Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 09 de outubro de 2017, em que é Demandante A… e Demandada a Junta de Freguesia B…, decide nos termos que se seguem:
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RELATÓRIO
A Demandante apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 26.03.2017, tendo o mesmo sido aceite no dia 03.04.2017, tendo requerido que, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 9.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, o Centro diligenciasse junto da Junta de Freguesia B… no sentido de arir da respetiva vontade de subscrever compromisso arbitral para resolução do litígio descrito no requerimento apresentado.
Através de carta data de 17.05.2017, o CAAD notificou a Junta de Freguesia B… do pedido, tendo solicitado resposta sobre a decisão de outorgar ou não o compromisso arbitral nos termos propostos pela Requerente.
Em resposta datada de 29.05.2017, o Presidente da Junta de Freguesia …, em sua representação, comunicou aceitar outorgar o compromisso arbitral que vier a ser alcançado no âmbito do processo, tendo ficado a aguardar a constituição do tribunal e a citação para contestar.
A 21.07.2017, o CAAD enviou à referida Junta de Freguesia um pedido de constituição de tribunal arbitral nos termos do n.º 5 do artigo 9.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa, com a consequente citação para contestar de acordo com o disposto nos artigos 10.º e 12.º daquele Regulamento.
No dia 09.10.2017, o CAAD notificou a Demandante da constituição do tribunal arbitral e de que tinha sido designada como árbitro a signatária.
No dia 10.12.2017, perante a ausência de contestação apesar de decorrido o prazo para o efeito, foi proferido despacho no sentido de a Demandante vir suprir uma deficiência da petição inicial e, no mesmo prazo de 10 dias, apresentar alegações escritas.
Decorrido o prazo concedido pelo tribunal, verificou-se que (i) continuou sem ter sido apresentada contestação e que (ii) a Demandante não supriu a deficiência e não apresentou alegações escritas.
Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 6, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, se não for apresentada contestação, o procedimento arbitral prossegue, sem que se considere esta falta, em si mesma, como uma aceitação das alegações do demandante. De igual modo, prescreve o n.º 7 do mesmo artigo que a falta de envio do processo administrativo, quando exista, e demais documentos respeitantes à matéria do litígio, não obsta ao prosseguimento da causan e, se não houvcr contrainteressados a quem seja imputável a falta de envio, determina que os factos alegados pelo Demandante se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade.
Posição da Demandante:
A Demandante apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral na sequência da notificação recebida da Demandada comunicando a denúncia do contrato de trabalho temporário com a empresa C…, Lda., ao abrigo do qual a Demandante vinha colaborando com a Demandada desde janeiro de 2009.
Nos termos do referido documento, a Demandante terminaria as suas funções na Demandada a 01.04.2017.
Por fim, a Demandada informou a Demandante, nos termos da referida carta, de que “a decisão tem como objetivo regularizar as necessidades de pessoal do mapa recorrendo ao preenchimento dos respetivos postos de trabalho, mediante recurso à abertura de procedimento concursal.”
A Demandante, no pedido de pronúncia arbitral, defende que vinha exercendo funções junto da Demandada desde novembro de 2004 sem que lhe tivesse sido imputado qualquer ilícito disciplinar e sem que o seu trabalho se tivesse revelado desnecessário.
Exerceu funções junto da Demandada desde novembro de 2004 até dezembro de 2005 através de um Plano Ocupacional (POC) do IEFP (a Demandante junta comprovativo documental do referido acordo datado de 14.11.2004).
A partir de janeiro de 2006, celebrou com a Demandada um Contrato de Trabalho a Termo Certo que durou até dezembro de 2009 (a Demandante juntou comprovativo documental do referido contrato datado de 25.01.2006), o qual foi objeto de renovação a 20.12.2006 e a a 02.01.2008 através de deliberações adotadas nessas datas.
Refere ainda a Demandante que, “ com a caducidade do contrato e uma vez que a necessidade da sua colaboração continuava a existir, solicitou o anterior executivo à Demandante que se inscrevesse numa empresa de trabalho temporário –D…, Lda., para, por intermédio desta, prestar serviços à Demandada, o que vinha sucedendo até à carta de denúncia acima descrita.
Mais refere que, durante os mais de treze anos em que exerceu funções de assistente operacional junto da Entidade Demandada, desempenhou sempre as suas funções por conta, em nome e ao serviço da Demandada, sem que a forma de colaborar com esta última se tenha alterado na medida em que cumpriu sempre o mesmo horário, exerceu funções nas instalações da Demandada com recurso aos instrumentos de trabalho que são propriedade desta e obedecendo a ordens e instruções desta, factos que, todos conjugados, reforçam a conclusão de que se trata de um verdadeiro contrato de trabalho.
O trabalho exercido integra-se nas atribuições e competências da Demandada e corresponde às regulares e permanentes necessidades de funcionamento da mesma.
Por fim, apela ao disposto no artigo 25.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017, no sentido de se analisar o seu vínculo real e não formal e de se considerar a existência de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. Pede que a Demandada seja condenada a celebrar um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Demandante, na carreira e categoria de assistente operacional, lugar que se encontra previsto e não ocupado no mapa de pessoal da Demandada, e na 1.ª posição remuneratória da carreira de assistente operacional.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
II.1. Factos provados
Como resulta dos termos do pedido, a Demandante conformou o objeto deste litígio essencialmente por referência às funções laborais desempenhadas junto da Demandada, que se passam a enunciar:
- desde novembro de 2004 até dezembro de 2005 exerceu funções através de um Plano Ocupacional (POC) do IEFP (a Demandante junta comprovativo documental do referido acordo datado de 14.11.2004).
- a partir de janeiro de 2006, celebrou com a Demandada um Contrato de Trabalho a Termo Certo que durou até dezembro de 2009 (a Demandante juntou comprovativo documental do referido contrato datado de 25.01.2006), o qual foi objeto de renovação a 20.12.2006 e a 02.01.2008 através de deliberações adotadas nessas datas.
- depois de caducado aquele contrato, a Demandante inscreveu-se numa empresa de trabalho temporário –D…, Lda. -, para, por intermédio desta, prestar serviços à Demandada;
- através da D…, Lda., a Demandante prestou serviços na Demandada até à carta de denúncia recebida no dia 01.02.2017 para produzir efeitos a 01.04.2017.
Mais refere que, durante os mais de treze anos em que exerceu funções de assistente operacional junto da Entidade Demandada, desempenhou sempre as suas funções por conta, em nome e ao serviço da Demandada, sem que a forma de colaborar com esta última se tenha alterado na medida em que cumpriu sempre o mesmo horário, exerceu funções nas instalações da Demandada com recurso aos instrumentos de trabalho que são propriedade desta e obedecendo a ordens e instruções desta, factos que, todos conjugados, reforçam a conclusão de que se trata de um verdadeiro contrato de trabalho.
II.2. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O artigo 33.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/14, de 20 de Junho[1]), dispõe que a formação de um vínculo de emprego público se faz mediante procedimento concursal publicitado no Diário da República, dispondo os artigos seguintes sobre os requisitos a que deve obedecer este procedimento, nomeadamente, nível habilitacional (artigo 34.º), métodos de seleção (artigo 36.º), determinação do posicionamento remuneratório (artigo 38.º).
À data da cessação do vínculo contratual, a Demandante não mantinha sequer qualquer vínculo de emprego público, porquanto estava contratado ao abrigo de trabalho temporário à empresa D…, Lda.
Assim, a única forma legalmente permitida de satisfazer a pretensão da Demandante (a celebração de um contrato em funções públicas por tempo indeterminado na carreira e categoria de assistente operacional) seria através de um procedimento concursal nos termos prescritos nas normas indicadas supra, não sendo possível a criação de um tal vínculo por determinação deste tribunal arbitral – nesse sentido, vejam-se os seguintes acórdãos que abordam a impossibilidade de conversão de contratos celebrados por entidades públicas em contratos sem termo:
- Acórdão n. º 01678/13.0BEPRT, de 21-04-2016: “A proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo, celebrados por entidades públicas, em contratos de trabalho sem termo, resulta expressamente das normas legais sucessivamente aplicáveis (cfr. artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º428/89 e artigo 18.º/4 do mesmo diploma, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º218/98; 2.º/2 da Lei n.º23/2004; e artigo 92.º/2 da Lei n.º59/2008) e é constitucionalmente imposta pelo artigo 47.º/2 da CRP, entendendo-se que o direito à segurança do emprego consagrado no artigo 53.º da CRP, não tem nessa conversão uma garantia necessária.”;
- Acórdão n.º 00450/11.7BEVIS, de 02-07-2015: “A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, violador do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição, em face do que não será aceitável”.
Foi precisamente com fundamento na violação deste artigo 47.º/2 da CRP que o Tribunal Constitucional decidiu, no Acórdão n.º368/2000, “declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total finado na lei gral sobre contratos de trabalho a termo.” Em sentido idêntico, o Acórdão n.º 61/2004, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, “por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, da norma constante do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto, que cria o Instituto Português de Conservação e Restauro, na medida em que admite a possibilidade de contratação do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado em conservação e restauro mediante contrato individual de trabalho, sem que preveja qualquer procedimento de recrutamento e seleção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”.
Decorre da lei e da jurisprudência citadas, portanto, que a pretensão da Demandante não tem fundamento legal, tanto mais que, no seu caso, nem sequer existia um contrato de trabalho sem termo, mas tão só um contrato de trabalho temporário. Uma interpretação no sentido da conversão de um contrato, in casu, de trabalho temporário em contrato por tempo indeterminado, criaria inovatoriamente – e contra lei expressa que se harmoniza com a Constituição e o direito da União Europeia - uma via ilegal de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade se consolidasse, ilegitimamente, uma relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimento de recrutamento e métodos de seleção em regimes de oponibilidade, que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública.
O artigo 25.º da LOE 2017, com a epígrafe “Estratégia de combate à precariedade”, não afasta o que antes se disse na medida em que trata de uma norma onde apenas se enuncia o compromisso do Governo em apresentar à Assembleia da República um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública para as situações do pessoal que desempenhe funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico.” Embora, nesse âmbito, se preveja que o Governo regulamente as condições em que o reconhecimento formal das necessidades permanentes dos serviços determina a criação dos correspondentes lugares nos mapas de pessoal, nenhuma previsão concreta se aplica ao caso da Demandante, pelo que se mantêm as conclusões atrás referidas.
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DECISÃO
Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela absolvição da Demandada.
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VALOR DA CAUSA
Fixa-se o valor da ação nos € 12.000,00 (doze mil euros) nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pela Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD (cf. n.º3 do art.º 23.º do RAA).
Lisboa, 11 de abril de 2018
A Árbitro,
Raquel Franco
[1] Sucessivamente alterada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, pela Lei n.º 84/2015, de 07/08, pela Lei n.º 18/2016, de 20/06, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, pela Lei n.º 25/2017, de 30/05, pela Lei n.º 70/2017, de 14/08 e pela Lei n.º 73/2017, de 16/08.