Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 180/2013-T
Data da decisão: 2014-03-07  Selo  
Valor do pedido: € 23.637,50
Tema: Verba 28.1 da TGIS; Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 180/2013-T

 

Autora / Requerente: A…

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 26-07-2013, a sociedade A... (adiante designada por A...), contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo n.º … (primeira prestação) e n.º … (segunda prestação) do ano de 2012, no valor total de 23.627,50€, referentes ao terreno inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …da freguesia da …, concelho de ….

A Requerente pede, subsidiariamente, que seja considerada inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, com a consequente anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo em crise.

A Requerente alega que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por esse facto, não pode ser classificado como prédio “com afetação habitacional” para efeitos da tributação prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 25-10-2013, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente e suscitando a questão da inadequação do processo arbitral para contestar as regras de avaliação dos imóveis, defendendo que deveria a Requerente ter suscitado segunda avaliação e consequente impugnação judicial nos termos do art.º 77.º CIMI.

Foi designada como árbitro único, em 11-09-2013, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-09-2013.

Realizou-se em 10-01-2014 a reunião (única) do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária. Não havendo correções a efetuar às peças processuais nem exceções a conhecer, e não foram proferidas alegações orais por serem desnecessárias. Foi nessa data fixada como data para prolação da decisão o dia 05/02/2014.

Entretanto, tendo-se verificado não constarem dos autos as liquidações objeto de pedido arbitral, foi prorrogado o prazo para emissão da decisão para 07/03/2014.

Em  05/02/2014 foi a Requerente notificada para juntar as liquidações de imposto objeto de pedido arbitral, o que viria a fazer.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, concelho de …;
  2. O prédio é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de 2.362.750 €, (conforme caderneta predial junta pela AT com o processo administrativo);
  3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto de Selo n.º Selo n.º … (primeira prestação), no valor de 7.875,84€ e n.º ...(segunda prestação), no valor de 7.875,83€, do ano de 2012, referentes ao imóvel acima referido;

 

2.2. Factos não provados:

Que as liquidações objeto de pedido arbitral totalizassem 23.627,50 €.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.

 

2.4. Fundamentação da matéria de facto não provada:

No tocante à matéria não provada a convicção fundou-se na análise das liquidações juntas aos autos, e na soma dos seus valores.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto das liquidações de imposto de selo, sendo terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T e 42/2013-T, que seguiremos de perto.

 

3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS

 

3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 `Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor  patrimonial  ributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal  sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial  tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao  que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis  por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Vejamos:

3.2.2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI

 No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»

 A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso».

Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T:

“em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim”.

Assim, ” é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

Proibição da analogia e da interpretação da extensiva

Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual: 

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”

Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.

Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.

Poder-se-ía defender, por outro lado, uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.

Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.

 

Aplicação do regime às situações da Requerente

 

 O prédio da Requerente é um terreno para construção detido por uma empresa. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional atual, pelo que não incide sobre esses prédios o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por este facto, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

Quanto ao pedido subsidiário de apreciação das questões de inconstitucionalidade

 

A Requerente levantou a título subsidiário questões de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS caso se entenda que a mesma abrange terrenos para construção. Face à interpretação defendida nesta decisão, deixa de ter utilidade a apreciação da inconstitucionalidade da norma.

 

Quanto à eventual inadequação do processo arbitral para discutir a legalidade das liquidações feitas à luz do art.º 28.1 TGIS

 

A Requerente pode utilizar o processo arbitral para discutir a ilegalidade da liquidação de imposto de selo feita ao abrigo da verba 28.1 TGIS.

Não existindo na lei nenhuma relação de preclusão entre a não utilização do pedido de segunda avaliação e a possibilidade de impugnação autónoma das liquidações de imposto de selo.

Há outras situações na lei em que o legislador expressamente obriga à utilização de um meio prévio pelo contribuinte (como os artigos 131.º e 117.º do CPPT, por ex.º). Mas inexiste qualquer norma no CIS ou nas restantes leis tributárias que obrigue o Requerente a fazer uso obrigatório da segunda avaliação.

Acresce que as garantias dos contribuintes estão abrangidas pelo princípio da legalidade fiscal (art.º 103.º, 2 CRP). Qualquer restrição às referidas garantias e aos meios contenciosos ao dispor do contribuinte só pode ser feita por lei.

No caso em apreço nada impede que a questão da ilegalidade das liquidações feitas ao abrigo da verba 28.1 TGIS possa ser discutida no processo arbitral.

 

Quanto ao valor das liquidações

 

As liquidações objeto de pedido arbitral totalizam 15.751,67 euros e não 23.627,50€.

À data de entrada do pedido de pronúncia arbitral a Requerente não havia sido ainda notificada da terceira prestação do imposto relativo a 2012, pelo que não podia solicitar a anulação da liquidação respeitante a Novembro, que, salvo melhor opinião, deverá ser objeto de pedido autónomo de anulação.

De qualquer forma as liquidações especificamente objeto do pedido de pronúncia arbitral são apenas a primeira e segunda prestação do imposto, e totalizam 15.751,67 euros.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente A... no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade  das liquidações de Imposto de Selo n.º Selo n.º ... e n.º ...do ano de 2012, no valor total de 15.751,67  €,

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas  nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 23.627,50 €.

 

 

 

Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € devidas por cada uma das partes na proporção do decaimento, sendo 816,00 € devidos pela Autoridade Tributária e 408,00 € devidos pela Requerente.

Notifique.

 

Lisboa, 7 de março de 2014.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa