Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 280/2013 T
Data da decisão: 2014-04-28  Selo  
Valor do pedido: € 16.560,50
Tema: Imposto do Selo - Verba 28 TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

1 – A…, pessoa colectiva número …, com sede na …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, apresentou em 03/12/2013 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[1], sendo requerida a AT[2], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[3], relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano sito na….

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 04/12/2013.

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 06/02/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação apresentada pela mesma, bem como dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[5] que incidiram sobre o valor patrimonial do prédio Urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia e concelho de … ( extinta freguesia da …) do qual é proprietária.

6- Invoca para o efeito, a ilegalidade das liquidações do IS, suportada, do seu ponto de vista, no facto do imóvel não estar exclusivamente afecto à habitação, sendo por isso um prédio misto, ao mesmo tempo que os seus andares ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, nenhum deles tem valor patrimonial total igual ou superior a €1000000,00.

7 – Ainda no entender da requerente a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não poderá, por si só, ser indicador de capacidade contributiva, decorrendo da lei uma igualdade de tratamento fiscal e assim, se um prédio em propriedade horizontal só pagaria IS pelas fracções que tivessem valor patrimonial igual ou superior a €1000000,00, o mesmo deverá acontecer para os prédios em propriedade vertical com andares ou divisões com utilização independente.

8 – Alega ainda que não existe qualquer imposição legal para a constituição de propriedade horizontal e que os prédios em propriedade vertical são antigos e acolhem, na sua maioria, inquilinos de modesta capacidade económica.

9 – Termina dizendo que, apesar da sua convicção da ilegalidade da liquidação do IS, efectuou o seu pagamento voluntário e, procedendo a impugnação, requer ser reembolsada do IS pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios a que tem direito nos termos do artigo 43º nº 1 da LGT[6].

10 – Por sua vez a AT entende que não assiste razão à requerente uma vez que aos prédios com afectação mista bastará expurgar o valor patrimonial tributário da parte habitacional e tributar só este valor e que, apesar do legislador determinar que a tributação do IS se processe de acordo com as regras do IMI[7], ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações.

11 – Refere ainda a AT que, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal, têm diferente valoração e tributação donde decorre diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das fracções, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica.

12 – Por último acrescenta que considerando os actos tributários impugnados válidos e legais não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT.

 

II – SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Em 24 de Março de 2014, teve lugar a reunião do tribunal, de harmonia com o artigo 18º do RJAT, na qual a requerida se fez representar, não tendo comparecido o mandatário da requerente apesar de devidamente notificado.

 Sobre a tramitação processual foi decidido pelo tribunal não ser necessário a inquirição da testemunha arrolada pela requerente, dado entender-se estarmos apenas perante questões de direito, também se considerou desnecessárias alegações orais ou escritas e concluiu-se estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final fixando-se o dia 28 de Abril de 2014 para o efeito.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:

 

 

  1. Saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, em que umas têm afectação habitacional e outras afectação diversa desta, deverá ser tributado em IS o VPT[8] correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando igual ou superior a €1000000,00, ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a € 1000000,00;
  2. Saber ainda se, em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação, haverá lugar ou não ao pagamento dos juros indemnizatórios requeridos.

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

 

  1. A requerente é proprietária de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia e concelho de … (antiga freguesia da …);
  2. Há partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que estão afectas ao comércio e outras com afectação ou destino habitacional;
  3. O somatório do VPT das partes ou divisões com afectação habitacional é de € 1656050,00;
  4. A AT tributou em IS, previsto na verba 28.1 da TGIS apenas o VPT referido no ponto anterior;
  5. Em 21 de Março de 2013 a requerente foi notificada pela AT, das liquidações do IS relativo a partes ou divisões com utilização independente do aludido prédio, no valor correspondente a 1% do somatório dos VPT das partes ou divisões com utilização independente com afectação ou destino habitacional, no montante de 16 560,50, a pagar em três prestações;
  6. Nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1000000,00;
  7. A requerente apresentou em tempo oportuno uma reclamação contra tal tributação que veio a ser indeferida com os fundamentos aduzidos na respectiva informação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que vieram a merecer concordância superior;
  8. A requerente pagou, após notificação da AT e, em tempo oportuno, as três prestações em que o IS foi dividido, no valor global de € 16560,50.

 

3 – Do Direito

 

3.1 – Quanto a IS

 

  1. A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000000,00;
  2. Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão;
  3. O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;
  4. No nº 2 do artigo 5º do mesmo Código o legislador estabelece o conceito de prédios mistos que serão aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra;
  5. O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;
  6. No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial, trata-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI;
  7. Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa colectiva;
  8. Aliás a AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afectação diversa da habitacional, para efeitos de tributação em IS, mais não fez do que usar o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal;
  9. Dito de outro modo, a AT, para fazer esse expurgo, considerou que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente eram verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio;
  10. E mais não fez do que observar o que dispõe o nº 3 do artigo 12º do CIMI[9] :”cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial”;
  11. Igualmente a AT ao fazer a tributação em IMI fê-lo tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente;
  12. A AT utilizou igual critério na tributação em IS, ao fazer o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global, verificando ser superior a €1000000,00 e somou os valores de IS apurado unitariamente;
  13. Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artº 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;
  14. Fazer a tributação em IS considerando o VPT global do prédio, mesmo expurgado do VPT das partes ou divisões não afectas à habitação, como pretende a requerida, não encontra suporte no CIMI, conforme remissão do nº2 do artigo 67º do CIS;
  15. Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, como já se disse, a legislação aplicável é a mesma;
  16. Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1000000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS;

 

 

3.2 – Quanto aos juros indemnizatórios

 

          a) A requerente para além do reembolso do IS indevidamente pago pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios;

         b) Tal pedido tem suporte no nº1 do artigo 43º da LGT que considera serem devidos juros indemnizatórios quando em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial se determine que houve erro imputável à AT do qual resulte pagamento indevido da prestação tributária;

          c) Ora sendo o processo arbitral um processo alternativo ao processo de impugnação judicial, entende o tribunal que face à ilegalidade do acto de liquidação, há lugar ao reembolso do IS pago e, considerando as disposições contidas nos números 1 alínea b) e 5 do artigo 24º do RJAT e artigo 100º da LGT, a requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do nº 1 do artigo 43 da LGT e artigo 61 do CPPT[10].

 

 

IV – DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

  1. Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação do acto de indeferimento da reclamação, bem como a anulação dos actos de liquidação do IS aqui impugnados;
  2. Declarar a obrigatoriedade da AT restituir à requerente o montante do IS oportunamente por ela pago no valor de €16560,50;
  3. Declarar a obrigatoriedade da AT pagar juros indemnizatórios à requerente, à taxa legal, desde a data em que ocorreram os pagamentos das prestações e a data em que ocorra o reembolso;
  4. Valor do processo:€16560,50 tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[11], 97-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT[12];
  5. Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22 do RJAT, fixando-se o seu montante em € 1224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de Abril de 2014

 

 

texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.

 

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco

 

 

 

 

 



[1] Acrónimo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[2] Acrónimo da Autoridade Tributária e Aduaneira

[3] Acrónimo do Imposto do Selo

[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[5] Acrónimo da Tabela Geral do Imposto do Selo

[6] Acrónimo da Lei Geral Tributária

[7] Acrónimo do Imposto Municipal sobre Imóveis

[8] Acrónimo do valor patrimonial tributário

[9] Acrónimo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[10] Acrónimo do Código de Procedimento e de Processo Tributário

[11] Acrónimo do Código de Processo Civil

[12] Acrónimo do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária