e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º dos Estatutos da C…, aprovados pelo Despacho n.º 15836/2009, de 26 de junho).
Ou seja, não se tratando da pessoa coletiva pública “Estado”, quem tem personalidade é, efetivamente, o B… e não a C… .
Contudo, tal circunstância não parece ter qualquer relevância quanto à possibilidade de a presente ação arbitral prosseguir contra a entidade com legitimidade passiva, que é o B… . E isto por duas razões.
Por um lado, porque o autor também propôs a ação contra o B…, podendo os seus pedidos prosseguir contra esta entidade. Por outro lado, porque o CPTA considera que “…não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público…”. Ora, o autor fez isso mesmo, quando identificou a C…, que é um órgão do B…, como parte legítima. Assim, também por esta razão se deve considerar que a ação se deve considerar como proposta contra o B… e prosseguir.
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Em suma, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
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Factos
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Para o julgamento da presente ação são relevantes os seguintes factos:
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A… desempenha funções docentes em regime de contrato de trabalho em tempo integral e de exclusividade na C… desde 1 de fevereiro de 1996;
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Ao longo deste tempo exerceu diversos cargos/categorias:
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Entre 1 de fevereiro de 1996 e 16 de agosto de 2001, foi docente equiparado a professor adjunto;
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Entre 17 de agosto de 2001 e 21 de outubro de 2003, foi professor adjunto; e,
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Desde 22 de outubro de 2003 é professor coordenador.
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Em 19 de dezembro de 2016, A…, apresentou um requerimento com a Ref.ª N.º…, nos termos do qual solicitou à Vice-Presidente da C… a “prestação de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para categoria de Professor Coordenador Principal”;
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Por ofício datado de 1 de junho de 2017, foi o autor notificado do parecer recebido por ofício Ref.ª …/PR/…/2017 da Presidente do B…, no qual consta a interpretação e posição institucional do B… no que concerne ao artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto;
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Em resposta a tal ofício, o autor, através de requerimento dirigido à Presidente interina da C…, datado de 14 de junho de 2017, solicitou informação sobre o sentido e alcance do ofício e parecer em anexo ao mesmo, tendo questionado:
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“Se se trata de uma notificação para os efeitos do artigo 121.º do CPA;
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Se a referida expressão final de que o parecer em referência firma a interpretação da Instituição na matéria se reporta à Instituição B… ou à C… do mesmo Instituto, porquanto foi perante esta que o signatário solicitou a Prestação de Provas Públicas para categoria de Professor Coordenador”.
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Em 20 de julho de 2017, a Presidente da C… informou o autor de que a informação transmitida diz respeito à “posição institucional do B… (B…) sobre a matéria…”.
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Fundamentação
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Em primeiro lugar, o autor pede a anulação do ato administrativo de indeferimento do pedido de realização das provas públicas que poderiam significar a transição para a categoria superior de professor coordenador principal, com fundamento em vícios de forma e violação de lei invocados pelo autor, a saber:
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Falta de audiência do interessado;
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Falta de fundamentação do ato administrativo;
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Violação do disposto no n.º 5, do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto.
Vejamos separadamente as questões suscitadas pelo autor.
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Vício de forma por preterição da audiência do interessado
O autor sustentar que o ato administrativo impugnado padece de um vício de forma por falta de audiência do interessado.
Em abono da sua pretensão, invoca que o ato administrativo impugnado decidiu contrariamente à sua pretensão e, ainda, que não foi ouvido no procedimento antes da tomada de decisão final. Com efeito, segundo o autor, a decisão final encontra-se consubstanciada no texto do ofício de 1 de junho de 2017 da Vice-Presidente da C…, como se terá reconhecido no ofício da Presidente da C… datado de 20 de julho de 2017. Ora, não tendo havido audiência do interessado antes dessa decisão, o ato em questão estaria viciado, pois não teria sido dado cumprimento ao disposto nos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Por seu turno, os réus vêm defender-se das alegações do autor referindo que, posteriormente à notificação do ofício datado de 1 de junho de 2017, o autor apresentou um requerimento, “expondo as questões que considerou relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito”, pelo que se devem considerar exercidos, deste modo, os direitos conferidos pelo CPA nesta matéria.
É evidente que a decisão administrativa constante do ofício de 1 de junho de 2017 deveria ter sido antecedida de uma audiência do interessado, tal como o artigo 121.º CPA exige. Também é claro que não se aplica nenhuma das causas que poderiam dispensar a audiência dos interessados, nos termos do artigo 124.º CPA. Nessa medida, os argumentos do autor fazem sentido.
Porém, há uma circunstância que impede que se produza o efeito anulatório decorrente deste vício.
É que a alínea a), do n.º 5 do artigo 163.º CPA determina que não se produz o efeito anulatório quando “o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado…”.
A este respeito veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.12.204, processo n.º 02841/12.7BEPRT (disponível em www.dgsi.pt), onde se afirma que:
“A degradação de formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.”
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.02.2016, processo n.º 12747/15 (disponível em www.dgsi.pt) refere que:
“[A] preterição da formalidade constitui o facto de não ter sidp assegurado o exercício do direito de audiência só pode degradar-se em formalidade não essencial, e assim destituída de efeito invalidante, se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.
Do exposto resulta que os efeitos anulatórios da preterição da obrigatoriedade de realização de audiência dos interessados não se produzem quando a decisão não pudesse ter sido diferente da que foi adotada, designadamente quando esteja em causa o exercício de um poder vinculado.
Ou seja, não há anulação do ato por vício de forma quando o seu conteúdo seja vinculado e a Administração não pudesse ter adotado uma decisão diferente, o que sucede neste caso, como veremos. É que este ato teria sempre de ser um ato de indeferimento, face ao que a lei dispõe nesta matéria, como teremos oportunidade de verificar, quando apreciarmos o vício de violação de lei invocado pelo autor.
Portanto, apesar de o autor ter razão quando se insurge contra a preterição da audiência dos interessados, que era obrigatória e que se deveria ter realizado, a mesma não tem o alcance de anular a decisão administrativa em questão, pois ela não poderia ter conteúdo diferente, mesmo que a audiência houvesse de ser realizada agora.
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Vício de forma por falta de fundamentação
Em segundo lugar, vem o autor sustentar que o ato administrativo impugnado padece de falta de fundamentação, por se alicerçar num parecer jurídico que, na sua ótica, é insuscetível de constituir fundamento e suporte de um ato administrativo, violando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 153.º CPA.
Não assiste razão ao autor.
Tal como o autor reconhece, há muito que se considera que a fundamentação pode consistir em declaração de concordância ou remissão para um parecer ou documento autónomo da decisão como, aliás, o CPA aceita (n.º 1 do artigo 153.º CPA). Aliás, é também o que resulta da jurisprudência, como se afirma, por exemplo, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.01.2005, processo n.º 00439/04, (disponível em www.dgsi.pt):
“I – A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. (…)”
Porém, ao contrário do que afirma o autor, em parte alguma o CPA impede que uma decisão administrativa se alicerce num parecer de uma entidade externa à Administração Pública. Além disto, é claro que o parecer se refere diretamente à questão jurídica de interpretação da lei que está na base das pretensões do autor: saber como deve ser interpretado o regime do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, na parte em que não refere expressamente, no seu articulado, a situação em que se encontra o autor.
É certo que a decisão transmitida através do ofício de 1 de junho de 2017 não é um exemplo de clareza, pois bem podia ter respondido diretamente à pretensão do autor referindo que a mesma era indeferida com base no parecer aí mencionado. Porém, tal não é suficiente para que se possa considerar que a mesma desrespeitou as exigências do artigo 153.º CPA.
Em conclusão, não assiste qualquer razão ao Autor neste ponto.
c)Vício de violação de lei por incompatibilidade do ato com o n.º 5, do artigo 8.º-A, do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto
O autor invoca que o ato administrativo impugnado violou a correta interpretação e aplicação da norma resultante do disposto no n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, e do preâmbulo e do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto.
Isto porque, em seu entender, resulta das disposições acima indicadas que os professores coordenadores (como o autor) têm o direito de solicitar a realização de provas públicas de avaliação das suas competências, para efeitos de transição para a categoria de professor coordenador principal, dispensando-se assim, para o seu caso, o regime geral de evolução na carreira por via do concurso documental, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º-A do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP). E, portanto, o ato da Vice-Presidente da C… não poderia ter indeferido a realização de tais provas.
Vejamos se lhe assiste razão.
O autor reconhece que o regime vigente, resultante do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, não prevê expressamente, no respetivo articulado, a possibilidade de professores coordenadores transitarem para a categoria de professores coordenadores principais através da realização de provas públicas. Porém, sustenta que, por interpretação extensiva ou integração, o regime anteriormente vigente, onde essa possibilidade era reconhecida, deveria continuar a ser aplicado. No fundo, o autor pretende fazer-se valer de um regime excecional, onde se prevê a evolução na carreira através de provas públicas (e não de concurso documental, como se encontra estabelecido no regime geral).
Não parece que a lei possa ser interpretada como o autor pretende. E isto por várias razões.
Em primeiro lugar, a letra da lei não favorece a interpretação que defende, segundo a qual os professores coordenadores poderiam, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, solicitar a prestação de provas pública para transitar para a categoria de professor coordenador principal.
Com efeito, o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, estabelece que os docentes que, à data de 18 de março de 2016, exerciam funções de docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 20 anos, poderiam requer até 31 de dezembro desse ano a prestação de provas públicas de avaliação e competência.
Contudo, do referido diploma decorre com clareza que apenas os assistentes, e os equiparados a assistente, professores-adjuntos e a professores coordenadores, podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação e competência. Com efeito, estabelece o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, que (negrito e sublinhado nossos):
“Artigo 6.º
Provas Públicas de Avaliação de Competência
1 – Os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os nos 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
2 – Os docentes referidos no n.º anterior transitam, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, na mesma categoria em que exercem funções”.
Ou seja, a letra da lei não afirma a possibilidade de os docentes que sejam professores coordenadores (como autor) ascenderem à categoria de professor coordenador principal através de provas públicas. Menciona os “equiparados” a professores coordenadores, mas não os professores coordenadores propriamente ditos.
Além disto, o n.º 2 do mesmo artigo 6.º reforça este entendimento, pois a transição para um contrato por tempo indeterminado não faz sentido relativamente a professores coordenadores, que já beneficiam desse tipo de vínculo ((n.º 1 do artigo 10.º do ECPDESP).
Ou seja, o regime constante destas disposições não parece estar dirigido para os professores coordenadores.
Em segundo lugar, deve presumir-se que o legislador se exprimiu de forma correta, como resulta da diretriz do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Ou seja, seria preciso que existissem evidências mais substanciais de que o legislador teria pretendido outra solução e que se teria exprimido de forma incorreta num caso como o que se nos depara. É que, na presente situação, o legislador estava consciente da situação dos professores coordenadores, pois num primeiro momento temporal reconheceu a possibilidade evolução na carreira através de um regime excecional por via das ditas provas públicas (n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio) e, mais tarde, uma vez esgotado o prazo em que se poderia aproveitar esse regime, deixou de a contemplar. Com efeito i) foi evidente, num primeiro momento temporal, que o legislador ofereceu a várias categorias profissionais (como os professores coordenadores) a possibilidade de evoluir na carreira através de provas públicas e ii) num segundo momento, a lei deixou de referir a maioria dessas categorias. Ora, face a uma sucessão de leis sobre o mesmo assunto onde é claro que se deixou de referir expressamente carreiras que antes eram abrangidas, é legítimo presumir que teria sido objetivo do legislador não lhes renovar a possibilidade de transição na carreira por via das ditas provas públicas por um novo período temporal.
É certo que, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, se refere que “Faculta-se igualmente possibilidade de a realização das provas públicas para a transição para a carreira, introduzida pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, através do aditamento dos n.os 9, 10 e 11 ao artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 8.º-A ao Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, aos docentes que contem, desde 1 de setembro de 2009, 20 anos de serviço em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva”.
Por essa razão, o autor entende que a vontade expressa do legislador seria, uma vez mais, a de renovar a possibilidade de prestação de provas públicas pelos professores coordenadores, para transitarem para professores coordenadores principais, pois aí se alude ao regime transitório e excecional que vigorou quanto a estes. E também é certo que a redação do preâmbulo poderá induzir em erro, na medida em que parece dar a entender que é intenção do legislador renovar o regime que vigorou e do qual os professores coordenadores beneficiaram.
Porém, o parágrafo em questão do preâmbulo também pode ser entendido de outra forma, como fazendo alusão ao aproveitamento do mecanismo das provas públicas como forma de transição na carreira (o qual já havia sido utilizado por outro diploma legislativo), mas agora relativamente a um universo de docentes relativamente diferente e com um outro propósito e fundamento.
Ou seja, a leitura deste parágrafo do preâmbulo com o mencionado n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, pode e deve ser integrada com esta disposição, por forma a que se entenda que se utilizou novamente o mecanismo das provas públicas como forma de transição de carreiras (o qual já havia sido acolhido pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio), mas agora relativamente a apenas certas carreiras docentes e não a todas. Parece-nos que é essa a interpretação mais adequada em função do texto do preâmbulo ser mais abrangente que o do artigo 6.º.
Dito isto, claro que a redação do preâmbulo não foi a melhor nem a mais precisa, mas é possível interpretá-lo de forma integrada com o artigo 6.º e não parece que daí resulte a extensão desse regime aos professores coordenadores.
Mesmo que assim não se entendesse, em rigor, os preâmbulos de diplomas legislativos não têm força vinculativa, constituindo apenas um elemento da interpretação legislativa.
Em terceiro lugar, a evolução no tratamento desta questão pelo legislador indicia que se pretendeu oferecer a várias categorias profissionais a possibilidade de poderem, a título excecional e transitório, evoluir na carreira por via de provas públicas e com dispensa do concurso documental. Uma dessas carreiras profissionais era, efetivamente, os professores coordenadores. Assim, o n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, determinava o seguinte:
“Artigo 8.º-A
Regime transitório excepcional
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 - Os actuais assistentes, professores-adjuntos e professores-coordenadores que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, nos termos do estabelecido nos n.os 8 a 10 do artigo 6.º, com as devidas adaptações, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respectiva categoria.”
Porém, uma vez terminado esse período transitório, a lei fixou um novo regime excecional e transitório, mas não referiu várias dessas categorias profissionais, sendo uma delas os professores coordenadores. Assim, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, determinou o seguinte:
“Artigo 6.º
Provas públicas de avaliação de competência
1 - Os assistentes e os equiparados a assistente, a professor adjunto ou a professor coordenador que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerçam funções em regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva há mais de 20 anos podem, até 31 de dezembro de 2016, requerer a prestação das provas a que se referem os n.os 9, 10 e 11 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
2 - Os docentes referidos no número anterior transitam, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, na mesma categoria em que exercem funções.”
Ou seja, é legítimo considerar que não se quis voltar a dar uma nova oportunidade de beneficiar de um regime transitório e excecional a uma categoria profissional que dele já tinha podido beneficiar.
Com efeito, resulta claro, da leitura do n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, que o regime transitório e excecional aí prescrito se aplicava também à categoria de professores coordenadores, entre outras. Tal foi afirmado pelos acórdãos citados pelo autor na sua petição inicial. E é manifesto que, o legislador, ao consagrar este novo regime de provas públicas para avaliação de competência, desconsiderou na letra da lei as categorias de professores adjuntos e de professores coordenadores.
Essa desconsideração terá resultado de a possibilidade de evolução na carreira através de provas públicas ter sido facultada anteriormente, através do regime previsto pela n.º 5 do artigo 8.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio. Ou seja, que os docentes que já se encontravam na carreira, e que preenchiam os requisitos da lei, tiveram oportunidade de requerer a prestação de provas públicas.
Em suma, a natureza transitória e excecional desse regime aconselha a que se interprete o regime do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, no sentido de essa possibilidade não ter sido renovada, uma vez que não foi expressa de forma clara. Por outras palavras, tendo em conta que a transição de carreiras por via de provas públicas para os professores coordenadores era excecional e transitória, esperar-se-ia que a sua renovação estivesse acolhida de forma inequívoca, quando não o foi.
Em quarto lugar, o principal objetivo do regime de transição de carreiras através do Decreto-Lei n.º 45/2016, de 17 de agosto, terá sido a criação de condições para uma redução da precariedade no corpo docente dos estabelecimentos de ensino superior politécnico. Tal resulta do preâmbulo e do n.º 2 do artigo 6.º.
Ora, não parece existir uma questão de precariedade que se torne necessário acautelar quanto aos professores coordenadores que, nos termos do ECPDESP, já beneficiam de um vínculo por tempo indeterminado (n.º 1 do artigo 10.º do ECPDESP).
Em quinto lugar, é preciso não esquecer que o regime de que o autor se pretende aproveitar é excecional.
A título excecional, a lei previu a possibilidade de evolução na carreira por via da prestação de provas públicas. Porém, no caso do autor, o regime geral de evolução na carreira faz-se por via de um concurso documental, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º-A do ECPDESP.
Ora, um regime excecional deve ser interpretado de forma a que o mesmo não se transforme no regime geral de evolução na carreira, a menos que seja inequívoco que tal tenha sido pretendido, o que não é o caso.
Pelo exposto, não assiste razão ao autor no que toca à existência de vício de violação de lei por não se ter reconhecido a possibilidade de um professor coordenador evoluir na sua carreira através de provas públicas, nos termos das disposições que invocou, em vez de seguir a via do concurso documental.
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O pedido do autor para que lhe seja reconhecido o direito a realizar provas públicas para transitar para a categoria de professor coordenador principal também não procede, pelas mesmas razões que motivaram a inexistência de vício de violação de lei do ato de indeferimento da realização das provas públicas.
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O pedido do autor para que os réus sejam condenados a praticar os atos e operações materiais necessárias à realização das provas públicas também é rejeitado, pois é um pedido dependente da anulação do ato por vício de violação de lei e/ou reconhecimento do direito à realização das ditas provas públicas, que foi rejeitado.
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O pedido de pagamento das custas e encargos pelos réus não tem qualquer apoio no regime do Regulamento e Tabela de Encargos Processuais do CAAD, sendo por isso rejeitado.
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Decisão
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
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Não anular o ato de indeferimento com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação ou violação de lei;
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Não conferir efeitos anulatórios ao vício de forma do ato por preterição da audiência do interessado;
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Não reconhecer ao autor o direito à realização de provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica para transição para a categoria de Professor Coordenador Principal;
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Não condenar o B… à prática dos atos jurídicos e operações materiais, exigidos para a realização e prestação das referidas provas públicas de avaliação de competência pedagógica e técnico-científica, para transitar para a categoria de Professor Coordenador Principal;
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Não condenar o réu pelas custas e encargos da demanda.
Lisboa, 12 de março de 2018,
João Tiago Silveira