Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 199/2013-T
Data da decisão: 2014-02-25  IRC  
Valor do pedido: € 41.049,40
Tema: Competência material dos Tribunais Arbitrais; dupla tributação internacional
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 DECISÃO ARBITRAL

Processo nº 199/13-T

 

 

Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro

 

 

Requerente: A... , SGPS, S.A.

Requerida: AUTORIADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (“AT”)

 

 

I.RELATÓRIO

 

1. A..., SGPS, S.A. (doravante a Requerente), contribuinte nº …, com sede na …, Lisboa, apresentou, no dia 20 de Agosto de 2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante designado por RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista à anulação parcial da liquidação nº …, de IRC, com referência ao exercício de 2009, no montante de 41.049,40 €.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. A Requerente optou por não indicar árbitro, pelo que,

 

4. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente previstos, foi designado como árbitro singular o subscritor, que procedeu à comunicação ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

5. O Tribunal foi constituído em 21 de Outubro de 2013, em consonância com a previsão da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.

 

6. Em 17 de Dezembro de 2013, pelas 11.30 horas, teve lugar na sede do CAAD, a reunião do árbitro e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º do RJAT.

 

7. Na sobredita reunião, foi requerida pela AT a junção aos autos de um requerimento, que se deferiu, face à não oposição da Requerente e produzidas alegações orais pelos ilustres mandatários, tendo ainda sido proferido despacho no sentido de que a excepção suscitada pela Requerida seria conhecida a final. (cfr. acta da reunião)

 

**************

 

 

Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese e com relevo:

 

(i)“ A B... registou rendimentos no exercício de 2009 no montante de € 410.494,99 tendo sido objecto de tributação na Alemanha apenas nos exercícios de 2010 e 2011, às taxas de 15,825% e 10% “ (cfr. artigo 2º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(ii) […] “ na medida em que, aquando da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2009 ainda não havia sofrido retenção na fonte sobre aqueles rendimentos […] não efectuou quaisquer ajustamentos relativos à dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional apurado na esfera individual da B... relativo ao imposto suportado na Alemanha” (cfr. artigo 3º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(iii) “No exercício de 2009, a Requerente era a sociedade dominante do grupo de sociedade sujeito ao RETGS […] que integrava a B...” . (cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e artigo 4º da mesma)

 

(iv)[…] “nos exercícios de 1999 a 2010, a B... auferiu rendimentos decorrentes da cedência de direitos de transmissão televisiva a entidade residente na Alemanha para efeitos fiscais […] denominada “C...”, os quais apresentam a natureza de royalties” (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral

 

(v) […] em 2009 a B... contabilizou um rendimento no montante de € 410.493,99” (cfr. artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(vi) “O pagamento das facturas que sustentem os rendimentos acima referidos (410.493,99 €) apenas ocorreu no decurso dos exercícios de 2010 e 2011” (cfr, artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(vi) […] “ nesse momento (i.e. no momento da colocação dos rendimentos à disposição da B...) os mesmos foram sujeitos a tributação na Alemanha através de retenção na fonte às taxas de 15,825% e 10%, perfazendo um montante total de € 1.348,028,29 “ (cfr. artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(vii) […] “ A B... apurou um crédito de imposto referente ao exercício de 2009 passível de dedução de € 41.049,40, relativo à aplicação da taxa de retenção na fonte de 10% prevista no Acordo para evitar a Dupla Tributação “ADT”) internacional celebrado entre Portugal e a Alemanha ao referido montante de rendimentos registados no exercício de 2009 (€ 410.493,99]” (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(viii) […] “a D..., na qualidade de sociedade dominante do grupo sujeito ao RETGS a que pertence a B…, apresentou, em 27 de Dezembro de 2011, reclamação graciosa da autoliquidação de IRC nº … do exercício de 2009 […] de forma a deduzir o crédito de imposto por dupla tributação internacional no montante de € 41,049,40, para efeitos do apuramento no imposto a pagar […] “  (cfr. artigo 16º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(ix) “ Em 5 de Fevereiro de 2013, a Requerente foi notificada pela Divisão de Justiça Administrativo da Direcção de Finanças de Lisboa […] do projecto de decisão de indeferimento e para exercer o respectivo direito de audiência prévia “ (cfr. artigo 17º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(x) “ Em 19 de Fevereiro de 2013, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia […] “ (cfr. artigo 20º do pedido de pronúncia arbitral)

 

(xi) […] “ em 27 de Maio de 2013, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa” (cfr. artigo 21º do pedido de pronúncia arbitral)

 

 

Concluiu pelo pedido de declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação do IRC de 2009 supra identificado, e devolução do respectivo imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, e subsidiariamente, “que lhe seja reconhecido nos presentes autos o direito à dedução do imposto retido e pago na Alemanha nos exercícios posteriores aos de 2009, ou seja, nos exercícios de 2010 e de 2011”

 

A AT, na sua resposta, e por impugnação, alegou, sinteticamente, correspondendo, no essencial à posição anteriormente assumida em sede de decisão da reclamação graciosa deduzida pela Requerente:

 

“que a Requerente Arbitral não provou, em sede de procedimento Administrativo, e continua a não provar que, os alegados 410.493,99 € de royalties do período de 2009 […] hajam sido sujeitos a retenção na fonte na Alemanha” (cfr. artigos 64º e 88º da resposta)

 

II- SANEAMENTO

 

QUESTÃO PRÉVIA

 

Existe uma excepção suscitada pela AT  - competência material do tribunal arbitral -para conhecer do pedido subsidiário,  que passa a apreciar-se e decidir:

 

A Requerente formula como pedido subsidiário e para a hipótese da improcedência do pedido principal - anulação da autoliquidação subjacente -  (e pedidos a este associados como sejam a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios) que “lhe seja reconhecido nos presentes autos o direito à dedução do imposto retido e pago na Alemanha nos exercícios posteriores aos de 2009 ou seja, nos exercícios de 2010 e 2011”

 

A AT na resposta que formulou, e como matéria de excepção defendeu, em síntese, o seguinte:

 

“[…] o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária”  (cfr. artigo 9º da resposta da AT)

 

“Circunstância que decorre da literalidade do disposto no nº 1 do artigo 2º do RJAT  que […] define os tipos de pretensão que podem ser apreciadas por tribunais arbitrais em matéria tributária”. (cfr. artigo 10º da resposta da AT)

 

Sob o nº 1 do artigo 2º do RJAT, na redacção ao mesmo conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012), a competência dos tribunais arbitrais, em matéria tributária, que funcionam no CAAD, foi circunscrita, e unicamente abrangendo:

 

“a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e,

 

“b A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais”

 

Podendo assim afirmar-se que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, se restringe às questões relacionadas com a declaração de ilegalidade, e não já de reconhecimento de quaisquer direitos.

 

Do cotejo das competências que são conferidas aos tribunais arbitrais tributários, com as decorrentes dos artigos 101º da Lei Geral Tributária e 97º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a que se associa a limitação da competência daqueles, ditada pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, forçoso é concluir, citando Jorge Lopes de Sousa, [1]que:

(i)“o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação ou apreciação das questões indicadas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais”,

 

Concluindo-se por consequência,

 

(ii) que assiste razão à AT quanto à excepção de competência suscitada,

 

(iii) não conhecendo este tribunal do pedido subsidiário formulado pela Requerente.

 

 

8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a) do RJAT, para conhecer do pedido principal formulado pela Requerente.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10 nº 2 do indicado diploma, e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

10. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

11. Não há questões prévias a decidir

 

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

Perante a posição assumida pelas partes, com base no processo administrativo apenso e perante a prova documental junta aos autos, e a apreciação que das mesmas fez o Tribunal, fixa-se a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:

 

 

1-A Requerente incorporou por fusão, a sociedade “D..., SGPS”, à  qual pertencia a sociedade “B..., S. A.”, (doravante B…) encontrando-se sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, RETGS. (cfr. documento nº 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2- Em 27 de Dezembro de 2011, a sociedade “D...” (enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS) conjuntamente com a “B...”, apresentou reclamação graciosa, com base em erro de autoliquidação, com referência ao exercício fiscal de 2009.

 

3- Em 08 de Janeiro de 2013, foi pela AT elaborado o respectivo projecto de decisão, que apontou no sentido de improcedência da pretensão da Requerente.

 

4- No âmbito do exercício do direito de audição, a Requerente em 15 de Março de 2013, procedeu à junção de seis documentos, designados “certificados de imposto”, respeitantes a retenções na fonte (Alemanha), sobre rendimentos de “licenças de televisão”, pagos à “B...”, no total de 10.952.606,90 €, documentos esses que se encontram juntos ao processo administrativo.

 

5- Em 15 de Maio de 2013, foi proferido despacho no sentido do indeferimento da reclamação graciosa.

 

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe matéria de facto não provada, relevante para a decisão da causa.

 

 

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

- A questão central que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é de saber, se no caso concreto, pode a Requerente, deduzir à colecta, o valor do imposto alegadamente pago no país de origem (no caso em apreço na Alemanha), com vista a evitar a dupla tributação jurídica.

 

Reconduz-se pois o thema decidendum à (i) dupla tributação jurídica e (ii) à interpretação a conferir aos artigos 90º e 91º do CIRC, e à Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, com normativo na Lei nº 12/82, de 03 de Junho, Aviso publicado em 14/10/1982, e em vigor desde 08/10/1982.

 

A dupla tributação jurídica internacional surge pela circunstância de uma determinada situação estar conexa com mais de que um ordenamento jurídico tributário.

 

Circunstância essa que é visada, em regra, pelos tratados internacionais destinados a evitar as duplas tributações.

Com efeito,

No quadro da intensificação das relações económicas internacionais a dupla tributação jurídica internacional, ganha relevo e inegável acuidade, pela multiplicidade de situações conexas com ordenamentos jurídico tributários de Estados diferentes, ou do diferente entendimento e interpretação a que os mesmos procedam, quanto aos distintos elementos de conexão.

Podendo a mesma resultar, segundo Manuel Pires e Rita Calçada Pires, das seguintes realidades (i) “diversidade de elementos de conexão, isto é, um Estado segue o princípio da residência, enquanto o outro adopta o princípio da fonte (lugar da origem dos rendimentos, da situação dos bens ou prática de actos); um Estado tributa segundo o princípio da nacionalidade e outro tributa conforme o princípio da residência e ou ainda consoante o principio da fonte; uma transacção é tributada no Estado de origem e outro Estado tributa-a por força do princípio da tributação do destino; (ii) diversidade de entendimento do mesmo princípio e (iii) pluralidade dos mesmos elementos de conexão, ainda que entendidos de idêntico modo”.[2]

 

O objectivo primordial da celebração bilateral ou multilateral de tais convenções é o de  eliminar, ou minimizar,  os conflitos de tributação, com origem dos respectivos exercícios de soberania fiscal de cada um dos Estados. [3]

 

Com igual objectivo de eliminar ou minimizar as situações de dupla tributação os ordenamentos nacionais tomam medidas de carácter unilateral de que é exemplo, e para o que nos importa, a disposição contida no artigo 91º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante CIRC).

 

Quer a reclamação graciosa oportunamente deduzida pela Requerente, quer o subsequente pedido de pronúncia arbitral, ao mesmo apelam (para além naturalmente da convenção celebrada com a Alemanha)

 

Dispõe aquele artigo:

 

Artigo 91º

Crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

“1. A dedução a que se reporta a alínea a) do nº 2 do artigo 90º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponda à menor das seguintes importâncias:

 

  1. Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
  2. Fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos dos gastos directa ou indirectamente suportados para a sua obrigação

 

2.Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrado por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.

 

Sem prejuízo da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, com normativo na Lei nº 12/82, de 03 de Junho, Aviso publicado em 14/10/1982, e em vigor desde 08/10/1982, estamos perante disposições domésticas do ordenamento jurídico tributário, no caso concreto insertas no CIRC com vista a eliminar a dupla tributação, permitindo-se ao contribuinte para obtenção de tal desiderato, deduzir à sua colecta, de acordo com a previsão da alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC a importância “correspondente à dupla tributação internacional”

 

Densificando e como já referido, para além das convenções tendentes a eliminar a dupla tributação, o artigo 91º do CIRC, consubstancia mecanismo com vista a eliminar a dupla tributação jurídica internacional, relativamente a rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Consistindo numa medida unilateral, através do mecanismo de dedução à colecta, previsto, como dito, na alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC.

 

O critério adoptado no artigo 91º do CIRC quanto às regras de tal dedução, é o chamado “crédito de imposto”.

 

Dos métodos utilizados, para eliminar ou reduzir a dupla tributação, na circunstância de os rendimentos poderem ser tributados em mais que um ordenamento jurídico tributário e no quadro do Modelo de Convenção da OCDE, compete ao Estado de residência a adopção dos métodos aí previstos para tal efeito: método de isenção – artigo 23º A) e método de imputação – artigo 23º B).

 

O método de imputação (ou do crédito do imposto)  foi  acolhido no artigo 91º do CIRC na sua modalidade de imputação ordinária ou normal, que se traduz na limitação de dedução permitida pelo Estado de residência, relativamente à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado, ao contrário do que se verifica na modalidade de imputação integral, em que o Estado de residência permite a dedução do valor total do imposto pago no Estado da fonte.

 

Ainda a propósito da interpretação ao artigo 91º do CIRC e da sua articulação com o vertido no 122º do mesmo diploma (“declaração de substituição”) e da obrigatoriedade de prévia impugnação graciosa em caso de autoliquidação, com lugar no artigo 131º do CPPT, as partes convocam (embora com interpretações diferentes) o tema das “informações vinculativas”, com previsão no artigo 68º da Lei Geral Tributária, justificando-se assim, um, ainda que breve, excurso a respeito.

 

A requerente apela para a informação vinculativa com origem no processo nº 3489/05 e Despacho de 15/10/2007 do Substituto Legal do Director – Geral, a cuja junção procede sob o documento nº 6 do seu pedido de pronúncia arbitral, pretendo exportar para o caso dos presentes autos a “doutrina” que da mesma se extrai.

O que se retira do despacho em apreço é que, “ocorrendo o pagamento dos rendimentos e respectiva retenção na fonte em exercício diferente daquele em que os rendimentos são registados na base tributável, caso o mesmo seja efectuado ainda dentro do prazo de entrega da respectiva declaração de rendimentos, deve o crédito de imposto ter lugar na mesma. Caso contrário, deverá o sujeito passivo proceder à entrega de uma declaração de substituição no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal, nos termos do nº 2 do artigo 122º do Código de IRC, ou, quando este prazo for excedido, reclamar graciosamente da autoliquidação do (s) exercício (s) a que os rendimentos dizem respeito”

Mesmo a admitir-se alguma similitude entre a questão que a mesma exterioriza e a subjacente aos presentes autos, (o despacho em apreço tem como pano de fundo a interpretação do artigo 91º do CIRC) a invocação da mesma, por si só, e sem prejuízo do que infra se dirá, não confere razão à Requerente quanto à extensão das conclusões que da mesma pretende retirar.

Na verdade, o que aí se explicita são os procedimentos ao dispor do contribuinte para lograr obter a dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, em função do “desfasamento” temporal que o mesmo refere.

 Recorda-se que, conforme sustenta a Requerente, o pagamento dos rendimentos e respectiva retenção na fonte (Alemanha) terão sido efectuados em período posterior àquele em que a Requerente pretende registar contabilisticamente o “crédito de imposto” , circunstância essa que, por si só, determinaria a absoluta necessidade de recurso à reclamação graciosa de conformidade ao disposto no artigo 131º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Revelando-se pois que reclamação graciosa é o meio procedimental necessário e idóneo para na sequência do seu indeferimento, o contribuinte lançar mão da impugnação judicial ou do recurso ao pedido de pronúncia arbitral, com finalidade de o afrontar.

 

As informações vinculativas previstas sob o artigo 68º da Lei Geral Tributária, inserem-se no quadro dos procedimentos de natureza informativa, a que o contribuinte pode lançar mão, no exercício do seu direito à informação junto da administração fiscal, em observância ao princípio da colaboração desta com os contribuintes. [4]

A informação prestada pela administração, a quem procedeu à sua solicitação, determina que fique esta obrigada a agir em conformidade com o teor da informação prestada, salvaguardada a situação de cumprimento de decisão judicial.[5]

 

Artigo 68º

Informações vinculativas

 

[…] 14 – “ A administração tributária, em relação ao objecto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial”.

 

A vinculação da administração nos exactos termos previstos na primeira parte do número 14 do artigo 68º da LGT, não tem assim eficácia erga omnes, tratando-se de uma vinculação inter partes a que a administração ficará adstrita, em observância aos princípios da boa fé e da protecção da confiança.

Por outro lado, e de acordo com o regime estabelecido no artigo 57º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fica a administração fiscal obrigada a notificar o requerente  da informação ou parecer em que se fundamentou.

 

Artigo 57º

“1. A notificação aos interessados da resposta ao pedido de informação vinculativa inclui obrigatoriamente a informação ou parecer em que a administração tributária se baseou para a sua prestação”

 

Regime diferente se prevê no número 1 do artigo 68º A) da LGT, aditado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (com entrada em vigor em 1/1/12009), no que respeita às orientações genéricas:

 

Artigo 68º A

 

“1.A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”

 

Prescrevendo ainda o seu número 3 que;

 

“ A administração tributária deve proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o  venha a ser “.

 

Por outro lado ainda, não pode deixar de ter-se presente os princípios do procedimento tributário, com assento no artigo 55º da Lei Geral Tributária, e, a propósito, com particular destaque os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, que imporão a nosso ver,  sem prejuízo do que fica dito, e louvando-nos na  interpretação que decorre da doutrina [6]a obrigação de não tratar discriminatoriamente os contribuintes que deriva daquele principio da igualdade (arts. 266º nº 2 e 55º da LGT) impõe que se repita a aplicação do regime de informações vinculativas em relação a contribuintes que estejam em situação idêntica à que foi objecto de informação, independentemente da transformação da informação vinculativa em orientação genérica”.

 

Subscrevemos pois, que a doutrina que se extrai da ficha doutrinária, relativa ao processo nº 3489/05- Despacho de 15-10-2007, do Substituto Legal do Director - Geral deverá ter-se em consideração para situações similares “à que foi objecto de informação”, mesmo sem a sua “transmutação” em orientações genéricas.

 

 

Não obstante, no caso sub judice, sem necessidade a nosso ver, de aferir acerca do acerto (e quiçá da origem ou natureza), dos rendimentos auferidos pela Requerente durante o período compreendido entre 1999 a 2010 da entidade “…”, no montante de 10.952.606,90 €, como decorre dos documentos juntos a folhas 110,112,114,116,118 e 120 do processo administrativo,

 

A questão central é saber-se se a Requerente provou, que a título de rendimentos, provenientes de royalties no ano de 2009 recebeu da mencionada entidade a quantia de 410.493,99 €, e se foi efectuada e liquidada, a retenção de 10%, sobre os mesmos, no montante de 41.049,40 € no país de origem dos mesmos (Alemanha), como afirma.

 

Com efeito, decorre das regras gerais das “CDT´s” que a competência para a tributação de rendimentos, com origem em royalties é, por regra, cumulativa, ou seja conferida ao estado da fonte e ao estado de residência.

 

Necessária pois de torna, indagar se o Requerente fez prova, quer do recebimento, quer da retenção na fonte, correspondente a 10%, sobre o referido valor de 410.493,00€ (por força do artigo 12º da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha) para poder deduzir à sua colecta tal pagamento, no montante de 41.049,40 €.

Por outro lado ainda, e não displicentemente, necessário será averiguar se estaremos: (i) perante o mesmo imposto, (ii) se existe incidência sobre a mesma pessoa, (iii) se estaremos sobre o mesmo rendimento e (iv) perante o mesmo período, condições essas absolutamente determinantes para se verificar a dupla tributação jurídica.

Se relativamente aos requisitos descritos sob (i), (ii) parece, no nosso entendimento, que não se suscitarão quaisquer dúvidas, já quanto à verificação dos  demais, a prova documental carreada pela Requerente, não conterá a virtualidade de:

 

1º - demonstrar que o rendimento auferido em 2009, no montante de 410. 493,99 €, teve origem em rendimentos respeitantes ao ano de 2009, embora só percebidos em 2010 e 2011, e

 

2º - que sobre esses, especificamente, foi retido e liquidado o valor na fonte correspondente a 10% do seu valor, ou seja, 41.049,40 €.

 

Bem pelo contrário, e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, cremos que sem margem para quaisquer dúvidas, dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e em particular do documento nº 5, “ – “certificados de imposto”, sobressaem, tão somente, montantes de rendimento e correspectivo retenção/ pagamento de imposto, com referência aos períodos de 2010 e 2011, períodos esses que não estão abrangidos pelo pedido da Requerente, não constituindo pois, meio idóneo para efeitos de crédito de imposto relativo ao ano fiscal de 2009.

Encontrando-se assim prejudicado o efeito pretendido pela Requerente quanto ao mesmo.

 

 

V. DECISÃO

 

Termos em que, decide este tribunal em julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente, quanto à ilegalidade parcial da autoliquidação com referência ao ano de 2009, bem assim e como consequência, improcedente o pedido formulado relativo a juros indemnizatórios.

 

 

VALOR DO PROCESSO:

 

De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) 97º A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 41.049,40 €.

 

 

 

CUSTAS:

 

A cargo da Requerente, nos termos dos artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

NOTIFIQUE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

O árbitro

 

 

 

(J. Coutinho Pires)

 

25 de Fevereiro de 2014

 



[1] Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra, Almedina 2013

[2]  Direito Fiscal, 4ª Edição, Coimbra, Almedina, 2010, páginas 198 e seguintes.

[3]  A que outros de “lutar contra a evasão e fraude fiscal de aliviar a carga fiscal dos contribuintes, de incentivar o investimento estrangeiro, de contribuir para o desenvolvimento dos países desenvolvidos e menos desenvolvidos e de promover uma maior cooperação entre Estados” se juntam, segundo José de Campos Amorim,  - “A Interpretação e Aplicação das Convenções de Dupla Tributação”, página 472 obra colectiva “Os 10 anos de Investigação do CIJE” – – Coimbra, Almedina, 2010.

[4] “I. A informação vinculativa a que se referem os artigos 68º da LGT e 57º do CPPT concretiza o princípio da colaboração da Administração Tributária com os contribuintes, e realiza o direito destes à informação “ . in   Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7/12/2004, processo nº 908/04

[5] De acordo com Joaquim Freitas da Rocha – “ Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora,2009,  páginas 142 e seguintes,  “trata-se de uma vinculação relativa e não absoluta, no sentido de que a informação prestada cede perante uma decisão em contrário dos tribunais” (artigo 68º nº 14 LGT)

[6] Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 4ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, páginas 618 e seguintes