Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 146/2013-T
Data da decisão: 2014-04-16  IRC  
Valor do pedido: € 1.795.200,80
Tema: Aceitação de royalties como custo fiscal. Preços de Transferência
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Rui Guedes Henriques, e João Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente tribunal arbitral, acordam:

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, pessoa coletiva n.º …, com sede na … (a seguir a Requerente), apresentou em 21.06.2013, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), relativamente à decisão de 21.3.2013 do Subdiretor-Geral, enquanto substituto legal do Diretor-Geral, de indeferimento do recurso hierárquico formulado pela Requerente.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou árbitros do tribunal arbitral coletivo os acima já mencionados, que aceitaram o encargo.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral ficou constituído em 22.8.2013.

 

4. No requerimento de pronúncia arbitral apresentado (a seguir requerimento inicial ou RI), a Requerente indica como objeto do seu pedido de anulação os seguintes atos:

i) Ato tributário de liquidação adicional n.º …, relativo ao IRC do exercício de 2008, de que resultou, após compensação, o saldo a pagar de € 1.795.200,80 (conforme doc. n.º 1 junto ao RI);

ii) Despacho de 27.1.2012 da Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças …, por Subdelegação do Diretor de Finanças …, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente (conforme doc. n.º 3 junto ao RI);

iii) Despacho de 21.3.2013 do Subdiretor-Geral, Substituto Legal do Diretor-Geral, de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente (conforme doc. n.º 5 junto ao RI).

Pede, então, a Requerente neste seu RI, com fundamento na respectiva ilegalidade “por violação do disposto nos artigos 23.º, 58.º e 59.º do CIRC (na redação à data em vigor), bem como do disposto no artigo 77.º da LGT” (n.º 817 do RI), “a anulação do Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico, bem como, e consequentemente, os atos antecedentes designadamente o ato de liquidação, supra identificados e ainda a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento da indemnização correspondente à garantia prestada” (petitório final do RI).

 

5. Por despacho, de 22.8.2013, do seu presidente, o tribunal arbitral determinou a apresentação pela Requerente de tradução certificada dos documentos em língua estrangeira juntos com a petição inicial, a qual foi concretizada em 13.9.2013.

 

6. Em conformidade com o art. 17.º do RJAT, a AT apresentou em 18.10.2013 resposta, na qual peticionou que “deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências”.

 

7. Na primeira reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, conforme ata de 31.10.2013, foi estabelecida, relativamente à tramitação processual, a realização em 9.12.2013 de audiência para inquirição das testemunhas apresentadas pelas partes, as quais deveriam previamente fazer a especificação da matéria de facto controvertida e que não estivesse, ou não devesse considerar-se, provada documentalmente, bem como indicar os pontos de facto a que cada testemunha haveria de depor. A Requerente e a AT, conforme requerimentos apresentados em 12.11.2013, deram formalmente satisfação ao estabelecido sobre a especificação da matéria de facto. Porém, subsequentemente, por requerimento conjunto de 3.12.2013, as partes solicitaram, de comum acordo, a desconvocação da audiência referida, dada a sua intenção de utilizar no presente processo, em face da similitude das questões em apreciação, as gravações dos depoimentos testemunhais realizados no âmbito do processo n.º 145/2013-T, o que veio a ser concretizado por subsequente requerimento conjunto de 7.1.2014, no qual, de comum acordo, as partes solicitaram a junção aos autos dos suportes digitais das gravações dos depoimentos das testemunhas …, …, … (comuns às partes), …  (arrolada pela Requerente) e … (arrolada pela Requerida), e prescindiram das demais testemunhas arroladas nestes autos. Por despacho arbitral de 8.1.2014 foi admitida, nos termos requeridos, a junção aos presentes autos dos suportes digitais das gravações da prova testemunhal produzida no processo n.º 145/2013-T do CAAD.

 

8. Por despacho arbitral de 20.1.2014, na sequência de requerimento da AT, foi deferida a produção de alegações finais escritas sucessivas pelas partes e, consequentemente, fixada a data para decisão final até ao dia 14.3.2014. As alegações escritas foram apresentadas respetivamente em 6.2.2014 pela Requerente e em 20.2.2014 pela Requerida. Atenta a complexidade das questões a resolver e a data da apresentação das últimas alegações escritas, por despacho arbitral de 6.3.2014 foi protelada a apresentação da decisão final até ao dia 15.04.2014.

 

II. Saneamento

 

9. O Tribunal é competente para apreciar as questões suscitadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), não ocorrendo quaisquer nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

Nestes termos, encontra-se o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

III. Questões a decidir e objeto do processo

 

10. Atentas as posições assumidas e os fundamentos alegados pelas partes no âmbito do presente processo arbitral, tal como emergem do RI da Requerente e da resposta da Requerida e surgem corroborados pelas alegações escritas produzidas, as questões a apreciar e decidir, tendo em atenção as disposições legais aplicáveis ratione temporis aos factos (ano de 2008), são as seguintes:

i) observância do art. 59.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) no que concerne às correções respeitantes aos royalties relativos às marcas …, ..., ... e ..., que foram desconsiderados pela AT como custo fiscal, por serem reputados de montante exagerado;

ii) observância do art. 59.º, n.º 1 do CIRC no que concerne às correções respeitantes aos royalties relativos à marca ..., que foram desconsiderados pela AT como custo fiscal, por não corresponderem a operações comprovadamente realizadas;

iii) observância do art. 58.º, n.º 1 do CIRC no que concerne às vendas corrigidas pela AT com base na aplicação do princípio da plena concorrência em sede de preços de transferência;

iv) observância do dever de fundamentação prescrito pelo art. 77.º da Lei Geral Tributária;

v) direito da Requerente a indemnização pela prestação da garantia bancária apresentada para suspensão da execução fiscal instaurada.

 

11. As ilegalidades invocadas em relação ao ato tributário de liquidação adicional n.º ... e aos atos de segundo grau subsequentemente praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme resulta do RI (cfr. n.ºs 7, 8, 9, 10, 11 e 12) concernem exclusivamente à correção ao resultado fiscal do Grupo, de que a Requerente é a sociedade dominante, consistente no acréscimo, no valor de €2.361.813,99, ao lucro tributável individual declarado pela sociedade participada B... (a seguir também designada por B… ou só B...) e à tributação autónoma, decorrente da correção efetuada com fundamento no artigo 59.º do Código do IRC, no montante de € 465.191,85.

A correção ao resultado fiscal (individual) declarado da B..., conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária relativo esta sociedade junto como doc. n.º 7 ao RI, assentou no seguinte:

i) não aceitação como custo fiscal, com base no disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC, de royalties no montante de €1.123.246,46, por se considerarem de montante exagerado;

ii) não aceitação como custo fiscal, com base no disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC, de royalties no montante de €205.873,12, por se considerar que não corresponderam a operações comprovadamente realizadas;

iii) €1.032.694,41 respeitantes a vendas relativamente às quais se considerou que não foi respeitado o princípio da plena concorrência, em violação do disposto no artigo 58.º do Código do IRC.

É este, assim, o objeto do presente processo, relativamente ao qual cabe decidir da procedência da pretensão formulada pela Requerente, no que concerne às indicadas correções e tributação autónoma, de anulação do ato tributário de liquidação adicional e dos atos de indeferimento subsequentes, bem como do pedido de condenação da Requerida ao pagamento de indemnização pela garantia prestada.

 

IV. Factualidade provada e sua motivação

 

a) Decisão da matéria de facto

 

12. Antes de entrar na apreciação da matéria substantiva assim elencada, cumpre começar por estabelecer a factualidade que é relevante para a respetiva decisão. Ora, a este respeito, dadas as múltiplas alegações efetuadas pela Requerente no seu RI, importa frisar que a matéria de facto relevante se delimita em razão das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito que se devam considerar controvertidas (para recorrer à feliz formulação que constava do n.º 1 do art. 511.º do anterior Código de Processo Civil), pelo que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado, mas sim selecionar os factos que são efetivamente relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do art. 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Nestes termos, examinada a prova documental produzida, os depoimentos testemunhais objeto dos suportes digitais oferecidos, e o processo administrativo tributário junto (relativo a dois procedimentos administrativos, um respeitante à reclamação graciosa, com o n.º …, e outro respeitante ao recurso hierárquico, com o n.º …, cada um com paginação própria, que a seguir se designarão pelas siglas PA-RG e PA-RH), o tribunal fixa os factos que se consideram provados como segue:

 

I. A A…, anteriormente denominada …, NIPC …, aqui Requerente, é a sociedade holding residente em território nacional do grupo … (conforme organograma relativo ao período fiscal de 2008 que se encontra junto como anexo I ao Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da Requerente junto como doc. n.º 6 ao RI[2], anexo esse que se dá aqui por reproduzido).

II. A A…, aqui Requerente, é detida a 100% pela C… (a seguir também C…), com sede em ..., Channel Islands (conforme anexo I ao doc. n.º 6 acima referido e doc. n.º 40 junto ao RI).

III. A A…, como sociedade dominante do grupo no território nacional, optou, nos termos do art. 63.º do CIRC, pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 63.º a 65.º do CIRC, sendo o grupo, no período fiscal de 2008, constituído, para efeitos de tributação em IRC nos termos daquele RETGS, para além da mencionada sociedade dominante A…, pelas sociedades …, NIPC …, B…, NIPC …, …, NIPC …, …, NIPC …, …, NIPC …, …, NIPC …, …, NIPC … (conforme Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da Requerente junto como doc. n.º 6 ao RI e Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da B…  junto como doc. n.º 7 ao RI).

IV. A sociedade B..., anteriormente denominada …, era no ano de 2008 detida a 100% pela Requerente (conforme anexo I ao doc. n.º 6, anexo II ao doc. n.º 7 acima referidos e doc. n.º 40 junto ao RI).

V. A atividade da B... consiste, principalmente, na compra e venda de vinhos, para o que adquire a totalidade da produção (e aquisições) da SOCIEDADE ..., bem como a outros fornecedores, vendendo posteriormente os vinhos no mercado nacional, no mercado europeu e em países terceiros (conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI, pp. 10-11).

VI. Relativamente ao ano de 2008 a sociedade B... considerou como custo fiscal, contabilizado na conta “6222400000 – Fornecimentos e Serviços Externos – ROYALTIES”, o valor total de €1.329.119,60, a título de royalties devidos à referida C..., com sede em …, em relação às marcas ..., …, ..., ... e … (com exclusão da …), conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI.

VII. Os royalties foram contabilizados e considerados como custo fiscal pela B... nos seguintes montantes respeitantes a cada marca: €786.380,96 relativos à ..., €280.105,24 relativos a ..., €53.037,68 relativos à ..., €3.722,58 relativos à ..., €205.873,12 relativos à ... (conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI).

VIII. Os documentos de suporte contabilístico do referido registo são quatro documentos designados por “Invoice” n.º 137/2008 de 23.4.2008 no valor de €219.564,07, n.º 139/2008, de 1.9.2008 no valor de €289.629,40, n.º 140/2008 de 4.11.2008 no valor de € 320.833,46, e n.º 141/2008 de 14.1.2009 no valor de €576.746,36 (conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI).

IX. A sociedade B... transferiu, assim, a título de royalties, para a sociedade C... o referido montante de €1.329.119,60, para o que foi utilizada uma conta de depósito da C... no Bank … (Chanel Island) (depoimento da testemunha ..., chefe de contabilidade do Grupo ...).

X. A B... possuía em 2008 um departamento de marketing próprio (conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI, p. 25).

XI. A B..., no período de 2008, escriturou nas Contas "6223311000 FSE A&P” e "6223311100 FSE A&P FI" e considerou fiscalmente custos suportados com A&P, "Advertising and Promotion" (serviços de publicidade, desenvolvimento e promoção prestados por entidades residentes e não residentes em território nacional) no valor de € 2.060.695,70 (conforme Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI, p. 25).

XII. A sociedade D… declarou, por documento de “cessão” datado de 28.11.1996, que, como “titular dos registos de marcas portuguesas” respeitantes à D “que transmitiu, pela quantia de Vinte Mil Escudos, a propriedade dos registos desta marca à firma C...”, que “poderá desde já requerer o averbamento da transmissão em seu nome” (conforme documento constante do anexo III ao Relatório de Inspeção relativo ao exercício de 2008 da B... a fls. 220 do PA-RG).

XIII. A sociedade E… declarou, por “escrito de cessão” datado de 28.11.1996, que, como “proprietária legal da marca portuguesa” … “cede à C…” “pelo preço de dois mil escudos que já recebeu, todos os benefícios, vantagens, direitos e obrigações que lhe pertencem como proprietária da referida marca podendo, portanto, a dita C...dispor como de coisa sua própria e desde este momento, da supramencionada marca e fazer averbar esta transferência nos termos e regulamentos em vigor neste país” (conforme documento de cessão constante do anexo III ao Relatório de Inspeção relativo ao exercício de 2008 da B... a fls. 221 do PA-RG).

XIV. A sociedade I… declarou, por “escrito de cessão” datado de 28.11.1996, que, como “proprietária legal das marcas portuguesas” respeitantes à … “cede à C...” “pelo preço de dezoito mil escudos que já recebeu, todos os benefícios, vantagens, direitos e obrigações que lhe pertencem como proprietária das referidas marcas podendo, portanto, a dita C...dispor como de coisa sua própria e desde este momento, da supramencionada marca e fazer averbar esta transferência nos termos e regulamentos em vigor neste país” (conforme documento de cessão constante do anexo III ao Relatório de Inspeção relativo ao exercício de 2008 da B... a fls. 222 do PA-RG).

XV. Os royalties pagos pela Requerente representam 4% das vendas líquidas anuais dos produtos comercializados com as marcas e situam-se no intervalo de plena concorrência, na mediana, entre os valores mínimo de 1% e máximo de 10% encontrados para o licenciamento da utilização de marcas de produtos alimentares (dossier de preços de transferência da B... de 2008 junto como doc. 47 junto ao RI, p. 94, e depoimentos das testemunhas ..., administrador do Grupo ... durante mais de 30 anos, e …, consultor fiscal do Grupo ... desde 1989/90).

XVI. Marcas (classe 33 – Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto) associadas à denominação ... encontravam-se registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial em relação ao ano de 2008 a favor da sociedade B... nos seguintes termos:

- marca Registo Nacional n.º ... – … titulada pela B... com data de início em … e data do fim em …;

- marca Registo Nacional n.º ... – … titulada pela B... com data de início em … e data do fim em …;

- marca Registo Nacional n.º … – … titulada pela B... com data de início em … e data do fim em … (Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI, p. 24 e reconhecimento da Requerente no n.º 466 e 468 do RI).

XVII. Encontram-se registadas no INPI marcas associadas à denominação ... em nome da sociedade F…, nos termos que resultam do doc. n.º 45 junto ao RI que se dá aqui por reproduzido.

XVIII. No ano de 2008 não constam quaisquer registos comunitários e/ou registos internacionais a favor de C... relativos às marcas da classe 33 – Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto associadas à denominação ... (Relatório de Inspeção Tributária junto como doc. n.º 7 ao RI, p. 24 e reconhecimento da Requerente no n.º 481 do RI)

XIX. A C... e a B... celebraram o contrato de sub-licenciamento de marcas relacionadas com “...” datado de 3.1.2002 que se mostra junto como doc. n.º 46 ao RI e que se dá aqui por integralmente reproduzido.

XX.            A B... realizou vendas (escrituradas na contabilidade) no valor de €2.322.498,41 à entidade relacionada G… (doravante designada por “G…”), sediada em …, Channel Islands, conforme declarado na declaração de Informação Empresarial Simplificada, anexo H, campo H70, relativa ao exercício fiscal de 2008 (cf. página 37 do Relatório).

XXI. As vendas realizadas pela B... à G... respeitam a “garrafas de “vintage” e “single quinta vintage” (categorias especiais de vinhos de várias denominações, unicamente, do grupo ...) os quais se encontram identificados (marca, ano de vindima e valores em Divisa e Euros) nos mapas em anexo” (cf. página 38 do Relatório).

XXII. A G... é uma empresa grossista que vende a outros distribuidores.

XXIII. As vendas da B... à entidade relacionada G... representaram cerca de 4,43% do total das respetivas vendas.

XXIV. A B... aplicou o Método do Custo Majorado (MCM), complementado com o Método da Margem Líquida da Operação (MMLO) para análise do cumprimento do princípio da plena concorrência no âmbito da operação de venda de mercadorias que realizou a entidade relacionada, a G....

XXV. No "dossier" de preços de transferência da B..., conforme doc. n.º 47 junto ao RI, que se dá como reproduzido, consta o seguinte:

- “A aplicabilidade do MPCM às operações em análise fica totalmente impossibilitada, uma vez que:

- A B... não pratica transações similares com entidades independentes;

- No seio do Grupo ... não existem transações similares efetuadas com entidades independentes; e

- Não foi possível a obtenção de informação pública sobre transações que envolvam produtos similares, realizadas entre duas entidades independentes.

Cumpre acrescentar que existem transações com entidades independentes dos produtos transacionados com a G.... Não obstante, em tais casos, não se encontram preenchidos os vários requisitos de comparabilidade necessários para a utilização do MPCM, uma vez que este requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

Características dos bens – Quantidades vendidas

Existem diferenças significativas entre os volumes transacionados (em litros) com a G... e com entidades independentes que, naturalmente, também implicam divergências nos preços médios dos produtos transacionados, sendo que não é possível a introdução de ajustamentos, uma vez que (i) o critério de redução do preço, em função das quantidades transacionadas com a G..., não tem paralelo com qualquer outro cliente da B..., para o mesmo tipo de categorias, e (ii) deve-se, essencialmente, a uma situação de oferta e procura, em que a procura da G... garante à B... o escoamento de uma parte significativa da sua oferta daquelas categorias, transferindo para a G... a responsabilidade de comercialização dessas tipologias de produtos.

Análise funcional

No caso da G... trata-se de um distribuidor (grossista) que vende a outros distribuidores e que, face aos volumes que adquire à B..., retira a esta a responsabilidade da comercialização dessas tipologias de produtos, i.e., os riscos de mercado, de perdas e danos (de stock) de câmbio e de crédito dos produtos transacionados.

Relativamente às entidades independentes trata-se, em regra, de distribuidores a retalho que vendem diretamente ao público e que, individualmente, adquirem quantidades pouco significativas, pelo que não se pode considerar que, face aos volumes transacionados, se verifique uma transferência do mesmo grau de risco, da B... para estas  entidades.

A análise funcional só permite comparar operações entre entidades que se situem na mesma fase do circuito de comercialização. Uma vez que a G..., e as entidades independentes não se encontram na mesma fase do referido circuito, por serem entidades funcionalmente distintas, e pelo que também assumem riscos diferentes, conclui-se que, em virtude das divergências quanto a este fator, a aplicação do MPCM também não é a mais apropriada.

Circunstâncias económicas – Mercados geográficos distintos

Para as mesmas mercadorias vendidas à G..., não existe qualquer outro cliente (independente) representativo localizado no Reino Unido que, como é do conhecimento público, constitui um mercado tradicional e o principal mercado de destino das categorias especiais das empresas de Vinho do Porto (...)

(...) também se pode verificar que o mercado do Reino Unido, para além de ser o principal consumidor de categorias especiais, é a localização para a qual o preço médio por litro das referidas categorias especiais é o mais baixo.

Circunstâncias económicas – Estádio de comercialização

As transações com a G... e com os outros clientes (independentes) situam-se em fases do circuito de comercialização diferentes, uma vez que a G... é um distribuidor grossista que vende a outros distribuidores e que retira da B... a responsabilidade pela comercialização das tipologias de produtos que adquire, enquanto os outros clientes são, na sua grande maioria, retalhistas que vendem ao público em geral, não retirando à B... qualquer tipo de risco.

Tais diferenças na fase do circuito de comercialização implicam o exercício de funções, a utilização de ativos e a assunção de riscos distintos, também requerem remunerações igualmente distintas, pelo que é consentâneo com o princípio de plena concorrência que os preços praticados com a G... sejam proporcionalmente inferiores aos praticados com os outros clientes.

Estratégia empresarial

A G... é um cliente âncora da B..., que em virtude dos seus próprios canais de distribuição, assegura à B... que o mercado do Reino Unido, o principal mercado para o Vinho do Porto, represente uma quota bastante significativa das respetivas vendas de categorias especiais, bem como uma presença constante e de realce naquele mercado.

Condições contratuais – Prazos de pagamento

A G... paga with order (no ato de encomenda), sendo as faturas emitidas posteriormente, enquanto os outros clientes pagam a 30/60/90 dias.

Mais, anualmente e contrariamente ao que ocorre com qualquer outro cliente da B..., a G... paga à B... um valor, a título de promotional funding, pelos esforços publicitários desenvolvidos pela B... e que, em 2008, ascendeu a € 48.036,75.

Tendo em conta o incumprimento dos fatores de comparabilidade acima enunciados e, adicionalmente, conforme disposto na Portaria, no artigo 4º, n.º 2, que se considera como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que implicar o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis, concluiu-se impraticável a análise das vendas de mercadorias à G... com recurso à utilização do MPCM, até porque, devido à singularidade destas últimas transações, não é possível efetuar os ajustamentos que possibilitem a sua comparação com transações qualquer outra entidade independente.

Relativamente às restantes transações com entidades residentes em regimes fiscais privilegiados, incluídos na Portaria 150/2004, a respetiva imaterialidade (no seu conjunto, estas transações, representam 0,69% do total de proveitos operacionais da Empresa), face ao disposto no Preâmbulo da Portaria 1446-C/2001, que refere que os contribuintes não devem incorrer em custos de observância desproporcionados, não justificava uma análise autónoma com recurso ao MPCM.

Assim, tratando-se igualmente de um método transacional, o MCM surge como método mais apropriado para sustentar e justificar o princípio da plena concorrência nas operações em apreço. A aplicação do MCM tem como base o montante de custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruta (mark up) praticada numa operação não vinculada. (...)

Não obstante as características idênticas da entidade testada e das entidades que vamos pesquisar, essencialmente distribuidores de bebidas alcoólicas, verificamos, no entanto, que a B... também desempenha ligeiras funções de transformação (engarrafamento) dos produtos comercializados.

Face às diferenças de estruturas de custos que daí podem resultar entre a parte testada e as entidades comparáveis, entendemos adequado complementar a avaliação do cumprimento do princípio da plena concorrência com o MMLO, comparando para o efeito a rentabilidade operacional da Empresa com o padrão do mercado” (ponto 7.5.1).

- “Em 2008, no desenvolvimento da sua atividade, enquanto entidade que essencialmente comercializa Vinho do Porto, a B... auferiu uma margem bruta sobre o CMVMC de 72,93% e uma margem bruta sobre o VN de 42,17%. Estes valores encontram-se acima do 3º quartil e muito próximo do máximo dos respetivos intervalos de plena concorrência.

Relativamente aos indicadores de margem operacional, a rentabilidade da Empresa, no exercício de 2008, ascendeu a 9,35% e a 8,55%, para os rácios Resultados Operacionais / Custos Operacionais e Resultados Operacionais / Proveitos Operacionais, respetivamente. Estes valores encontram-se ligeiramente acima do máximo dos respetivos intervalos de plena concorrência” (ponto n.º 8.2.10).

XXVI. A B... foi notificada pelo Ofício n.º …, datado de 10.09.2010, nos termos do “n.º 1 do artigo 59.º (atual artigo 65.º) e n.º 8 do artigo 81.º (atual artigo 88.º) ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas”, “em conformidade com o prazo previsto no n.º 4 do Artigo 59.º (atual Artigo 65.º) do Código do IRC [antecedência mínima de 30 (trinta) dias], para remeter a estes Serviços, por escrito, os seguintes elementos/esclarecimentos: (i) Esclarecer as relações (participações sociais) existentes entre a sociedade B... e a entidade "C..." (C...) , com sede em … (Ilhas do Canal); (ii) Cópias de eventuais contratos celebrados com a C... relativos ao pagamento de "Royalties", contabilizados no exercício de 2008 e cujo valor registado na Conta "6222400000 - FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS – ROYALTIES”, naquele exercício, ascende ao montante de €1.329.119,60 (saldo final devedor); (iii) Provar, nos termos do Artigo 59.º (atual Artigo 65.°) do Código do IRC, que os encargos acima quantificados (€1.329.119,60) correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado; (iv) Identificar todas as marcas e os direitos que estão subjacentes ao pagamento daqueles "Royalties" e indicar a(s) data(s) a partir da(s) qual(ais) tais direitos se constituíram” (conforme documento a fls. 213-214 do PA-RG).

XXVII. A Requerente respondeu a este Ofício pelo requerimento que se encontra junto de fls. 255 a 265 do PA-RG e como doc. n.º 40 ao RI, que se dá aqui por reproduzido.

XXVIII. Na sequência de ação inspetiva iniciada pela ordem de serviço n.º …, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da B...junto como doc. n.º 7 ao RI, que se dá aqui por reproduzido, e de que se destaca o seguinte:

- “a B..., no ano de 2008, considerou custos fiscais com royalties a uma taxa de 4% a qual, conforme ela própria afirma, respeita as condições de mercado não tendo tido, no entanto, em consideração, no cálculo daquele valor, as percentagens dos custos suportados a titulo de desenvolvimento e promoção vulgarmente designados por "Advertising and Promotion" (A&P) tomando, desta forma, manifestamente exagerados os respetivos custos suportados a título de royalties” (p. 27);

- “de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar a presumível alienação à sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, dos registos das marcas … (Classe 33 – Vinhos, Bebidas Espirituosas, licores e Vinho do Porto) pelo montante unitário de dois mil escudos (€9,98 por cada marca), na sequência da qual veio a B..., no exercício de 2008, a contabilizar (e a considerar como custo fiscal) royalties, no montante de €1.123.246,46 (€786.380,96 (...) + €280.105,24 (...) + €53.037,68 (...)+€3.722,58 (...)) revelam-se estes de montantes exagerados, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1 do artigo 59.º (atual Artigo 65.ª) do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos de determinação do lucro tributável, havendo lugar ainda a tributação autónoma, em sede de IRC, de acordo com o disposto no n.º 8 do Artigo 81.º (atual Artigo 88.º) igualmente do Código do IRC no montante de €393.136,26 (€1.123.246,46x35%)” (p. 31);

- “As marcas (Classe 33 -Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto) associadas à denominação "..." eram comercializadas (propriedade) pela sociedade "H…", objeto de fusão por incorporação (sociedade incorporada), em 26/06/2002, sendo a sociedade incorporante a B… (...)”  (p. 31);

Dos elementos constantes dos registos do INPI pudemos verificar, e a título exemplificativo, que as marcas (Registo Nacional) n.ºs … (…) e … (…) encontram-se registadas e são tituladas pela B..., com data de inicio em … e com data de fim prevista em …, a marca n.º ... (…) encontra-se registada e é titulada pela B..., com data de inicio em … e com data de fim prevista em …, ou seja, no ano de 2008, as marcas, em causa, encontravam-se registadas a favor da B...;

Ainda dos elementos constantes do INPI verificamos que não constam quaisquer registos (Registos Comunitários e/ou Registos Internacionais) a favor de C… (C…) e relativos às marcas (Classe 33 -Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto) associadas à denominação "...'” (p. 32);

- “a B... na resposta dada ao teor da Notificação, efetuada nos termos do Artigo 59.° (atual Artigo 65.°) e do n.º 8 do Artigo 81.º (atual Artigo 88.°), ambos do Código do IRC, não apresentou quaisquer elementos que comprovem que as marcas em causa são propriedade ou sub-licenciadas à sociedade C... (sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada claramente mais favorável), tendo apresentado, somente, um documento meramente particular de sub-licenciamento de marcas” (p. 32);

- “de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar que é a B... que suporta os respetivos custos inerentes à promoção e desenvolvimento das respetivas marcas (...), a não comprovação da titularidade das marcas em causa (de acordo com os elementos disponíveis algumas marcas são tituladas pela B...) e a inexistência de quaisquer registos (Registos Nacionais, Comunitários e Internacionais) a favor da C... verifica-se que os encargos respetivos no valor de €205.873,12 não correspondem a operações comprovadamente realizadas, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1 do Artigo 59.º (atual Artigo 65.º) do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável relativo ao exercício de 2008, havendo lugar ainda a tributação autónoma, em sede de IRC, de acordo com o disposto no n.º 8 do Artigo 81.º (atual Artigo 88.º) igualmente do Código do IRC no montante de €72.055,59 (€205.873,12 x 35%)” (pp. 33-34).

- “(i) A B... não demonstra, clara e inequivocamente, no seu DOSSIER qual o método utilizado dos previstos no n.º 3, do Artigo 58.º do Código do IRC. nas operações realizadas com a G... (operações vinculadas) e com as outras entidades independentes;

(ii) O respetivo DOSSIER não releva quaisquer cálculos de fixação de preços nas operações vinculadas, designadamente, as vendas faturadas à G...;

(iii) Relativamente às operações vinculadas a B... compara a rentabilidade total da empresa, em 2008, com as rentabilidades totais do mercado (resultado do benchmarking), sendo que a situação em análise é relativa, somente, a cerca de 4.43% do total das suas vendas, sendo que os produtos em análise são vinhos “vintage” e “single quinta vintage” próprios e exclusivos do grupo …;

(iv) É referido pela B... que não é possível efetuar os ajustamentos que possibilitem a sua comparação com transações com qualquer outra entidade independente” (p. 37).

“DESCRIÇÃO DAS RELAÇÕES ESPECIAIS

Tendo a B..., no exercício de 2008, registado na sua contabilidade e declarado vendas a uma entidade (G…) com sede em …, Channel Islands, sendo que Jersey é parte integrante das “Ilhas do Canal”, qualificadas como “paraísos fiscais” ou “territórios e regiões com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável” e de acordo com o disposto na al. 14), da Portaria n.º 150/2004, de 13/02, considera-se, nos termos da al. h), do n.º 4, do Artigo 58.º do Código do IRC, que existem relações especiais, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade residente (B...) e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável (G...).

Ainda de acordo com o disposto na Portaria n.º 150/2004, de 13/02, as localizações das sedes das outras entidades acima identificadas (Emirados Árabes Unidas, Líbano, Ilhas Bermudas, Hong Kong) são qualificadas como “territórios e regiões com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável” considerando-se, desta forma, nos termos da al. h) do n.º 4, do Artigo 58.º, do Código do IRC, que existem relações especiais, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade residente (B...) e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável” (pp. 37-38).

“OBRIGAÇÕES INCUMPRIDAS

Em face do exposto nos pontos anteriores, desenvolvemos as análises necessárias a determinar se, conforme dispõe o Artigo 58.º do Código do IRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, nas operações vinculadas com a G... e com as outras entidades relacionadas (acima identificadas) foram praticados preços de plena concorrência, ou seja, se os preços praticados foram substancialmente idênticos aos estabelecidos com os demais clientes independentes.

Para o efeito, tendo por base todos os elementos fornecidos pela B... (...), procedemos às análises seguintes:

(i)    Identificação de todos os "vintage" e os "single quinta vintage" que, no ano de 2008, foram objeto de faturação para as entidades relacionadas (designadamente a G...) e, igualmente, objeto de faturação para clientes independentes da B...;

(ii)   Refira-se que, embora não seja permitido aos respetivos operadores vender vinho do Porto da vindima do ano anterior, a B... faturou à G… vinhos da vindima do ano de 2007 sendo que, por falta de comparáveis internos no ano respetivo, foram aqueles excluídos das análises efetuadas;

(iii) Identificados os respetivos "vintage" e os "single quinta vintage", procedemos, conforme mapa elaborado (ANEXO V, Folhas 1 e 2, ao presente RELATÓRIO, para dele fazer parte integrante), para cada um dos vinhos, às seguintes determinações:

a)    Do “Preço Médio de Venda”, por litro, para as entidades relacionadas;

b)    Do “Preço Médio de Venda”, por litro, para clientes independentes;

c)    Calculados os “Preços Médios de Venda”, procedemos, com vista a determinarmos se os mesmos são substancialmente idênticos, aos estabelecidos com os demais clientes independentes, à comparação dos mesmos;

d)    Essa comparação levou-nos a concluir que os preços praticados, nas faturas emitidas às entidades relacionadas (designadamente a G...), são, substancialmente, inferiores aos praticados para clientes independentes.

Assim:

Considerando que é inquestionável, conforme se expôs nos pontos anteriores do presente Capítulo, a existência de relações especiais com a G... e com as outras entidades, acima identificadas, que levaram a apurar um resultado distinto do que se apuraria na ausência dessas relações, na medida em que foram praticados preços substancialmente inferiores aos praticados com clientes independentes em operações comparáveis, não deu, a B..., cumprimento às seguintes obrigações previstas nas disposições legais a seguir identificadas:

–     Conforme dispõe o n.º 1, do Artigo 58º, do Código do IRC nas operações vinculadas com as entidades relacionadas (designadamente a G...), não foram praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente foram contratados com clientes independentes, ou seja, não foram cumpridas as regras de plena concorrência.

–     De acordo com o disposto no n.º. 8, do Artigo 58.º, do Código do IRC, nas operações com as entidades relacionadas (designadamente a G...). não foram efetuadas, na Declaração Periódica de Rendimentos, Modelo 22, a que se refere o Artigo 112.º (atual Artigo 120º) do Código do IRC os necessários ajustamentos positivos na determinação do lucro tributável” (pp. 38-39).

APLICAÇÃO DOS MÉTODOS PREVISTOS NA LEI

A aplicação do “Método do Preço Comparável do Mercado” (MPCM) compara o preço praticado em transações vinculadas com o preço praticado em transações de mercado aberto, sendo que as operações comparáveis, para além de poderem ser as efetuadas entre entidades independentes podem ser as efetuadas entre a empresa e entidades independentes.

Considerando que se trata de vinhos "vintage" e "single quinta vintage" próprios do grupo “…” (em que a B... se encontra inserida conforme ORGANOGRAMA em anexo ao presente RELATÓRIO), o método utilizado, para verificação do cumprimento das regras de plena concorrência, foi o “Método do Preço Comparável do Mercado”, previsto na al. a). do n.º 3 do Artigo 58.º do Código do IRC (comparação entre as operações vinculadas e as respetivas operações efetuadas com entidades independentes)” (p. 39).

QUANTIFICAÇÃO DOS RESPECTIVOS EFEITOS

Dos cálculos efetuados, apuramos um valor global de €1.032.694,41 (...), para o ano de 2008, resultante dos preços praticados serem substancialmente inferiores (...) para as entidades relacionadas, em comparação com preços praticados para entidades independentes (p. 39)

“CONCLUSÃO (PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA ARTIGO 58.º. DO CÓDIGO DO IRC)

Da aplicação do critério, acima identificado, resulta a correção, no exercício de 2008, aos proveitos declarados para efeitos de IRC e, consequentemente, ao lucro tributável, igualmente declarado, no valor global de €1.032.694,41, dado não ter sido dado cumprimento às disposições constantes do n.º 1 (incumprimento das regras de plena concorrência) e do n.º 8 (não foram efetuadas as correções positivas ao resultado liquido declarado), ambos do Artigo 58.º, do Código do IRC.” (p. 40).

XXIX. No Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da Requerente, que se encontra junto como doc. n.º 6 ao RI e que aqui se dá por reproduzido, em sede de “Correções efetuadas em sede de entidade participada” (ponto 1.1.2), respeitante à B..., refere-se o seguinte:

a) Correções ao lucro tributável declarado, por custos escriturados (considerados para efeitos fiscais) e não dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável: €2.361.813,99 (Artigos 58.º e 59.º, ambos do Código do IRC);

b) Tributações autónomas, em sede de IRC: €465.191,85 (Artigo 81.º, n.º 8 do Código do IRC)”.

XXX. Com base, entre outras, nas correções acima indicadas, foi emitido o ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º ..., de 12.5.2011, relativo ao IRC do exercício de 2008, de que resultou, após compensação, o valor a pagar de € 1.795.200,80 (conforme doc. n.º 1 junto ao RI);

XXXI. Em 30.09.2011, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, conforme documento a fls. 3 a 111 do PA-RG, que veio a ser indeferida por Despacho de 27.01.2012 da Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças …, por Subdelegação do Diretor de Finanças ..., conforme doc. n.º 3 junto ao RI que se dá aqui por reproduzido;

XXXII. Em 05.03.2012 a Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, conforme documento de fls. 2 a 118 do PA-RH, o qual foi indeferido por despacho de 21.03.2013 do Subdiretor-Geral, Substituto Legal do Diretor-Geral, conforme doc. n.º 5 junto ao RI e documento de fls. 438 a 451 do PA-RH que se dá aqui por reproduzido e de que se destacam, relativamente aos custos com royalties, as seguintes passagens da informação n.º 2059/2012 em que se sustenta aquele despacho:

 “O valor do pagamento de royalties é exagerado quando comparado com os valores pelos quais as marcas foram transmitidas” (n.º 66.2);

 “Ficando aqui demonstrado que a correção não resulta do facto do pagamento dos royalties corresponderem a marcas que estão ou não registadas no INPI, mas tratar-se somente de não se aceitar o valor pagos dos royalties, quando se teve conhecimento que as mesmas marcas foram transmitidas por valores muito inferiores” (n.º 67);

“Em bom rigor a presente correção prende-se exatamente com o montante exagerado da operação em causa – pagamento dos respetivos royalties (no exercício de 2008), quando comparado com o valor da sua cessão de marca no exercício de 1996” (n.º 82);

“Relativamente as estas marcas, a IT não põe em causa a operação, nem o carácter anormal (uma vez que entende que é à C... que cabe a titularidade da marca), o que é posto em causa é o valor exagerado que é cobrado à B..., pelo pagamento dos respetivos royalties” (n.º 88);

“a correção não resulta do facto de estarem ou não registadas as marcas nos países onde as mesmas foram comercializadas, nem resulta de ser questionada a titularidade da marca - que é unânime, que pertencia àquela data, à C...” (n.º 101);

“Com efeito, as marcas foram transmitidas à C... – a IT não questiona a sua titularidade, conforme já se referiu. Porém, é do conhecimento da IT, pelos elementos que dispõe – documentos de cessão de marcas – (...) que tal transmissão foi em 1996, e que àquela data, foram transmitidas por um valor muito inferior àquele que é pago anualmente à C... sob a forma de royalties. Razão pela qual levou a IT a concluir que o montante de pagamentos efetuado pela B... era de montante exagerado” (n.º 102).

“Importa salientar, que presente correção foi efetuada nos termos do artigo 59° do CIRC (...) e não nos termos do artigo 58° do CIRC -Preços de transferência, daí não existir nenhuma imposição legal que determine que o valor apurado e constante no dossier de PT, é aquele que se deve ser entendido como valor não exagerado” (n.º 108).

“ (...) porque a B..., já em sede de IT, vem referir que a taxa de 4% praticada no pagamento de royalties à C... se encontra de acordo com a taxa praticada numa situação de plena concorrência, também a IT, fez saber, que tal taxa não pode ser comparável, uma vez que a B..., para além do valor pago referente a royalties, também incorre num outro custo - a titulo de desenvolvimento e promoção da marca (A&P) - de montante superior aquele que paga pelo valor dos respetivos royalties” (n.º 109).

“(...) a ora recorrente não vem contestar que a titularidade da marca ... pertencia a H… e que pelos diversos documentos apresentados pela ora recorrente depreende-se que quando a H... incorporou na B..., a 26 de Junho de 2002, transferiu a titularidade da marca ...” (n.º 118).

“(...) perante estes factos, também não é entendível, primeiramente, como é assinado um contrato de sub-licenciamento com a C..., quando o titular da marca era à altura H…, e segundo, porque permanece em vigência tal contrato em 2007, quando a B... se tornou detentora da marca por força da escritura de cisão-fusão em 2002.06.26” (n.º 119).

“Nestes termos, considerou e bem, a IT que os pagamentos de royalties pagos à C... não se encontram comprovados com os documentos apresentados” (n.º 120)

XXXIII. A Requerente prestou garantia bancária no valor de €2.270.178,47 para obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º …, instaurado para cobrança da quantia referida na liquidação que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (conforme doc. n.º 55 junto ao RI e alegação constante do n.º 818 do RI não impugnada).

 

b) Motivação

 

13. A formação da convicção do tribunal sobre os factos dados como provados resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos, dos relatórios e documentos incluídos no processo administrativo tributário, das alegações das partes não impugnadas e dos depoimentos testemunhais apresentados, conforme se indica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

Saliente-se, em especial, que a valoração dos depoimentos testemunhais produzidos no processo n.º 145/2013-T, constantes dos suportes digitais das gravações juntas a estes autos, aliás objeto de requerimento comum das partes de 7.1.2014 (cfr. supra n.º 7), se legitima no disposto no atual art. 421.º, n.º 1, primeira parte do Cód. de Processo Civil de 2013, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, que reconhece eficácia extraprocessual à prova testemunhal constituenda produzida noutro processo com audiência contraditória. Dado o registo dos depoimentos por meio das gravações cujos suportes digitais foram juntos aos autos, o Tribunal formou a sua convicção mediante a audição do conteúdo do registo do ato da produção de cada depoimento testemunhal.

 

14. O Tribunal julga não provados com interesse para a decisão da causa os outros factos alegados, além dos fixados.

 

 

IV. Do Direito

 

IV. I. Das correções relativas a royalties pagos à C...

 

15. Fixada a factualidade relevante, importa começar pela questão das ilegalidades apontadas às correções atinentes aos custos contabilizados e deduzidos fiscalmente pela Requerente relativos aos pagamentos a título de royalties efetuados à C..., com sede em ….

Neste âmbito, atentos os fundamentos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira sustentou as correções efetuadas, importa distinguir duas situações distintas:

i) por um lado, os pagamentos de royalties relativos às marcas ..., ..., ... e ..., no montante de €1.123.246,46, que não foram aceites como custo fiscal, por se considerarem de montante exagerado, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC;

ii) por outro lado, os pagamentos de royalties relativos à marca ..., no montante de €205.873,12, que não foram aceites como custo fiscal, por se considerar que não correspondem a operações comprovadamente realizadas, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC.

 

a) Considerações de enquadramento

 

16. A matéria suscitada pelas duas questões, acima identificadas, relativas às correções atinentes a gastos com royalties, prendem-se, no que concerne ao respetivo enquadramento jurídico, com a aplicação do disposto no art. 59.º do CIRC (na redação vigente em relação ao período de tributação em apreço[3]).

Esta disposição legal, epigrafada “Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado”, tinha, então, o seguinte teor:

1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 - Considera-se que uma pessoa singular ou coletiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efetuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 - A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efetuada com a antecedência mínima de 30 dias.

Pois bem, para a decisão da matéria em apreço no presente processo, importa começar por explicitar o sentido e os termos da operatividade desta disposição legal, já que isso é indispensável para a sua adequada aplicação e concretização no caso sub judice.

 

17. A ratio legis desta disposição não oferece dúvidas: trata-se de contrariar uma espécie particular de operações evasivas, ou mesmo fraudulentas, que assenta na realização de “pagamentos” a favor de entidades estabelecidas em territórios de fiscalidade privilegiada de modo a “localizar” rendimentos produzidos e tributáveis em Portugal em jurisdições de regime fiscal mais favorável, com tributação reduzida ou nula, tirando igualmente proveito da limitada ou ausente colaboração das autoridades fiscais destas jurisdições para a prestação de informações fiscais. Com efeito, constitui prática corrente de planificação fiscal internacional e de redução artificial dos encargos tributários a utilização de sociedade domiciliada em jurisdição caracterizada por uma incidência tributária diminuta ou nula mediante a imputação a essa sociedade de custos por ela debitados, habitualmente referidos a operações comerciais e a prestações de serviços fictícias ou sem razões económicas materiais, com o que o sujeito passivo residente, muito embora mantendo a fonte de produção do rendimento em território nacional, consegue obter a redução dos lucros tributáveis e transferir para fora do território de origem rendimentos que estariam sujeitos a tributação nesse território[4].

A este respeito, reconheça-se que constitui, precisamente, técnica elementar de planeamento fiscal em relação à propriedade intelectual a “emigração fiscal dos intangíveis”, com vista à redução da tributação suportada com os rendimentos de propriedade intelectual mediante a localização da “titularidade” da propriedade intelectual numa sociedade estabelecida em jurisdição de baixa ou nula tributação, a que se adiciona o benefício da dedução nas jurisdições de elevada tributação dos pagamentos de royalties por licenças concedidas e consequente redução dos lucros tributáveis.

A doutrina nacional, nas análises desenvolvidas sobre esquemas de planeamento fiscal, tem, naturalmente, dado conta desta técnica: RUI DUARTE MORAIS[5], a propósito das atuações de redução da tributação relativas ao volume do rendimento tributável, destaca o recurso a sociedades localizadas em países de baixa tributação “que se limitam a ceder a outras sociedades do grupo, contra remuneração, o uso de direitos como marcas e patentes”; BRAZ DA SILVA[6], sobre as sociedades de administração de patentes ou outros direitos de propriedade intelectual, alude ao interesse em estabelecer tais sociedades junto de um paraíso fiscal dado, por um lado, que “o royalty é aceite pelos Estados com um nível de tributação elevado, como despesa dedutível” e, por outro lado, a “acumulação do rendimento do royalty a uma taxa de imposto nula ou reduzida”.

Pois bem, a limitação da dedutibilidade fiscal das despesas derivadas de operações realizadas com contrapartes fiscalmente domiciliadas em paraísos fiscais, em derrogação do princípio geral da dedutibilidade dos gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (art. 23.º, n.º 1 do CIRC), constitui medida comummente adotada[7] para enfrentar este mecanismo de erosão das bases tributáveis mediante deslocação dos rendimentos de jurisdições de tributação elevada para jurisdições de nula ou reduzida tributação.

A norma do art. 59.º do CIRC é, por isso, uma paradigmática norma especial anti abuso dirigida a contrariar os esquemas de segregação artificial de rendimentos tributáveis das atividades que os geraram e de erosão das bases tributáveis.

 

18. Em termos de previsão, o âmbito de aplicação desta disposição legal é muito vasto, porquanto, como resulta da referência legal a importâncias pagas ou devidas “a qualquer título” (n.º 1 do art. 59.º), abrangem-se quaisquer montantes, despendidos ou devidos, em referência a qualquer espécie de operação ou transação.

Consequentemente, os royalties pagos em relação a direitos de propriedade industrial, como sucede com a situação das marcas objeto do presente processo, encontram-se sujeitos a esta disposição do art. 59.º do CIRC.

Em termos de estatuição, a determinação imediata que resulta desta normatividade consiste no estabelecimento de um princípio de não-dedutibilidade fiscal dos encargos que estejam envolvidos em pagamentos efetuados para com entidades estabelecidas em territórios de tributação privilegiada. Com efeito, a prescrição imediata resultante deste preceito é, como acima se citou, que: “Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável” (n.º 1 do art. 59.º).

Todavia, pode dizer-se que a consequência essencial deste dispositivo resulta da exceção à aplicação do princípio da não-dedutibilidade previsto na parte final do n.º 1 do art. 59.º – é que o efeito básico promovido por esta regulação prende-se com a inversão do ónus da prova em detrimento do sujeito passivo, já que, segundo este dispositivo, para que os montantes pagos ou devidos a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável sejam admissíveis como gastos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, é indispensável que o sujeito passivo devedor forneça a prova de que tais gastos correspondem a operações reais e que não possuem um carácter anormal ou um montante exagerado. O próprio legislador, no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 37/95 de 14 de fevereiro, pelo qual se introduziu esta medida no nosso ordenamento fiscal, explicitou que se tratou de estabelecer a “inversão do ónus da prova quando se esteja perante importâncias pagas ou devidas por entidades residentes em território português a entidades residentes nesses territórios - para que essas importâncias sejam dedutíveis na determinação do seu lucro tributável, passará a caber ao contribuinte residente demonstrar que as mesmas correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”. Cabe, pois, ao contribuinte o ónus da prova da realidade e da normalidade e não exagero destes gastos sob pena de não poder beneficiar da dedução correspondente na determinação do lucro tributável (vd. o acórdão do TCA Sul de 03.07.2012, proc. 05082/11).

Importa, por isso, ter devidamente presente o sentido da imposição ao contribuinte deste ónus probatório e a ideia de inversão do ónus da prova em que se analisa: por força do art. 59.º do CIRC, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção constante do n.º 1 do art. 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé “as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. Como escreve, fundadamente, RUI DUARTE MORAIS[8]: “Estabelece-se aqui uma inversão das regras normais do ónus da prova, afasta-se a força probatória normal de que a contabilidade goza para efeitos fiscais, a ideia de que a uma regularidade contabilística formal corresponde em princípio uma conformidade material, que os custos registados na contabilidade, desde que inseríveis na tipificação da lei fiscal, são em princípio aceites na sua realidade, no seu montante e na sua necessidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, como diz o art. 23.º do CIRC. São estes requisitos de aceitabilidade fiscal dos custos que cabe aos contribuintes provar (para além da exigência da sua documentação na contabilidade) quando estejam envolvidas obrigações para com residentes em países com regime fiscal privilegiado. Não lograda tal prova, o custo não é fiscalmente aceite, com o consequente aumento da matéria coletável sujeita a tributação”. Também SALDANHA SANCHES[9], esclarecedoramente, refere a este respeito o seguinte: “A lei, quando inverte o ónus da prova em relação a pagamentos feitos a zonas de baixa fiscalidade que destroem a conexão natural entre custo dedutível de A e proveito sujeito a imposto de B, está a retirar àquele custo a presunção de veracidade, até prova em contrário, que acompanha qualquer custo devidamente documentado, devendo, por isso, demonstrar-se que o serviço existiu e que o montante do pagamento não é exagerado”.

O texto legal coloca, assim, uma presunção legal, ainda que relativa ou ilidível, de “simulação” ou de “carácter artificial” das relações contratuais que fundamentam o pagamento das importâncias em causa. E trata-se de uma verdadeira presunção (art. 349.º do Cód. Civil) porquanto do facto conhecido da consideração contabilística como gastos de importâncias pagas ou devidas a uma entidade domiciliada em território de baixa tributação retira-se o facto desconhecido da sua não correspondência a operações comerciais efetivamente realizadas ou com um carácter anormal ou um montante exagerado. O fundamento da consagração desta presunção é inteiramente compreensível dada a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade, para a Administração Tributária de recolher prova sobre a (in)existência das operações invocadas, dado carecer para tanto do concurso ativo de entidades residentes em território de fiscalidade privilegiada. Por isso, caso a Administração Tributária demonstre que os pagamentos são efetuados ou devidos a um beneficiário não residente submetido a um regime fiscal claramente mais favorável opera a presunção do carácter fictício ou artificial dos custos em causa.

Em consequência, determinada aquela situação de localização em jurisdição de baixa tributação do beneficiário dos pagamentos, cabe ao contribuinte devedor, para afastar esta presunção, demonstrar a materialidade da relação contratual e fazer a prova de que os gastos incorridos correspondem a operações reais e não apresentam um carácter anormal ou exagerado.

Esta dupla prova implica, então, o seguinte:

  • em primeiro lugar, o contribuinte tem de demonstrar que os gastos em questão correspondem a operações reais, dotadas de existência jurídica e material;
  • em segundo lugar, o contribuinte tem de provar que esses gastos não possuem carácter anormal ou excessivo, para o que se lhe impõe, via de regra, referir-se a situações comparáveis no mercado, definindo o padrão normal do mercado. 

Caso esta justificação e demonstração não seja feita, segue-se a não dedutibilidade dos custos em causa, com a consequente reintegração dos respetivos montantes contabilísticos no lucro tributável do sujeito passivo.

Verifica-se, pois, que a norma constante do art. 58.º prevê uma solução substantiva – a não dedução de encargos relativos a operações com entidades sedeadas em jurisdições de baixa tributação – na precisa e direta dependência do cumprimento de um ónus de prova incidente sobre o contribuinte quanto à materialidade das operações e ao seu carácter normal e montante não exagerado.

Deste modo, a decisão sobre a dedutibilidade dos gastos com pagamentos efetuados para territórios de baixa tributação, vulgo paraísos fiscais, depende fulcralmente do cumprimento da regra assim consagrada sobre a distribuição do ónus da prova, que assume, aqui, um papel valorativo e decisório essencial. Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-04-2002, processo n.º 026635: “a titularização do ónus da prova corresponde sempre ao resultado de uma valoração que o legislador efetua quanto à distribuição das responsabilidades probatórias relativamente à administração e aos particulares. Sabidas as contingências quanto à existência das provas e ao juízo da sua apreciação, como um facto intrinsecamente ligado à própria natureza humana, não poderá o legislador demitir-se de tomar uma posição quanto à repartição dos resultados dessa contingência. A eleição feita evidencia, consequentemente, a ponderação feita pelo legislador dentro dos quadros de normalidade normativamente representados”.

 

19. A realização desta prova, indispensável para afastar o princípio da não dedutibilidade fiscal dos gastos suportados com entidades de jurisdições de fiscalidade privilegiada, tem lugar direta e imediatamente em face da Administração Fiscal, como resulta do n.º 4 do art. 59.º do CIRC.

Deste modo, cabe ao contribuinte apresentar à Administração Tributária os meios de prova pertinentes para demonstrar a realidade das operações relativas aos gastos incorridos e o seu carácter normal e montante não exagerado, competindo, depois, à Administração Tributária a devida apreciação destes meios de prova em ordem à formação do juízo administrativo sobre a realidade e normalidade dos pagamentos efetuados.

Consequentemente, quando a Administração Fiscal considera que a prova fornecida não é suficiente para demonstrar que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado está vinculada, em atenção ao disposto no art. 59.º do CIRC e ao geral dever de fundamentação imposto pelo art. 77.º da LGT, a fornecer a pertinente motivação e fundamentação desse juízo. Na verdade, nos termos da lei, as provas fornecidas pelo contribuinte devem ser devidamente apreciadas pela Administração em ordem à competente decisão, naturalmente fundamentada, o que implica proceder à ponderação, em termos fáctico-valorativos, da consistência demonstrativa dos elementos invocados, de modo a fundar a convicção administrativa da existência e consistência ou não das operações invocadas.

Como tal, é em face da fundamentação da decisão administrativa que cabe apurar os pressupostos que levaram a Administração a considerar que, não obstante a prova fornecida pela Requerente, os encargos em causa não são dedutíveis para efeitos fiscais.

 

20. A missão própria do tribunal, neste tipo de situações, passa fulcralmente por verificar se a decisão de correção da matéria coletável relativa à não dedutibilidade fiscal dos encargos, nos moldes em que ocorreu e com os fundamentos que a sustentam, se deve ter por legítima e justificada em termos fácticos e jurídicos. O tribunal, na resolução da questão concreta que lhe é submetida, deve, pois, fiscalizar a correção da valoração administrativa, apreciando se o juízo administrativo se deve ter, em termos jurídicos e materiais, fundado, legitimando o ato tributário que, em consequência, foi adotado.

Ora, também neste âmbito particular, vale inteiramente a bem conhecida orientação de que a validade do ato de liquidação se afere estritamente em atenção às razões que a AT exteriorizou como seu fundamento, não podendo o tribunal, sob pena de usurpação das funções que cabem à Administração, ponderar fundamentos que só ulteriormente à prática do ato foram invocados como motivo respetivo ou aduzir motu proprio outros fundamentos e pressupostos para a liquidação realizada.

Como bem se assinala no acórdão proferido pelo tribunal arbitral deste CAAD no proc. n.º 145/2013, “os atos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa”.

 

21. Feito este enquadramento, cabe então concluir que a consideração ou exclusão como gastos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável dos royalties pagos pela B... depende do cumprimento das determinações regulativas e das tramitações probatórias que resultam da disposição do art. 59.º do CIRC, nos termos expendidos.

 

b) os pagamentos de royalties relativos às marcas ..., ..., ... e ...

 

22. Considere-se agora especificamente o caso em apreciação, começando pela matéria atinente aos pagamentos de royalties relativos às marcas ..., ..., ... e ..., no montante de € 1.123.246,46, que não foram aceites como custo fiscal por se considerarem de montante exagerado, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC.

Diga-se, antes de mais, que efetivamente está aqui em causa – bem como, aliás, em relação aos pagamentos relativos às marcas ... – a aplicação do art. 59.º do CIRC porquanto, conforme se encontra provado sub pontos II, VI e IX da matéria de facto, a beneficiária dos pagamentos/transferências respeitantes aos royalties em apreço foi a sociedade C... com sede em .... Ora, as Ilhas do Canal são consideradas pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, no n.º 14, como caso de “países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis”, ficando, pois, preenchido o disposto no acima citado n.º 2 do art. 59.º do CIRC, dado se estar perante pessoa coletiva cujo território de residência consta da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

23. Como se referiu, a legalidade do ato tributário e do juízo administrativo de não dedutibilidade dos pagamentos de royalties que aqui se encontra em apreciação tem de ser aferida em razão dos fundamentos invocados pela AT para o não preenchimento da parte final do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, não cabendo proceder aqui à valoração de outras razões de facto ou de direito que não constam da fundamentação conducente ao ato praticado e que não foram enunciadas como seu pressuposto.

Ora, no que concerne às correções em apreciação, relativas às marcas com a designação ..., ..., ... e ..., a razão aduzida pela AT para rejeitar a respectiva dedutibilidade fiscal concerne estritamente ao facto de os royalties serem de montante exagerado. Consigna-se, na verdade, no Relatório de Inspeção Tributária respeitante à B... (vd. facto provado sub XXVIII) o seguinte: “revelam-se estes de montantes exagerados, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1 do artigo 59.º (atual Artigo 65.º) do Código do IRC, não são dedutíveis tais custos para efeitos de determinação do lucro tributável”. Do mesmo modo, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa (vd. facto provado sub XXXII) refere-se o seguinte: “Relativamente as estas marcas, a IT não põe em causa a operação, nem o carácter anormal (uma vez que entende que é à C... que cabe a titularidade da marca), o que é posto em causa é o valor exagerado que é cobrado à B..., pelo pagamento dos respetivos royalties”.

Deste modo, não se encontra neste ponto em apreciação qualquer elemento atinente à efetividade das operações realizadas, mas unicamente ao seu “montante exagerado”.

Para sustentar esta conclusão sobre o montante exagerado dos royalties, a AT fundou-se nos seguintes elementos:

i) não foi apresentada cópia do documento da transmissão ou prestada informação sobre os montantes por que foram transacionadas as marcas pela B...;

ii) ao longo dos anos foi a sociedade (cindida, incorporada na B...) “D…" (através de Ofícios timbrados com o seu logótipo) que, junto dos Agentes Oficiais da Propriedade Industrial […], solicitou a renovação, intenção de uso e pagamento das taxas correspondentes à concessão dos títulos de propriedade das marcas associadas à denominação ...;

iii) as sociedades (cindidas em 2002) I…, "D…" e “E...” transmitiram, conforme documentos individuais de “cessão”, em 28.11.1996, pela quantia de dois mil escudos por cada marca, as marcas em causa à B...;

iv) A B..., no exercício de 2008, contabilizou e considerou fiscalmente custos suportados a título de serviços de desenvolvimento e promoção vulgarmente designados por "Advertising and Promotion" (A&P) prestados por entidades residentes e não residentes em território nacional no valor de €2.060.695,70, sendo que embora a B... tenha considerado custos fiscais com royalties à taxa de 4%, a qual em seu entender respeita as condições de mercado, nesse cálculo não foi tido em consideração as percentagens dos custos suportados com A&P tornando, desta forma, manifestamente exagerados os custos suportados a título de royalties[10].

 

24. Pois bem, este tribunal considera que a não dedutibilidade dos custos relativos aos royalties das marcas com a designação ..., ..., ... e ..., com base na invocação do seu “montante exagerado”, não surge como a conclusão lógica das premissas fácticas apontadas pela AT, carecendo, assim, de sustentação material.

Desde logo, no que respeita aos fundamentos indicados acima sub i) e ii), bem como no que toca às dúvidas agora suscitadas pela AT nas suas peças processuais em relação à titularidade da C... destas marcas, tais elementos apenas poderiam relevar na perspetiva da verificação material das operações, quanto à sua inexistência, mas não em relação ao seu montante exagerado. Ora, como já acima se citou, atento o que se refere na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a AT “não põe em causa a operação, nem o carácter anormal (uma vez que entende que é à C... que cabe a titularidade da marca), o que é posto em causa é o valor exagerado que é cobrado à B..., pelo pagamento dos respetivos royalties”.

Nestes temos, os elementos assim invocados não possuem, em termos fácticos, pertinência para sustentar a correção realizada.

 

25. Os elementos que podem assumir maior relevo em atenção à verificação do montante exagerado dos pagamentos em causa respeitam à desproporção entre o montante do preço da cessão das marcas ou do seu registo e o montante dos royalties pagos (vd. acima alínea iii)) e à repercussão no valor pago a título de royalties dos custos suportados pela B... a título de A&P (vd. acima alínea iv)). Trata-se nestas matérias dos factos que foram dados como provados em sede de probatório nos pontos n.ºs VI, VII, X, XI, XII, XIII e XIV.

Saliente-se que, conforme resulta do Relatório de Inspeção relativo à B... (dado como reproduzido no ponto n.º XXVIII), o fundamento tido como decisivo pela AT prende-se precisamente com a desproporção muitíssimo significativa entre os preços de cessão das marcas ou registos (factos provados sub XII, XIII e XIV) e os montantes dos royalties pagos (factos provados sub VI e VII). Lê-se, com efeito, naquele Relatório o seguinte: “A desconsideração do custo fiscal e a respetiva tributação autónoma, relativos aos royalties, embora a B... não tenha apresentado documentos comprovativos das transmissões das marcas, nem tenha fornecido quaisquer elementos relativos a essas transações, nomeadamente o preço (elemento essencial à análise dos valores em causa), tiveram por base a presumível alienação, à sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, dos registos de marcas ... (Classe 33 -Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto) pelo montante unitário de dois mil escudos (€ 9,98 por cada marca), na sequência da qual veio a B..., no exercício de 2006, a contabilizar (e a considerar como custo fiscal) royalties, no montante de € 123.246,46 [€ 786.380,96 (...) + € 280.105,24 (…) + € 53.037,68 (...) + € 3.722,58 (...)], revelam-se estes de montantes exagerados, face aos valores pelos quais alegadamente, foram transacionadas as respetivas marcas, pelo que relativamente às marcas associadas às denominações ..., …, ... e … se mantêm inalteradas as respetivas correções fiscais constantes do PROJECTO, previsto no Artigo 60° do RCPIT, notificado à B...”.

Sucede, porém, que o carácter exagerado do valor dos royalties não pode ser determinado simplesmente na base do valor da alienação dos direitos sobre as marcas ou dos direitos relativos aos registos de marcas. E isto mesmo que se reconheça que, ao contrário do alegado pela Requerente (n.ºs 30 a 41, 104, 119, 269 do RI) e do afirmado nos seus depoimentos pelas testemunhas[11] ... (chefe de contabilidade do Grupo ...), e ...(consultor fiscal do Grupo ... desde 1989/90)[12], no caso dos escritos de cessão das sociedades E... e I…, no próprio texto dos documentos, conforme se evidencia nas transcrições efetuadas nos pontos n.ºs XIII e XIV do probatório, se refere expressamente a cessão de “todos os benefícios, vantagens, direitos e obrigações que lhe pertencem como proprietária da referida marca”, o que se reporta expressis verbis à transmissão dos direitos patrimoniais sobre as marcas e não apenas à cessão do seu registo em território nacional.

É que, sendo evidente que a titularidade das marcas ou do respetivo registo foi objeto de disposição em termos que, independentemente do conhecimento do valor efetivo que se deva atribuir ao ativo incorpóreo, são inquestionavelmente irrisórios, isso, porém, assume direta relevância para com os próprios acordos de cessão e em relação aos montantes aí fixados, mas não quanto ao valor dos royalties pagos. Deste modo, se, como se considerou no acórdão deste CAAD proferido no processo n.º 145/2012-T, “à face das regras da vida e da experiência comum, é manifestamente de presumir que o referido valor de 2.000$00 para cada uma das cessões de marcas não correspondente ao valor real das transmissões das marcas”, isso é uma questão que respeita a estas próprias operações e não à remuneração pelo uso das marcas que se encontra em causa neste processo em atenção ao juízo administrativo sobre o carácter exagerado dos royalties.

Quanto a estes royalties, a determinação do seu montante exagerado ou normal o que envolve, como regra, é a satisfação de um critério “at arm’s length”, com base na demonstração de que o montante do gasto é comparável àquele que seria pago em condições normais de mercado entre entidades independentes para operações da mesma natureza ou análogas. Nestes termos, deve-se considerar que um encargo assume um “montante exagerado” para os efeitos do art. 59.º, n.º 1 do CIRC quando é claramente superior ao que é normalmente praticado no mercado entre entidades independentes.

Deste modo, no caso sub judice, a aferição do carácter excessivo pressupõe a comparação com os valores praticados de royalties para operações análogas em termos de preço comparável de mercado. Assim, o que importa avaliar é se os valores resultantes da aplicação da taxa de 4% sobre o valor das vendas dos produtos comercializados com as marcas se deviam considerar, em comparação com os preços normais de mercado, exagerados.

Este tribunal, justamente, considera provado, como resulta do ponto n.º XV do probatório, que a taxa de royalties de 4% praticada entre a B... e a C... se situa exatamente sobre a mediania do intervalo de plena concorrência, pelo que não se pode falar, em termos de preço comparável de mercado, de montante exagerado.

Por outro lado, o facto de a B... suportar, ela própria, custos a título de A&P (vd. facto dado como provado sub n.º XI do probatório) não é suficiente, só por si, para concluir que os royalties são de montante exagerado, dado que se trata na assunção destes custos acessórios, como declararam as testemunhas ... e ..., e se pode observar em contratos juntos como doc. n.º 42 à PI, de situações comuns no mercado, pelo que a taxa de 4% dos royalties pode perfeitamente incluir os custos com publicidade e promoção assumidos pelo licenciado, constituindo, portanto, um encargo comparável àquele que seria pago em condições normais de mercado para operações da mesma natureza.

Nestes termos, e uma vez que a taxa de royalties praticada se conforma com o princípio de plena concorrência, necessariamente os custos respetivos, aqui em apreciação, têm de reputar-se como não assumindo montante “exagerado”.

 

26. Como o juízo administrativo relativo ao montante exagerado dos royalties pagos em relação às marcas ..., ..., ... e ... não possui sustentação bastante, segue-se necessariamente a ilegalidade das correções efetuadas no valor de € 1.123.246,46, e da liquidação nelas baseada, bem como dos atos subsequentes que mantiveram tal liquidação, dado que não pode este tribunal proceder à manutenção do ato praticado em atenção a outros parâmetros que não foram seguidos ou adotados como seu fundamento.

Deste modo, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da correção relativa aos pagamentos de royalties relativos às marcas ..., ..., ... e ... que não foram aceites como custo fiscal, no montante de €1.123.246,46, bem como quanto à tributação autónoma correspondente no montante de €393,136,26 (€1.123.246,46x35%), pelo que o ato de liquidação impugnado e os atos subsequentes que o mantiveram padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, o que determina a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo) quanto a essa parte.

 

27. Em face do acima decidido, fica prejudicada a apreciação do vício de fundamentação insuficiente invocado neste âmbito pela Requerente nos n.ºs 278, 282 e 428 do RI.

 

c) Os pagamentos de royalties relativos à marca ...

 

28. Segue-se apreciar as correções respeitantes aos pagamentos de royalties relativos à marca ..., no montante de € 205.873,12, que não foram aceites como custo fiscal, por se considerar que não correspondem a operações comprovadamente realizadas, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC.

Conforme consta do Relatório de Inspeção relativo ao exercício de 2008 da B..., objeto do ponto n.º XXVIII do probatório, a AT considera a este propósito o seguinte:

i)Dos elementos constantes dos registos do INPI pudemos verificar, e a título exemplificativo, que as marcas (Registo Nacional) n.ºs ... (…) e ... (…) encontram-se registadas e são tituladas pela B..., com data de inicio em …. e com data de fim prevista em …, a marca n.º ... (...) encontra-se registada e é titulada pela B..., com data de inicio em … e com data de fim prevista em …, ou seja, no ano de 2008, as marcas, em causa, encontravam-se registadas a favor da B...”;

ii)não constam quaisquer registos (Registos Comunitários e/ou Registos Internacionais) a favor de "C…" (C…) e relativos às marcas (Classe 33 -Vinhos, Bebidas Espirituosas, Licores e Vinho do Porto) associadas à denominação "...” (p. 32);

iii)a B... na resposta dada ao teor da Notificação, efetuada nos termos do Artigo 59.° (atual Artigo 65.°) e do n.º 8 do Artigo 81.º (atual Artigo 88.°), ambos do Código do IRC, não apresentou quaisquer elementos que comprovem que as marcas em causa são propriedade ou sub-licenciadas à sociedade C... (sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada claramente mais favorável), tendo apresentado, somente, um documento meramente particular de sub-licenciamento de marcas”;

 iv) de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar que é a B... que suporta os respetivos custos inerentes à promoção e desenvolvimento das respectivas marcas (...), a não comprovação da titularidade das marcas em causa (de acordo com os elementos disponíveis algumas marcas são tituladas pela B...) e a inexistência de quaisquer registos (Registos Nacionais, Comunitários e Internacionais) a favor da C... verifica-se que os encargos respetivos no valor de €205.873,12 não correspondem a operações comprovadamente realizadas”.

Por seu lado, no seu RI, a Requerente alega que (n.ºs 477 e seguintes) “apesar da marca “...” estar registada em nome da F..., o direito da C... e o correspondente dever da B..., em pagar os royalties, resulta do contrato de sub-licenciamento”, junto como doc. 46 ao RI, do qual decorre que “a sociedade F… licenciou o uso das marcas “...” à sociedade C..., que por sua vez as sub-licenciou à sociedade B...” e daí que “no contrato de sub-licenciamento a sociedade F… surja identificada como “Head Licensor”, ou seja, o Licenciador Principal e a sociedade C..., como Licenciador”.

 

29. Ora, a este propósito, foi dado como provado o que consta dos pontos n.ºs XVI, XVII, XVIII e XIX.

Pois bem, este tribunal considera que, em face da factualidade dada como provada, não se pode considerar devidamente cumprido o ónus de prova que incidia sobre a Requerente, nos termos do n.º 1 e do n.º 4 do art. 59.º do CIRC, de que os encargos em causa correspondem a operações efetivamente realizadas.

Desde logo, o contrato de sub-licenciamento dado como reproduzido no ponto XIX do probatório depende de uma licença de marcas Port entre a F… e a C..., em cujo Anexo A se indicam, ainda que não limitadamente, as marcas relacionadas com bebidas ..., a qual nunca foi apresentado, não sendo crível que a Requerente não conseguisse obter da C... esse documento, tanto mais quanto isso era relevante para satisfação do ónus probatório que sobre ela incidia.

Ora, basta conferir a cláusula 3 deste contrato de sub-licenciamento para se verificar que a vigência do contrato depende do termo da Licença Port, pelo que não está demonstrado que o mencionado sub-licenciamento se tenha mantido em vigor no ano em apreciação de 2008.

Por outro lado, foi dado como provado (sub XVI do probatório), em termos, aliás, reconhecidos pela Requerente, que várias marcas associadas à designação ... estavam inscritas no INPI em nome da B..., inscrição essas que possuem datas de início posteriores em mais de dois anos à data do contrato de sub-licenciamento.

Depois, este tribunal não pode obnubilar que a simples apresentação de um documento escrito celebrado entre partes relacionadas não permite excluir o carácter simulado de uma relação contratual, dado que, precisamente, a elaboração de tal documento é conatural em tal situação com vista a dar aparência de realidade a operações fictícias.

Ora, o depoimento testemunhal produzido sobre este documento não foi elucidativo sobre a consistência da operação em causa. Com efeito, a testemunha ..., interrogado sobre as marcas ..., para além de ter aludido a uma “subdivisão” entre o sherry e o brandy, que caberia a uma empresa espanhola, e o vinho do Porto, que caberia à …, declarou que não era a sua assinatura que constava do contrato de sub-licenciamento, que não fazia ideia de quem tinha assinado o contrato, que não sabia explicar o contrato, que não se recordava da sociedade F…, muito embora soubesse que a marca ... não pertencia à B....

Por outro lado, seria fácil à Requerente fornecer elementos mais significativos para comprovar as relações contratuais subjacentes ao sub-licenciamento em causa, por exemplo, mediante apresentação dos documentos ou correspondência pelos quais submeteu à C... no ano de 2008 os desenhos para as garrafas de Vinho do Porto que usem as marcas licenciadas e qualquer material impresso que use as marcas licenciadas, tal como estabelece a cláusula 6.2 do contrato dado como reproduzido no ponto XIX do probatório, que, aliás, não permite a utilização dos materiais ou desenhos pela B... sem a aprovação do Licenciador.

Deste modo, este tribunal não pode deixar de constatar que não foi feita prova bastante quanto à realidade das operações referenciadas, sendo certo, conforme já se referiu, que o art. 59.º do CIRC impõe ao contribuinte o ónus de demonstrar que os pagamentos efetuados correspondem a operações reais.

Consequentemente, dada a não satisfação do ónus da prova que incidia sobre a Requerente, tem de ser julgada improcedente a questão suscitada quanto à legalidade das correções relativas aos pagamentos de royalties relativos à marca ..., no montante de €205.873,12, que não foram aceites como custo fiscal, por se considerar que não correspondem a operações comprovadamente realizadas, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC.

 

IV.II. Tributação autónoma

 

30. Na sequência da correção relativa aos royalties fundada no artigo 59º do CIRC, foi a Requerente objeto de tributação autónoma, em sede de IRC, de acordo com o disposto no n.º 8 do art. 81.º do CIRC no montante de € 465.191,85, conforme liquidação junta como doc. n.º 1.

Atento o acima exposto, e como já se disse, deve considerar-se ilegal e consequentemente inválida a liquidação impugnada no que se reporta à tributação autónoma no montante de €393,136,26 (€1.123.246,46x35%), correspondente à correção efetuada com fundamento no disposto no artigo 59.º do Código do IRC relativamente aos royalties das marcas ..., ..., ... e ....

Diferentemente, no que concerne à tributação autónoma decorrente da correção relativa aos custos contabilizados com a marca ..., dado o que vem de dizer-se, improcede o pedido de anulação dessa parte da liquidação impugnada no montante de €72.055,59 (€205.873,12 x 35%).

 

IV.III. Preços de transferência

 

31. O ponto subsequente a considerar respeita à correção no montante de €1.032.694,41, correspondente a vendas relativamente às quais a AT considerou que não foram respeitadas as regras relativas à aplicação do princípio de plena concorrência, em violação do disposto no artigo 58º do CIRC.

No caso importa apreciar se o método de preços de transferência adotado pela AT é o mais adequado para aferição do princípio da plena concorrência, uma vez que o mesmo consubstancia o fundamento para a correção realizada em sede de IRC, no montante de €1.032.694,41, cujo ato de liquidação subjacente foi impugnado pela Requerente e é, também, objeto de análise no presente processo arbitral.

 

Posição da Requerente

 

32. A Requerente apresentou as seguintes conclusões sobre o mérito do pedido de pronúncia arbitral.

Violação do princípio de plena concorrência na operação de venda de mercadorias realizada entre a C... e a G..., no exercício de 2008

A Requerente sustenta que, à semelhança de anos anteriores, no exercício de 2008, a G... consubstanciou o seu maior cliente, sendo responsável pela compra de aproximadamente 70% do volume de vinho do Porto de categorias especiais (i.e. vinhos vintage de diversas designações específicas e marcas) transacionado.

Na opinião da Requerente está bem patente no seu relatório de preços de transferência que os preços acordados com a G... dependem exclusivamente do mecanismo da oferta e da procura, sendo que aquele mecanismo funciona de forma idêntica a qualquer relação entre terceiros não relacionados, o que não invalida, para efeitos de avaliação do cumprimento com o princípio de plena concorrência, que a B... valide a conformidade dos preços negociados e das respetivas margens de lucro com os parâmetros de mercado aberto, de acordo com as metodologias de preços de transferência previstas na legislação.

A Requerente defende que, apesar de realizar também operações com entidades independentes, estas não serão comparáveis às operações com a G..., em virtude de as quantidades (litros) objeto das operações serem substancialmente diferentes. Com efeito, em 2008, as vendas de vinho do Porto de categorias especiais realizadas com qualquer outro cliente foram de volume várias vezes inferior às da G..., com o seu segundo melhor cliente a adquirir um volume mais de 20 vezes inferior.

Adicionalmente, no entender da Requerente, os riscos da operação também não são comparáveis, uma vez que a G... é grossista e as entidades independentes utilizadas pela AT como comparáveis são, em regra, retalhistas.

A Requerente entende ainda que as condições das operações não são semelhantes uma vez que a G... paga no momento da encomenda enquanto as entidades independentes pagam a 30, 60 ou 90 dias.

No entender da Requerente verifica-se também que não é possível introduzir ajustamentos – os quais, refira-se, também não foram efetuados pela AT – uma vez que as diferenças existentes entre as operações vinculadas e as operações não vinculadas não são de natureza secundária, dada a enorme disparidade das quantidades transacionadas, as diferenças relativas à análise funcional e de riscos das entidades intervenientes, as diferenças relativas aos mercados de destino das mercadorias, bem como as diferenças relativas às condições contratuais praticadas entre as partes intervenientes.

Por fim a Requerente entende que os mercados de destino e as estratégias de comercialização são distintos nas operações com a G... e nas operações com entidades independentes. Com efeito a G... adquire para venda em Inglaterra e EUA, mercados particularmente relevantes e competitivos para a venda de vinhos do Porto de categorias especiais.

Já no que diz respeito a comparáveis externos, a Requerente entende que estes não existem, uma vez que nunca poderá em operações externas haver identidade do produto, visto que a G... adquire vinhos de categorias especiais, exclusivos da B....

Por estes motivos, a Requerente defende que não poderá ser aplicável, para efeitos de validação das condições acordadas com a G..., o MPCM uma vez que não é possível identificar operações comparáveis.

Neste sentido, defende ser aceitável a escolha de outros métodos de preços de transferência, de entre os elencados no número 3 do artigo 58.º do Código de IRC, nomeadamente o MCM e o MMLO utlizados em simultâneo, e de forma complementar, no seu relatório de preços de transferência.

De resto, a Requerente defende, contrariamente ao argumentado pela AT, que a utilização concomitante de dois métodos não só é legítima, como é indicada pelas Guidelines da OCDE e pela Portaria de Preços de Transferência no número 4 do artigo 4.º, como sendo o procedimento indicado para todas as ocasiões em que existam fundadas dúvidas acerca da fiabilidade dos valores obtidos com a aplicação de um determinado método. Funciona, assim, como uma dupla validação.

Através da realização dessas análises resulta claro, na opinião da Requerente, que auferiu margens de lucro semelhantes ou superiores à amostra de empresas independentes, pelo que conclui pela conformidade das operações com o princípio de plena concorrência. Isto será verdade tanto da perspetiva da rendibilidade global da empresa, como da perspetiva da análise apenas das operações com a G... (em que a margem de lucro é superior).

A Requerente entende que ficou bem patente que a haver algum desvio nos preços praticados, sempre seria a favor da Requerente, uma vez que esta aufere margens de lucro próximas dos máximos dos intervalos de rentabilidades de empresas comparáveis, conforme concluiu no relatório de preços de transferência – ou até superiores, conforme entende que ficou demonstrado em sede de contencioso administrativo, quando efetuou os cálculos das margens de lucro auferidas considerando apenas os valores das operações com a G....

 

Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

33. A AT entende que o Método do Custo Majorado, complementado pelo Método da Margem Liquida da Operação, utilizado pela Requerente para sustentar o cumprimento do principio de plena concorrência nas transações realizadas com a G..., no exercício de 2008, não é o mais adequado, uma vez que:

• Contrariamente ao alegado pela Requerente, a B... vendeu mercadorias similares a entidades independentes no exercício de 2008;

• Verificada essa comparabilidade, nenhuma razão há para se afastar o tradicional Método do Preço Comparável de Mercado, o qual consubstancia o método mais adequado no caso concreto;

• Na aplicação do Método do Custo Majorado devem ser utilizados critérios na fixação de preço com as entidades relacionadas, porém a Requerente não apresentou os cálculos subjacentes à operação com a G..., nem resulta claro o critério utilizado para efeitos da determinação do preço nessa operação;

• A Requerente não tem conhecimento se se encontravam reunidos os fatores de comparabilidade relevantes para aplicar o Método do Custo Majorado complementado com o Método da Margem Liquida da Operação;

• O Método da Margem Liquida da Operação só pode ser utilizado nas situações em que ocorrem condições que asseguram comparabilidade dos lucros decorrentes de operações entre empresas associadas com operações entre empresas independentes;

• No caso concreto não existem tais condições, atenta a singularidade dos destinatários do produto, das respetivas margens de lucro, e do produto transacionado;

• No Método da Margem Liquida da Operação as diferenças funcionais e nas operações devem ser consideradas, o que não ocorreu no caso sub judice;

• Na aplicação do Método da Margem Liquida da Operação, as empresas consideradas como comparáveis devem atuar em idênticos mercados com idênticos constrangimentos, contudo a Requerente não atendeu, aquando da respetiva aplicação, que as margens líquidas foram diretamente afetadas pela situação concorrencial, pela eficiência de gestão, e pelas estratégias individuais das empresas do mesmo ramo de atividade.

A AT entende ainda que, empregando a Requerente um método que testa a margem líquida da operação, sempre deveria testar, face à rentabilidade total de empresas independentes, a rendibilidade das operações com a G..., que apenas representam 2% de vendas da empresa, e não a rentabilidade total da B....

Estando em causa a venda de produtos exclusivos do Grupo ..., a AT entende que não será possível encontrar comparáveis externos.

 

Decisão da questão de mérito sobre a violação do princípio da plena concorrência na operação de venda de mercadorias realizada entre a C... e a G..., no exercício de 2008

 

34. Em causa está a aplicação do regime de preços de transferência, previsto no artigo 58.º do Código do IRC (na redação em vigor em 2008, correspondendo ao atual artigo 63.º) e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro (doravante designada por “Portaria de Preços de Transferência”).

Nos termos do regime de preços de transferência nas operações comerciais efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades não relacionadas em operações comparáveis, podendo, assim, aferir-se pelo cumprimento com o princípio da plena concorrência.

Em alinhamento com as orientações da OCDE sobre preços de transferência, dirigidas às empresas multinacionais e às administrações fiscais, de 1995 (doravante “Guidelines da OCDE”), a legislação portuguesa determina que o resultado de uma entidade que realize operações vinculadas pode ser corrigido, para efeitos fiscais, quando se verifique que os termos e condições praticados não são semelhantes aos acordados e contratados em operações idênticas por entidades não relacionadas.

No sentido de determinar se as condições contratadas entre entidades não relacionadas cumprem com o princípio de plena concorrência, a legislação portuguesa coloca à disposição do sujeito passivo cinco métodos: o método do preço comparável de mercado (“MPCM”), o método do preço de revenda minorado (“MPRM”), o método do custo majorado (“MCM”), o método do fracionamento do lucro (“MFL”) e o método da margem líquida da operação (“MMLO”). Poderá ainda ser utilizado outro método quando os supra indicados não permitam aferir fiavelmente os termos e condições que entidades independentes acordariam, aceitariam ou praticariam.

Os três primeiros métodos – MPCM, MPRM e MCM, também designados “métodos tradicionais” – deverão ser utilizados prioritariamente e, apenas quando não seja possível a sua aplicação, deverá o sujeito passivo recorrer aos dois últimos – MFL e MMLO, ou métodos baseados no lucro – ou ao outro método.

Nos termos da Portaria de Preços de Transferência os sujeitos passivos deverão optar pelo “método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis”.

De acordo com o número 2 do artigo 58.º do Código do IRC, por forma a obter o mais elevado grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações entre entidades não vinculadas, os sujeitos passivos deverão atender às “características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco”.

As operações serão comparáveis, para efeitos de preços de transferência, quando sejam “substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas”, conforme número 3 do artigo 4.º da Portaria de Preços de Transferência.

 

35. Face à divergência entre as partes, haverá que determinar qual o método de preços de transferência mais adequado, que permite o maior grau de comparabilidade nas operações em concreto.

Neste sentido, e nos termos do disposto no número 2 do artigo 4.º da Portaria de Preços de Transferência, dever ser selecionado o método que simultaneamente: (i) “é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência,” (ii) “proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação,” (iii) “conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação” e (iv) “implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis”.

A este respeito, refira-se que, nos termos da Portaria de Preços Transferência, são comparáveis as operações que sejam “substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas”.

Verifica-se, assim que, para que se possa aferir se as condições praticadas numa operação vinculada respeitam o princípio de plena concorrência, haverá que identificar operações entre entidades não relacionadas que qualifiquem como comparáveis às operações vinculadas. Isto acontecerá quando as operações sejam de tal forma semelhantes que as eventuais diferenças não conduzam a diferenças substanciais nos termos e condições praticados em ambas, numa lógica de mercado.

De forma a aferir a semelhança entre as operações, a Portaria de Preços de Transferência determina os fatores que deverão ser observados para efeitos de comparação.

O primeiro fator a analisar será as características dos bens ou serviços que são objeto da operação. Segundo as Guidelines da OCDE, no caso de a operação respeitar a bens corpóreos, como acontece, as características mais relevantes para efeitos de análise são as características materiais do bem, a sua qualidade e fiabilidade, a facilidade de aprovisionamento e o volume da oferta.

No caso em apreço, verifica-se que, muito embora a Requerente comercialize o mesmo tipo de produtos com entidades relacionadas e entidades não relacionadas, as quantidades adquiridas por entidades não relacionadas são substancialmente inferiores às adquiridas pelas G....

Com efeito, a G... adquire cerca de 70% do volume (litros) de vinho do Porto de categorias especiais comercializado pela Requerente.

Desta forma, ainda que intrinsecamente o produto transacionado seja idêntico, não se pode concluir pela identidade do objeto do contrato, que no caso da G... serão quase 130 mil litros de vinhos do Porto vintage por ano e, no caso das entidades não relacionadas, será no máximo cerca de 5 mil litros de vinhos do Porto vintage por ano.

Seguidamente há que observar as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos.

Sendo uma empresa distribuidora (contrariamente à maior parte das entidades não relacionadas que são retalhistas) a G... substitui-se à Requerente na assunção do risco de mercado, decorrente de estar presente em Inglaterra e nos Estados Unidos.

Com efeito, a partir do momento em que as encomendas (e o pagamento associado) da G... são recebidas pela Requerente esta regista um proveito, independentemente da capacidade da G... em escoar esses produtos nos mercados anteriormente referidos.

Adicionalmente, há que comparar os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação.

A este respeito, verifica-se que a G... efetua o pagamento no momento da encomenda, enquanto as entidades não relacionadas efetuam pagamentos a 30, 60 ou 90 dias.

Conclui-se, assim, existir um evidente benefício para a Requerente, relativamente às necessidades de fundo de maneio, decorrente das condições acordadas com a G... face às condições acordadas com as entidades com as quais transaciona os seus produtos.

Adicionalmente, a Requerente deixa de suportar o risco associado à concessão de crédito, contrariamente ao que acontece com os seus clientes que não são entidades relacionadas e fazem pagamentos a prazo, após receção de mercadoria.

Por último devem observar-se as circunstâncias económicas de cada operação e a estratégia das empresas intervenientes.

No caso em apreço, verifica-se que a G... compra vinhos de categorias especiais para revenda em Inglaterra e nos Estados Unidos, mercados bastantes competitivos onde se privilegiam os vinhos vintage.

Neste sentido, haverá um interesse acrescido, por parte da Requerente, em estar presente nesses mercados com os seus vinhos de categorias especiais.

A lei portuguesa permite ainda relevar outros fatores que se mostrem pertinentes no caso concreto.

Refira-se que o MPCM, escolhido pela Autoridade Tributária para efeitos de análise da conformidade das operações da Requerente com o princípio de plena concorrência é o método que exige um maior grau de comparabilidade do objeto (e demais termos e condições) da operação e da análise funcional das entidades intervenientes.

Conforme enunciado no número 2 do artigo 5.º da Portaria de Preços de Transferência, este método apenas poderá ser utilizado quando (i) “o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares”, ou (ii) “uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares”.

Quando, contudo, uma operação não seja substancialmente comparável, “o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável”, nos termos do número 3 do mesmo artigo 5.º da Portaria de Preços de Transferência.

Refira-se que “desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso, deve ser dada preferência a este método sobre os demais”, conforme referido nas Guidelines da OCDE.

Como se vê, resulta claro dos termos da Portaria de Preços de Transferência que o MPCM apenas poderá ser selecionado quando as operações em apreço não possuam diferenças substanciais ou quando seja possível efetuar ajustamentos que eliminem as eventuais diferenças.

Neste sentido, refira-se que uma das situações em que as Guidelines OCDE alertam para a necessidade de efetuar eventuais ajustamentos é aquela em que as quantidades transacionadas na operação vinculada e em operações independentes são desproporcionais, caso em que se sugere uma análise de mercado por forma a apurar os descontos normalmente praticados em função das quantidades fornecidas.

Nas Guidelines OCDE de 2010, de resto, reforça-se a ideia de que a quantidade é um fator passível de afetar a comparabilidade de operações, referindo-se que a discrepância de quantidades transacionadas é passível de inviabilizar comparáveis internos. Com efeito, refere-se que nestes casos “a transação entre o sujeito passivo e a parte independente dificilmente será um comparável fidedigno”.

Nestes casos, haverá que aferir, em primeiro lugar, se a diferença entre as operações é substancial e, em segundo lugar, se pode e deve ser ultrapassada com recurso a ajustamentos.

O propósito de efetuar ajustamentos é aumentar o grau de comparabilidade das operações, no entanto, estes não são obrigatórios ou indiscriminadamente adequados. Com efeito, deverá efetuar-se um juízo quanto à sua pertinência, nomeadamente, se efetivamente confere à operação independente um grau de comparabilidade suficiente e se não confere à análise um grau de complexidade demasiado grande, conduzindo a resultados pouco fidedignos.

A Requerente considerou mais adequado, face às características da operação, testar os termos e condições praticados através do MCM que tem por base o montante dos custos suportados pelo sujeito passivo, fornecedor de um produto ou serviço, numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável, conforme determina o número 1 do artigo 8.º da Portaria de Preços de Transferência.

Nos termos do número 2 do mesmo artigo precisa-se que “a margem de lucro bruto adicionada aos custos pode ser determinada tomando como base de referência a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável efetuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente, devendo, em qualquer dos casos, as referidas entidades exercer funções similares, utilizar o mesmo tipo de ativos e assumir idênticos riscos, bem como, preferencialmente, transacionar produtos ou serviços similares com entidades independentes e adotar um sistema de custeio idêntico ao praticado na operação comparável”.

Este método revela-se mais flexível do ponto de vista da comparabilidade das operações independentes utilizadas para efeitos da análise. Com efeito, exige a semelhança de (i) funções, ativos e riscos; (ii) produtos e serviços; e (iii) do sistema de custeio, mas já não dos restantes fatores de comparabilidade.

Contrariamente ao MPCM, no âmbito da aplicação do MCM deverão verificar-se reunidos os cinco fatores de comparabilidade, mas não é estritamente necessário que tal aconteça.

Segundo as Guidelines da OCDE, quando se utiliza o MCM “os ajustamentos necessários à tomada em consideração das diferenças entre os produtos são menos numerosos do que normalmente sucede com o MPCM, porque as diferenças menos significativas entre os produtos são menos suscetíveis de ter incidência sensível sobre as margens de lucro do que sobre os preços”.

Com efeito, segundo as Guidelines da OCDE “numa economia de mercado, a remuneração pelo exercício de funções análogas tende a aproximar-se entre as diversas atividades. Ao contrário os preços de produtos diferentes só tendem a aproximar-se na medida em que esses preços sejam sucedâneos”. Desta forma, a atividade de duas empresas que exercem as mesmas funções será semelhante, e remunerada em livre prática de forma idêntica, ainda que o produto efetivamente vendido seja diferente (e, consequentemente, seja diferente o preço do mesmo).

Do exposto se conclui que o MCM é um método mais apropriado em casos em que não existe um grau elevado de comparabilidade de produtos entre operações vinculadas e operações independentes.

Por forma a validar e testar a razoabilidade dos resultados obtidos através do MCM, a B... empregou também o MMLO que se baseia, conforme número 1 do artigo 10.º da Portaria de Preços de Transferência, no “cálculo da margem de lucro líquido obtida por um sujeito passivo numa operação ou numa série de operações vinculadas tomando como referência a margem de lucro líquido obtida numa operação não vinculada comparável efetuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente”.

No MMLO, “a margem de lucro líquido é calculada relativamente a um indicador apropriado, de acordo com as circunstâncias e características de cada operação, bem como a natureza da atividade, podendo ser representado pelas vendas, custo ou ativos utilizados, ou outra grandeza relevante”, conforme determinado pelo número 2 do artigo 10.º da Portaria de Preços de Transferência.

Verifica-se, assim, que apesar de ser aconselhável validar os diversos fatores de comparabilidade, neste caso será apenas imprescindível a semelhança de funções das entidades comparáveis.

Através do teste do lucro, o MMLO ultrapassa os riscos associados à diferença de produtos (que podem influenciar os preços) e de funções das entidades comparáveis (que podem influenciar as margens brutas).

Este método, segundo as Guidelines da OCDE “constitui uma solução de natureza prática para os problemas de preços de transferência que de outro modo seriam insolúveis, desde que seja utilizado racionalmente”.

Com efeito, apesar dos benefícios inerentes à utilização deste método, verifica-se que introduz maior volatilidade na determinação dos preços de transferência – seja porque sofre influência de fatores que não afetam os preços ou a margem bruta (por exemplo, montante das despesas de exploração), seja porque se torna mais difícil a eliminação de fatores que também afetam os preços ou a margem bruta (como sejam os fatores concorrenciais).

 

36. Como assim, o ato de liquidação adicional de IRC sob apreço no que concerne à correção relativa a preços de transferência enferma de ilegalidade por violação do artigo 58.º do Código do IRC e do artigo 4º da Portaria n.º 1446-C/2001, justificando a respetiva anulação ao abrigo do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo.

 

 

IV.IV. Indemnização pela prestação da garantia

 

37. Importa, por fim, determinar se a Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação de garantia bancária, efetuada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança do imposto impugnado.

Como é sabido, determina o artigo 53.º da LGT, que o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida (n.º 1), sendo que o prazo assim referido não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo (n.º 2).

No caso sub judice, verificou-se, nos termos atrás expostos, erros em correções da matéria tributável da B... subjacentes ao ato de liquidação, os quais são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, dado que tais correções julgadas ilegais foram da sua iniciativa.

Deve por conseguinte ser julgado procedente o pedido de indemnização formulado pela Requerente na proporção do vencimento resultante do acima decidido.

Não foi alegado o prejuízo que derivou da prestação bancária, pelo que, atenta a ausência de elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação tem de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013 e artigo 565.º do Código Civil).

 

V. Decisão

 

Em conformidade com o exposto, acordam neste tribunal arbitral em:

a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de IRC n.º ..., relativa ao exercício de 2008, de que resultou, após compensação, o saldo a pagar de € 1.795.200,80, bem como as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que a mantiveram, no que concerne i) à correção incidente sobre a B... relativa aos pagamentos de royalties respeitantes às marcas ..., ..., ... e ... que não foram aceites como custo fiscal, no montante de €1.123.246,46, bem como quanto à tributação autónoma correspondente no montante de €393,136,26 (€1.123.246,46x35%), ii) à correção incidente sobre a B... no montante de €1.032.694,41, correspondente a vendas relativamente às quais a AT considerou que não foram respeitadas as regras relativas à aplicação do princípio de plena concorrência, em violação do disposto no artigo 58º do CIRC.

b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa à correção incidente sobre a B... quanto à não-aceitação como custo fiscal de royalties no montante de €205.873,12 respeitantes à marca ..., bem como quanto à tributação autónoma correspondente no montante de €72.055,59 (€205.873,12 x 35%).

c) Julgar procedente, na medida do vencimento, o pedido de pagamento de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução fiscal execução fiscal n.º ....

d) Condenar a Requerente e a Requerida em custas, que se fixam, para cada uma, na proporção do respectivo decaimento.

 

VI. Valor do processo

 

O valor do processo é de € 1.795.200,88 (um milhão setecentos e noventa e cinco mil duzentos euros e oitenta cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), no artigo 97.º-A, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

VII. Custas

 

Nos termos do artigo 12.º, n.º 2, in fine e 22.º, n.º 4 do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas totais é de € 23.562,00.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2014.

 

 

Os Árbitros,

 

 

(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)

 

 

(Rui Guedes Henriques)

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, por razões de uniformidade, a ortografia, quer das citações efetuadas, quer dos textos legais utilizados.

[2] Organograma idêntico consta igualmente como anexo II ao Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2008 da B…  junto como doc. n.º 7 ao RI.

[3] A regulação em causa passou a constar no CIRC do art. 65.º após a republicação deste Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, e do art. 23.º-A, n.º 1, al. r) após as alterações realizadas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

[4] Esclareça-se que, no âmbito destes esquemas de evasão ou de fraude fiscais, entram em consideração, para efeitos do cálculo da carga tributária que se pretende reduzir, os impostos por retenção na fonte que podem incidir sobre os pagamentos efetuados às entidades não residentes (sempre que não seja possível recorrer a uma acordo sobre dupla tributação). Por isso, não é juridicamente relevante para a aplicação desta regra do art. 59.º do CIRC de não dedutibilidade dos custos o facto de ter incidido imposto por retenção na fonte sobre os “pagamentos” respectivos, até porque essa retenção é indispensável nestes casos à conformação da simulação negocial eventualmente em causa. Assim, nenhum argumento sobre a facticidade das operações para efeitos do art. 59.º do CIRC pode ser retirado da incidência de retenção na fonte que depende de disposições legais autónomas (art. 4.º, n.º 3, al. c), n.º 1 e art. 80, n.º 4, al. a) do CIRC). Por outro lado, não se pode confundir a posição da entidade pagadora, que é a que está em causa no regime da não dedução fiscal dos custos do art. 59.º do CIRC, com a posição da entidade não residente colocada como credora dos rendimentos, que é a quem se dirige a retenção na fonte, ainda que por substituição tributária (cfr. art. 88.º, n.º 3, al. b) e n.º 5 do CIRC).

[5] Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, Porto, 2005, p. 164. Mais à frente (pp. 183-184) este Autor reporta-se à utilização corrente de sociedades-base como detentoras de direitos de autor ou de propriedade industrial como “um procedimento particularmente atrativo relativamente a marcas, patentes, etc”, em que, com o respectivo registo, “tais direitos são adquiridos originariamente pela sociedade-base, sem haver lugar a qualquer tributação no país da sede da sociedade do grupo que realmente foi a criadora ou inventora em razão da “transferência de titularidade” que, na realidade, aconteceu”, direitos que são depois “licenciados a empresas do grupo ou a terceiros, em outros países, repetindo-se, no essencial, o esquema atrás descrito, agora referido ao recebimento de royalties ou aos ganhos resultantes da alienação de tais direitos”.

[6] Os paraísos fiscais. Casos práticos com empresas portuguesas, Coimbra, 2000, pp. 197 a 199.

[7] Trata-se, por isso, de uma medida consagrada em diversos ordenamentos fiscais. Assim, para além da nossa legislação, podem encontrar-se soluções análogas em França, no art. 238-A do art. 238 A do Code général des impôts (“Les intérêts, arrérages et autres produits des obligations, créances, dépôts et cautionnements, les redevances de cession ou concession de licences d'exploitation, de brevets d'invention, de marques de fabrique, procédés ou formules de fabrication et autres droits analogues ou les rémunérations de services, payés ou dus par une personne physique ou morale domiciliée ou établie en France à des personnes physiques ou morales qui sont domiciliées ou établies dans un Etat étranger ou un territoire situé hors de France et y sont soumises à un régime fiscal privilégié, ne sont admis comme charges déductibles pour l'établissement de l'impôt que si le débiteur apporte la preuve que les dépenses correspondent à des opérations réelles et qu'elles ne présentent pas un caractère anormal ou exagéré”), na Bélgica, no art. 54 do Code des impôts sur les revenus (“Les intérêts, indemnités visées à l'article 90, 11°, qui sont payées en compensation de ces intérêts, redevances pour la concession de l'usage de brevets d'invention, procédés de fabrication et autres droits analogues ou les rémunérations de prestations ou de services, ne sont pas considérés comme des frais professionnels lorsqu'ils sont payés ou attribués directement ou indirectement à un contribuable visé à l'article 227 ou à un établissement étranger, qui, en vertu des dispositions de la législation du pays où ils sont établis, n'y sont pas soumis à un impôt sur les revenus ou y sont soumis, pour les revenus de l'espèce, à un régime de taxation notablement plus avantageux que celui auquel ces revenus sont soumis en Belgique, à moins que le contribuable ne justifie par toutes voies de droit qu'ils répondent à des opérations réelles et sincères et qu'ils ne dépassent pas les limites normales”) e em Espanha, no art. 14, 1, g) da Ley del Impuesto sobre Sociedades (“No tendrán la consideración de gastos fiscalmente deducibles: g) Los gastos de servicios correspondientes a operaciones realizadas, directa o indirectamente, con personas o entidades residentes en países o territorios calificados reglamentariamente por su carácter de paraísos fiscales, o que se paguen a través de personas o entidades residentes en éstos, excepto que el sujeto pasivo pruebe que el gasto devengado responde a una operación o transacción efectivamente realizada”).

[8] Ob. cit., pp. 164-165.

[9] Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, p. 202.

[10] A AT invoca ainda o facto de, em exercícios anteriores, conforme resulta dos respetivos relatórios de inspeção tributária, se constatar da documentação enviada pela B… que transferências bancárias relativas aos royalties tinham como beneficiário, não a C…, mas outra entidade, igualmente com registo em Jersey, Channel Islands, denominada …. Como, porém, se refere no Relatório de Inspeção da B… (dado como reproduzido no n.º XXVIII do probatório) que em 2008 as transferências em causa foram para conta bancária da C…, e dado o facto provado no n.º IX do probatório, não assume pertinência considerar este elemento no âmbito do presente processo relativo ao IRC de 2008..

[11] Refira-se que a testemunha … (administrador do Grupo … durante mais de 30 anos, presentemente apenas administrador não executivo) também foi questionado sobre estes documentos de cessão mas o seu depoimento não é esclarecedor já que declarou que as marcas pertenciam à Família …, que tinha havido uma sucessão de familiares e da C…, mas que nunca tratou disto; que julgava que estes documentos deviam ter sido um lapso, pois não era necessária a transferência, bastando cancelar os registos; que não dominava esta área; que isto era tratado pelo agente da propriedade industrial que fosse utilizado para o efeito.

[12] Explicite-se que esta testemunha, no seu depoimento, declarou que “ao que julga saber” estes escritos de cessão correspondem a documentos para registo de marcas no INPI construídos a instâncias do agente da propriedade industrial, mas não crê que correspondam a reais transações segundo julgou ouvir no Grupo.