Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 177/2013-T
Data da decisão: 2013-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 89.577,91
Tema: Derrama municipal. Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS)
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Decisão Arbitral

 

 

PROCESSO N.º 177/2013-T

 

1. RELATÓRIO

A…, S.A. (de ora em diante Requerente), pessoa colectiva n.º …, solicitou a constituição do Tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária Aduaneira (de ora em diante a Requerida), com o objectivo de correcção da autoliquidação da derrama municipal do grupo fiscal B... relativa ao período de tributação de 2011, no montante de €89.577,91, o reembolso dessa quantia indevidamente autoliquidada e paga, bem como do pagamento dos respectivos juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, por violação do disposto na lei relativa à base de incidência da derrama municipal no quadro do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

A requerente fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, o seguinte:

1.     A requerente é a sociedade dominante do grupo de sociedades B..., abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) disciplinado pelos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (à data em vigor).

2.     A Requerente enviou a sua declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao IRC no exercício referente a 2011, tendo procedido à autoliquidação da derrama municipal relativa ao dito exercício no montante de €126.235,62.

3.     Nessa declaração e visto o sistema informático da Autoridade Tributária a Aduaneira (AT) o não permitir de outra forma, a derrama foi calculada sobre o resultado de cada uma das sociedades integrantes do grupo, sendo esse procedimento conforme o Ofício – Circulado n.º 20.132, de 14 de Abril de 2008, emitido pelo Ex.mo Sr. Subdirector-Geral da Direcção-Geral dos Impostos, tendo efectuado o pagamento da importância resultante.

4.     Considerando que a referida liquidação não estava correcta, a Requerente apresentou, em 22 de Março de 2013, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, Reclamação Graciosa da referida autoliquidação, tendo a reclamação sido objecto de indeferimento.

5.     Daí que a Requerente, não estando de acordo com o sentido e a fundamentação da referida decisão de indeferimento, por não corresponder a uma correcta interpretação do estabelecido legislativamente aplicável ao caso, solicite a anulação da decisão de indeferimento e a correcção da autoliquidação.

6.     Com efeito, relativamente ao exercício de 2011 e de acordo com o estabelecido no artigo 70.º do Código do IRC, a requerente apurou o lucro tributável do Grupo B... através da «soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».

7.     Ora, segundo o disposto no artigo 14.º n.º 1 da Lei das Finanças Locais, a derrama incide «sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)» relativamente aos sujeitos passivos que exerçam a título principal e no País uma actividade comercial, industrial ou agrícola.

8.     Não definindo a Lei das Finanças Locais ou qualquer outro normativo regras especiais sobre a forma de apuramento do lucro tributável para efeitos do cálculo da derrama, as regras aplicáveis a esse cálculo são as estabelecidas no Código do IRC para apuramento do lucro tributável para efeito deste imposto que, no caso da RETGS, corresponde à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (artigo 78.º do Código do IRC), conduzindo à mesma conclusão o carácter acessório da derrama.

9.     A corroborar esta conclusão, o facto da opção pela aplicação do RETGS assentar em dois princípios basilares: o princípio da neutralidade fiscal e o princípio da capacidade contributiva.

10.  Invoca, por último, jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD.

11.  Em conformidade, pede a anulação do despacho de indeferimento da reclamação, por vício de violação de lei, e, consequentemente, que se proceda à correcção do imposto indevidamente pago no montante de €89.577, 91 – diferença entre o €126.235,62, apurado e pago, e o €36.657,71 que deveria ter sido apurado e pago - acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, alínea a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitros, os signatários Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, o Professor Doutor Luís Meneses Leitão e o Professor Doutor Manuel Pires.

O Tribunal foi constituído em 24-09-2013, tendo na mesma data sido a ATT (de ora em diante Requerida) notificada para, querendo, apresentar resposta no prazo legal.

A Requerida respondeu em 23-10-2013, defendendo-se por excepção e impugnação.

Na defesa por excepção invocou, em síntese, 

1.     Ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo, como única demandada em matéria respeitante à derrama municipal, cujos sujeitos activos e co-administradores são os municípios, sendo a actuação da AT limitada à arrecadação do imposto e entrega deste ao respectivo município (acrescenta adiante a liquidação).

2.     Deverá ser justificada a «intervenção provocada (…) nas suas múltiplas vertentes», visto os municípios terem interesse em agir nos presentes autos, dado o seu interesse pessoal e directo no respectivo resultado, e neles não estarem representados.

3.     A incompetência do Tribunal arbitral, dado os municípios não se encontrarem vinculados à jurisdição do CAAD.

 

Na defesa do por impugnação

1.     A derrama municipal é um imposto autónomo – invocando também o acórdão n.º 197/2013 do Tribunal Constitucional -, não lhe sendo aplicáveis as especificidades da tributação em IRC, apenas se recorrendo ao regime deste para efeitos de determinar o lucro tributável apurado nos termos do artigo 15.º do CIRC – sobre o qual incidirá a taxa de derrama fixada pelos municípios.

2.     O sujeito activo da derrama é o município correspondente à área geográfica da verificação do facto gerador da tributação e o sujeito passivo as entidades que nele exerçam a título principal actividade, comercial, industrial ou agrícola.

3.     A derrama municipal incide sobre o lucro tributável das sociedades, regulando o artigo 14.º da Lei das Finanças Locais a imputação da derrama aos vários sujeitos activos.

4.     Para a determinação da base de incidência, o legislador utiliza a regulação geral do Código do IRC para determinar o lucro tributável.

5.     No caso do RETGS, importa atender à sujeição, pessoal e real, de cada uma das sociedades integrantes do Grupo e respectivos rendimentos.

6.     Sendo assim e na falta de disposição especial no sentido da não sujeição ou isenção, os rendimentos das sociedades integrantes não podem ser excluídas da tributação em derrama, invocando ainda o disposto no artigo 64.º n.º 1 do Código do IRC, referindo matéria colectável e não lucro tributável.

7.     A interpretação do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais sustentada pela Requerente é inconstitucional, por violação dos princípios inscritos nos artigos 13.º, 81.º, 103.º e 238.º da Lei Fundamental.

8.     A redacção dada ao artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, pelo artigo 57.º da Lei 64-B/2011, de 20 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012) tem natureza interpretativa, de que resulta a sua aplicação retroactiva.

Com base em todo o escrito, conclui a Requerida pela invocação da improcedência do pedido e consequente manutenção da autoliquidação da derrama municipal do Grupo, relativa ao exercício de 2011.

A Requerente respondeu à matéria da excepção, sustentando o seu indeferimento e a procedência do pedido.

Foi ainda apresentado pela Requerente requerimento sobre o prazo das alegações, face ao requerido pela AT de alegações sucessivas, sustentando a apresentação simultânea.

Foi proferido um despacho pelo Presidente do Tribunal dispensando a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, face aos requerimentos apresentados pela Requerente e atenta a não oposição das partes. Também foram julgadas desnecessárias quaisquer alegações finais (orais ou escritas).

 

2. APRECIAÇÃO DAS EXCEPÇÕES INVOCADAS

A requerida deduziu excepções que, por poderem obstar ao conhecimento do mérito do pedido, devem ser conhecidas previamente.

Os argumentos apresentados pela AT – repetição dos invocados noutros processos com o mesmo objecto - não colhem, à semelhança do decidido em vários processos em Tribunal arbitral já julgados.

Quanto à incompetência do Tribunal

1.     Como resultado dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a AT – como sucessora, no que ora interessa, da Direcção-Geral dos Impostos - ficam vinculados á jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida.

2.     Ora é à AT que incumbe a administração do imposto em causa, competindo-lhe conduzir os procedimentos de liquidação e de cobrança (artigos 9.º e 14.º da Lei das Finanças Locais), bem como emitir as respectivas orientações genéricas – como a referida no caso sub judice -, responder aos pedidos de informação vinculativa, apreciar e decidir as correspondentes reclamações graciosas, bem como os recursos hierárquicos.

3.     Importa atender que administrar não significa necessariamente ser beneficiário da receita resultante da administração.

4.     Daí dever concluir-se pela competência do Tribunal arbitral para se pronunciar sobre o pedido da Requerente.

Quanto a ilegitimidade passiva e ao interesse em agir dos municípios e da relevância processual da sua ausência em juízo.

5.     A invocação de os municípios serem co-administradores da derrama municipal, devendo, portanto, ser demandados, não procede, visto que o importante é quem tem competência para liquidar, cobrar e demais actos indicados 2 supra e, daí como já mencionado, a administração é exclusiva da AT, tendo, pois, legitimidade passiva e carecendo dela o município.

6.     Quanto ao interesse em agir no presente litígio por parte dos municípios, o facto de a receita reverter para os municípios não torna necessária a sua intervenção, sendo irrelevante, para o efeito, a sua qualidade de credor tributário. Aliás, nas normas que disciplinam a impugnação judicial e arbitral não está prevista a intervenção principal do credor tributário.

7.     Dado exposto, está prejudicada a apreciação do pedido de intervenção provocada dos municípios.

8.      Daí que não se encontre qualquer disposição que atribua legitimidade aos municípios e sendo a AT parte legítima, a conclusão é da legitimidade ser em exclusivo desta, improcedendo a invocada excepção da ilegitimidade, não havendo, pois, cabimento à intervenção provocada solicitada.

 

3. SANEAMENTO

O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente (artigo 2.º n.º 1 do RJAT). Não existem nulidades que invalidem o processo. As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vício de patrocínio [artigos 3.º, 6.º e 15.º CPPT por força do artigo 29.º n.º 1, alínea a) do RJAT]. Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

4. QUESTÃO A DECIDIR

A questão a decidir nos presentes autos é saber se, para efeitos de determinar a derrama de um grupo de sociedades sujeito a RETGS, se deve atender ao lucro tributável de cada uma das sociedades que integra o grupo ou ao lucro tributável deste.

 

5. MATÉRIA DE FACTO

A - FACTOS PROVADOS

1.     A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades.

2.     A Requerente, como sociedade dominante desse grupo, apresentou a Declaração Modelo 22 relativa ao período de tributação de 2011, com a autoliquidação de derrama municipal respeitante ao referido período de tributação.

3.     A autoliquidação foi feita do modo permitido possível face ao sistema informático da AT: cálculo numa base individual para cada uma das sociedades integrantes, sendo devido o resultado da adição das derramas individuais.

4.     O Subdirector Geral da então Direcção-Geral dos Impostos emitiu o ofício circulado n.º 20.132, de 14 de Abril de 2008, com o conteúdo constante de documento junto ao processo.

5.     Em consequência, a derrama calculada foi €126.235,62, importância que foi paga.

6.     Foi formulada uma reclamação pela Requerente contra a autoliquidação, reclamação que foi objecto de despacho de indeferimento, notificado à Requerente.

 

B – FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados com interesse para os presentes autos.

C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos provados tiveram por base os factos alegados pelas partes e não contestados, bem como os documentos juntos aos autos, incluindo processo administrativo igualmente junto.

 

 

 

6. DIREITO

Para determinar o modo como deve proceder-se ao cálculo da derrama no caso de sociedades sujeitas ao RETGS são relevantes os artigos 63.º n.º 1 e 64.º n.º 1 do CIRC (hoje 69.º n.º 1 e 70.º n.º 1) e o artigo 14.º da Lei das Finanças Locais nas versões em vigor em 2011.

Estabelece respectivamente as duas primeiras daquelas disposições: Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo (artigo 69.º n.º 1) e Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (artigo 70.º n.º 1).

O mencionado artigo 14.º estabelecia ao tempo: Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o imposto sobre o rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território

Destas disposições resulta que a derrama incide, na parte que ora interessa, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento. A Lei das Finanças Locais não estabelecia qualquer regime específico para o cálculo do lucro tributável no quadro da derrama. Daí que, no caso de grupo de sociedades, também se recorresse a regras especiais do IRC para determinar o seu lucro tributável e constantes do então artigo 64.º n.º 1.

Assim não o entendeu a AT, no entanto, sem apoio legislativo e contrariamente ao resolvido jurisprudencialmente.

A letra da lei é clara «sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento». No entanto, como não deve existir submissão ao brocardo in claris not fit interpretatio, importa atentar no sentido racional que também – escreve-se desde já - não conduz a significado diferente.

O lucro tributável sujeito e não isento do IRC, no caso de grupo de sociedades, é calculado numa visão holística e não individual. Se o legislador queria optar pela solução da individualização, deveria fazê-lo e foi o que, aliás, veio a suceder com a adição do n.º 8 à versão, ora sub judice do artigo 14.º. A interpretação mencionada não é contrariada - pelo contrário – com a discussão da natureza da derrama, visto a derrama ser imposto de natureza híbrida, dado ser imposto acessório, como se conclui iniludivelmente da circunstância de não existir quando existe isenção de rendimento de IRC, mas também ser imposto dependente, porque, embora possa existir sem existir IRC, no caso de os prejuízos fiscais compensarem ou excederem o lucro tributável, e mesmo que exista o IRC pode não haver coincidência entre a matéria colectável e o lucro tributável, mas sempre a derrama tem de recorrer ao lucro tributável desse imposto, não contendendo com o que foi escrito a autonomia relativamente a outros aspectos. Iniludivelmente, para a determinação do aspecto quantitativo ou valorativo do pressuposto objectivo da derrama tem de se recorrer às regras do CIRC, ainda que sejam específicas de regime especial, neste caso o então artigo 64.º n.º 1 do correspondente Código.

No entanto, visto a redacção do artigo 14.º ter sido modificada pela Lei do Orçamento para 2012 (Lei 64-B/2011), suscita-se a questão do carácter interpretativo dessa lei. Conforme essa nova redacção e, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.

O legislador não declarou interpretativa a lei que modificou a redacção e mesmo que o tivesse declarado poderia suscitar-se a questão dessa natureza com implicação com a retroactividade, retroactividade inerente a leis com esse carácter e, em geral, proibida constitucionalmente quanto aos elementos essenciais do imposto (artigo 103.º n.º 3 da Constituição). Todavia, não o tendo feito, quid iuris?

Conforme Baptista Machado Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora (sublinhados nossos).

Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta: e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a I.N. vem consagrar, então esta é decididamente inovadora ([1]).

O mesmo autor escreve noutra obra ([2]) Por outro lado, a lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que, se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria em debate, mas o resolve fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora. E mais adiante se a LN vem na verdade fornecer a resposta a uma questão jurídica cuja solução era lacunosa no sistema jurídico anterior, mas decide esta questão jurídica dentro de quadros sistemáticos inteiramente novos relativamente aos da LA, de modo a poder dizer-se que o intérprete, dentro dos quadros desta última lei e recorrendo aos procedimentos de preenchimento das lacunas que o respectivo sistema admitia, estava impedido de chegar a uma solução idêntica – a LN neste ponto será também inovadora, ainda que no domínio de vigência da LA não se tenha chegado a formar qualquer corrente jurisprudencial ou doutrinal relevante, ainda que o problema não tenha chegado a ser sequer discutido. Na hipótese de lacuna existente no sistema da LA dever ser preenchida, no domínio da vigência desta lei, pelo recurso a uma analogia legis ou a uma analogia juris, cremos que nunca a disposição da LN que venha resolver a mesma questão de direito através duma regra jurídica diferente da que resultaria com segurança daquela analogia poderá ter natureza interpretativa.

Ora anteriormente a questão não tinha sido resolvida, a nível de jurisprudência, de modo diferente. Sempre se decidiu que a derrama, no caso de grupo de sociedades, incide sobre o lucro do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades integrantes [cfr. os Acórdãos do STA de 2 de Fevereiro de 2011 (P.º 0909/2010), 22 de Junho de 2011 (P.º 0309/2011), 2 de Maio de 2012 (P.º 0234/12), 5 de Julho de 2012 (P.º 0206/12), 5 de Julho de 2012 (P.º 0265/12), 9 de Janeiro de 2013 (P.º 01302/12), 23 de Janeiro de 2013 (P.º 01301/12), 27 de Fevereiro de 2013 (P.º 01241/12), 13 de Março de 2013 (P.º 0105/13), 13 de Março de 2013 (P.º 01408/12), 22 de Maio de 2013 (P.º 0530/13) e 10 de Julho de 2013 (P.º 0121/13)].

Por outro lado, a lei anterior não era lacunosa, visto, estabelecendo a incidência «sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento» das pessoas colectivas, claramente remeter para as normas deste imposto.

Acresce que a jurisprudência em uníssono subescreveu a tese do carácter inovador da lei em causa. Para tal podem ser indicados os citados Acórdãos do STA de 2 de Maio de 2012, 5 de Julho de 2012 (P.º 0265/12), 9 de Janeiro de 2013, 23 de Janeiro de 2013, 27 de Fevereiro de 2013, 13 de Março de 2013, 22 de Maio de 2013 e 10 de Julho de 2013.

No mesmo sentido ainda, a jurisprudência arbitral do CAAD, nos processos do ano 2011: 18, 19, 22, 23, 24; do ano 2012: 1, 2, 5, 15, 16, 34, 37, 38, 39, 40, 41, 53, 54, 82, 87, 88, 93, 98, 106, 112, 122, 146, 147; e do ano 2013: 6, 11, 13.

Do exposto resulta que o acto de liquidação da derrama devida pela Requerente relativo ao período de tributação de 2011, em causa nos presentes autos, está inquinado pelo vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, devendo o cálculo ter incidido sobre o lucro tributável do grupo e não, como sucedeu, sobre o lucro de cada uma das sociedades integrantes do grupo individualmente consideradas. Foi assim a derrama autoliquidada e paga a mais no montante de €89.577,91, valor que deve ser reembolsado à Requerente.

Quanto aos juros indemnizatórios pedidos pela Requerente são devidos conforme o artigo 43.º n.º 1 da LGT que dispõe: São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Estabelece ainda o n.º 2 do mesmo artigo: Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, o que é aplicável ao caso, visto a liquidação efectuada pela Requerente ter sido feita – e não o poderia ter sido feita de outro modo, dado o sistema informático – com base no ofício circulado n.º 20.132/2008, de 14 de Abril.

 

7. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:

a)     Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do tribunal arbitral e de ilegitimidade passiva da Requerida;

b)    Não conhecer, consequentemente, do incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida;

c)     Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de derrama municipal do grupo fiscal B... relativa ao período de tributação de 2011, no montante de €89.577,91, com a sua consequente anulação;

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia indevidamente autoliquidada e paga, no montante de € 89.577,91, e

e)     Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o montante de 89.577,91.

***

De acordo com o disposto no artigo 97.º-A n.º 1, alínea a) do CCPT e artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 89.577,91.

Nos termos do artigo 22.º n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.754 consoante a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes

Lisboa, 2 de Dezembro de 2013

 

 

Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

Professor Doutor Luís Meneses Leitão

 

Professor Doutor Manuel Pires.

 

 

 

 

 

 

 



([1]) Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 19ª reimpressão, Coimbra: Almedina, pgs. 246 e 247.

 

([2]) Sobre aplicação no tempo do novo Código Civil, Coimbra: 1968, pg. 287 e 288.